Ela se sujeitou às exigências da comissão organizadora do Festival Eurovisão 2024 e alterou o título e parte da letra da canção que apresentaria no evento, trocando “October Rain” por “Hurricane”.

A letra foi rejeitada pela União Europeia de Radiodifusão, que organiza o concurso, por ser considerada demasiado política, pois fazia referência ao ataque do grupo terrorista Hamas, em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel. Ela ignorou as ameaças feitas caso participasse da disputa internacional representando Israel e enfrentou, de cabeça erguida, envolta na bandeira de seu país, as manifestações de ódio e as vaias durante sua performance. 

Ela é Eden Golan, israelense de 21 anos, unhas compridas, perfeitamente cuidadas, e longo cabelo cor-de-rosa, que são parte inseparável da sua personalidade, de seu DNA, como sempre diz. Ela, que subiu ao palco em Malmo, Suécia, e, apesar da forte campanha internacional contra sua presença na competição e do desprezo de muitos dos participantes, graças à votação popular pela internet, passou do 14º lugar, decorrente da contagem de pontos do júri oficial, para o 5º lugar! 

Eden Golan conquistou o direito de representar Israel no Eurovisão ao vencer a final do programa de música HaKokhav HaBa, quando cantou I Don’t Want to Miss a Thing, de Aerosmith, cercada por cadeiras vazias numa referência clara aos reféns ainda mantidos na Faixa de Gaza.

Este ano, as tensões geopolíticas sobre a participação de Israel no Festival Eurovisão tiraram em grande parte o brilho de um evento que deveria ter a música como ponto central. No entanto, o público que acompanhou a disputa pelas redes sociais, ao dar seu voto para o Hurricane de Eden Golan, mostrou que a arte deve estar acima das disputas ideológicas e que, em uma competição artística, o que deve prevalecer é o talento. 

Ela enfrentou ameaças sem precedentes, algo que nenhum artista deve suportar. Ostracismo, falta de liberdade para sair do hotel sem disfarce e apenas sob a forte vigilância dos seguranças, além das vaias e assobios do público cada vez que subia ao palco. Sobre estes momentos, contou: “As pessoas não sabem, mas cantei a maior parte da minha apresentação no piloto automático, simplesmente não conseguia me ouvir... Estava preparada para as vaias, mas não tantas... Ainda assim, aquilo acendeu um fogo dentro de mim. Tornou-se ainda mais importante apresentar a minha música e ser ouvida, mostrar que somos fortes, apesar de tudo, e que ninguém pode nos derrotar... Eu realmente sinto que aquela era para ser minha missão”.

Sua voz tornou-se símbolo do espírito indomável de Israel, de sua resiliência e do poder da música para superar divisões. Nenhum outro concorrente foi forçado ao isolamento, independentemente da complexidade geopolítica da sua nação. Aquele padrão duplo de comportamento foi flagrante e vergonhoso. Nas ruas, manifestantes exigiam sua exclusão da competição, mas não conseguiram calar a sua voz.

Segundo dados oficiais, o Eurovisão é acompanhado por mais de 150 milhões de pessoas em todo o mundo. Foi justamente boa parte desse público que garantiu a classificação da jovem israelense. Apesar de ter sido alertada pelo Shin Bet para não sair do hotel, ela fez questão de participar, de surpresa, em um evento promovido pela comunidade judaica local para marcar o Yom HaShoá. Enquanto isso, os demais estavam no jantar de abertura da renomada competição musical.

A participação de Israel no Eurovisão, através da determinação de Eden Golan, foi uma declaração de coragem, uma recusa em ser silenciada ou intimidada por aqueles que procuram nos dividir e destruir. É um lembrete de que mesmo nos tempos mais sombrios, a música tem o poder de curar, de unir as pessoas e de dar esperanças. Com seu Hurricane (Furacão, em tradução livre), Eden Golan foi a porta-voz desta mensagem.

Quem é Eden Golan

Nascida em Kfar Saba, filha de pais russos, viveu parte de sua infância e juventude na terra natal de sua família, onde estudou em uma escola de língua inglesa. Aos 11 anos representou a Rússia numa competição do Eurovisão para jovens e, em 2018, na versão russa do The Voice. Em 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, sua família decidiu retornar a Israel.

Mora com os pais e o irmão mais novo e o cãozinho chihuahua, Leo, em Tel Aviv. Sobre sua vida na Rússia lembra que o antissemitismo era uma realidade e que nunca se sentiu integrada à sociedade. Como ela só voltou para Israel aos 18 anos, não tem amigos de infância, no país. “As pessoas com quem trabalho hoje são meus amigos”, diz ela. “E claro, tenho minha mãe, que sempre foi e sempre será minha melhor amiga.”

Nos últimos meses, para os israelenses, ela se tornou símbolo de orgulho nacional desafiador, em meio à condenação internacional generalizada decorrente da guerra entre Israel e os terroristas do Hamas que controlam a Faixa de Gaza. Sobre este momento que Israel enfrenta, afirma: “Sou uma pessoa muito feliz, embora estejamos passando por momentos muito, muito difíceis como país e tenhamos reféns que precisamos trazer para casa”.

Até às 6h30 daquele 7 de outubro do ano passado, ela jamais tinha ouvido uma sirene. Ainda que diante do horror dos acontecimentos, destaca-se uma de suas características: buscar sempre algo positivo, como por exemplo, a união entre todos buscando ajudar, de alguma forma, o país e uns aos outros. Eden Golan acredita que ela também pode dar sua contribuição através de sua música. Para ela, encontrar a luz em tempos difíceis é a saída. E a arte é uma ferramenta importante nesse processo.

Ao ser entrevistada pouco antes de seu alistamento nas Forças de Defesa de Israel, o repórter lhe perguntou como seu visual extravagante, unhas e cabelos longos e coloridos, se encaixariam nos rígidos limites da vida militar; e se estava preparada para fazer o treinamento básico como todos os jovens israelenses. Ele respondeu confiante: “Eu garanto que posso fazer tudo com essas unhas! Absolutamente tudo. Lavar louça, colocar colares, usar brincos e até manusear uma arma... Se eu tiver que desistir delas durante o treinamento básico, será um mês difícil. Mas farei o que for preciso – eu não me quebro facilmente...vou me adaptar. Espero que os outros recrutas entendam que não sou diferente deles e que lutaremos, nos divertiremos e criaremos laços”.

Apesar do alistamento em Israel ser obrigatório – ela apresentou-se logo após o Eurovisão –, foi isenta por razões médicas. Decidiu, então, tornar-se voluntária nas Forças de Defesa de Israel, pois, para ela, servir ao país é vital, principalmente no momento atual. “Gostaria de participar como cantora, apresentando-me para os soldados nas bases, visitando aqueles que nos protegem, levando-lhes um pouco de alegria”. Ela pretende dar início ao voluntariado assim que encerrar sua participação em uma campanha internacional em prol de Israel.

As pessoas sempre lhe perguntam se tem algum arrependimento por ter representado Israel neste momento desafiador. Sua resposta é um sonoro “não” e completa: “Ganhei uma exposição global extraordinária porque todos estavam focados em quem era o representante de Israel. Por outro lado, eu não desejaria a ninguém a pressão que sofri. Tenho casca grossa, mas mesmo para mim foi muito difícil”.

Também é comum que lhe perguntem se imaginou que ficaria tão famosa em tão pouco tempo – está em Israel há pouco mais de dois anos, sendo reconhecida nas ruas e assediada pelos fãs. Sua resposta também é não, mas diz que, quando isso acontece, reage com carinho e não se incomoda de ser fotografada quando lhe pedem. Ainda que surpresa com a fama súbita, diz que não mudou: “Sou a mesma pessoa, fazendo o que mais amo – conectar-me com as pessoas, compartilhar meu amor, compartilhar minha música”.

Símbolo nacional

Depois de encerrar sua jornada no Eurovisão, em maio, Eden Golan não parou para descansar. Além de trabalhar em sua carreira no exterior (ela está atualmente em negociações com grandes gravadoras em Los Angeles e deve lançar seu primeiro single internacional em breve), continua a desempenhar um papel crucial na defesa de Israel, atuando em vários eventos de arrecadação de fundos, no mundo todo. Em julho, ela se apresentou em um grande evento em Londres e, um mês antes, abriu o desfile de Israel em Nova York. “Um caminhão me levou por Manhattan e eu cantei Hurricane, com as ruas cheias de apoiadores de Israel cantando e agitando bandeiras israelenses”, lembra ela. “Foi incrível.”

No dia 8 de outubro último, Eden Golan se apresentou na sede das Nações Unidas e no Central Park, em Nova York, em dois eventos em lembrança aos ataques do Hamas no ano passado, com a letra original de October Rain, além de entoar Hatikva, o hino nacional de Israel. O evento na ONU contou com a presença de embaixadores, diplomatas, ativistas pró-Israel, familiares de reféns do Hamas e das vítimas assassinadas pelos terroristas.

Mais tarde, naquele dia, ela se apresentou em um evento da organização United Hatzalah, onde teve uma surpresa comovente: o prefeito de Nova York, Eric Adams, um firme defensor de Israel, subiu ao palco para anunciar que o dia 4 de junho de 2024 seria reconhecido como o “Dia de Eden Golan” na cidade de Nova York. “Saúdo Eden pela sua coragem como embaixadora cultural da sua amada pátria e aguardo com expectativa o seu sucesso contínuo”, disse ele ao entregar-lhe um certificado de honra.

Após as apresentações, ela postou no seu Instagram o seguinte comentário, feito também quando cantou: “10/7 será um dia que nunca esqueceremos... Tive a honra de me apresentar na ONU e mais tarde no Central Park para compartilhar a dor que experimentamos e continuamos a sentir. Hoje, ‘ser uma nação livre’ tem um significado mais forte do que nunca, e estou orgulhosa de estar nesta sala e diante desta multidão para cantar o Hino Nacional de Israel”. Ela se vê orgulhosamente como embaixadora de Israel: “É uma honra absoluta representar Israel nesses momentos significativos”.

Furacão* (hurricane)

Autor de minha sinfonia
Toque comigo
Olhe dentro dos meus olhos e veja
As pessoas se afastam, mas nunca dizem adeus

Alguém roubou a lua esta noite
Levou minha luz…
Tudo está preto e branco
Quem é o tolo que lhe disse que meninos não choram?

Vivendo uma fantasia, em êxtase,
Tudo tem uma razão de ser
Morreremos, mas o amor jamais morrerá.

(Coro)
Horas e mais horas, empoderam
A vida não é brincadeira, mas é nossa
À medida que o tempo passa, desenfreado,
Dia após dia perco a cabeça
Presa a essa corrida misteriosa…
Dançando sob a tempestade
Nada tenho a ocultar
Agarre tudo e deixe o mundo para trás
Querido, prometa-me que, novamente, vai-se prender a mim
Continue despedaçado por esse furacão
Por esse furacão…

(Outro - Tradução livre do hebraico)
Não se necessitam palavras empolgantes
Somente orações
Ainda que seja difícil ver
Você sempre me deixa com
Uma pequena chama de luz.

  • Tradução livre do Inglês.

Chuva de Outubro* (October Rain)

Quem escreve história
Está a meu lado
Olhe dentro dos meus olhos e veja
Que as pessoas se vão sem nunca dizer adeus.

Alguém roubou a lua esta noite
Levou minha luz
Tudo está preto e branco
Quem é o tolo que lhe disse que meninos não choram?

Vivendo uma fantasia, em êxtase,
Tudo tem uma razão de ser
Morreremos, mas o amor jamais morrerá.

(Coro)
Horas e mais horas, e flores
A vida não é brinquedo para os covardes
Por que o tempo causa esse alvoroço?
Dia após dia perco a cabeça
Presa a essa corrida misteriosa…
Dançando sob a tempestade
Nada temos a ocultar.
Leva-me para casa e deixa este mundo para trás
E te prometo que nunca mais…
Ainda estou molhada desta chuva de outubro
Chuva de outubro…

(Outro - Tradução livre do hebraico)
Foi-se o ar que respiramos
Foi-se o espaço
Foi-se o eu…
Somos todos bons meninos, um a um…

  • Tradução livre do Inglês.