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Resumo:
O Parlamento português quis saber a opinião da Comunidade Judaica do Porto sobre possíveis alterações à lei que permite a nacionalidade de judeus de origem sefardita.
A Comunidade respondeu que não coopera com um Estado que encetou uma acção antissemita e terrorista contra a comunidade (desde os líderes religiosos e seculares até ao museólogo e ao porteiro) com base em denúncias anónimas da ralé da sociedade.
Exmo. Senhor
Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Assunto: Solicitação de emissão de parecer sobre os PJLs 028/XV/1.ª (PCP) e 127XV/1.ª (L)
1. São do domínio público o entendimento e os critérios seguidos pela Comunidade Judaica do Porto durante sete anos.
2. A chamada legislação dos sefarditas, publicada em 2013 e 2015, destinava-se, conforme a vontade dos legisladores de então, a religar Portugal com a diáspora sefardita originária de Sefarad. Mais de 1 milhão de pessoas poderiam beneficiar desse direito, contando apenas as famílias tradicionais das comunidades sefarditas do norte da África e do antigo Império Otomano. Passaram sete anos. Cerca de 10% daquele número solicitou a nacionalidade e cerca de 5% obteve-a.
3. Em 2020, foi desencadeada uma campanha de difamação contra aquela legislação por parte de agentes do Estado. “Os candidatos só querem passaportes de conveniência”, “são dezenas de milhões de candidatos”, “Os requerentes sefarditas têm filhos e cônjuges”, “para obter a cidadania os requerentes só precisam de pagar milhares de euros a genealogistas, advogados e às comunidades judaicas portuguesas” e outras acusações similares. Ao mesmo tempo, foi deliberadamente silenciado o crescimento numérico de 1000% da comunidade judaica portuguesa e a obra que a Comunidade Judaica do Porto produziu ao longo dos anos: a construção de centros para jovens judeus, de restaurantes, lojas e estabelecimentos kosher, do cemitério judaico, do maior Chabad Center da Europa, do Museu do Holocausto, do Museu Judaico do Porto, do Cinema Judaico do Porto, a produção de três longas metragens premiadas internacionalmente (“Sefarad”, “1618” e “A Luz de Judá”), o tratamento dos processos inquisitoriais em perigo de apodrecimento na Torre do Tombo, a elaboração da maior biblioteca judaica de Portugal e Espanha, o combate ao antissemitismo e as muitas doações para pobres, doentes, idosos, hospitais, bem como para kolelin e sinagogas de todo o mundo, para refeições de Shabbat em comunidades judaicas de 14 países, para mikvaot centers, escolas e cemitérios em Jerusalém, Ashdod, Moscovo e Bangkok, para Bancos Alimentares de países vários, para acudir a catástrofes em África e na Ásia, para todos os projectos da Keren Hayesod em Israel, para as acções sociais da Diocese do Porto e para a iniciativa mundial Mukhayriq, que visa juntar novamente judeus e muçulmanos hoje tão distantes devido a incompreensões mútuas.
4. Em dezembro de 2021 aquele grupo de agentes do Estado voltou à carga, recolheu denúncias anónimas da ralé da sociedade, reduziu a chamada lei dos sefarditas aos emolumentos cobrados pela Comunidade Judaica do Porto, difundiu que os dirigentes desta desviavam dinheiro da organização, envolveu-os em “suspeitas” de corrupção e criou um clima de terror e de notícias desfavoráveis através de meia dúzia de jornalistas previamente escolhidos e de influencers com lastro antissemita. Semana após semana, assistiu-se ao holocausto de famílias inteiras expostas nos jornais e arrastadas pelos cabelos para as televisões, com base em denúncias anónimas. Ninguém escapou a esse tipo de "purificação" ao estilo da Inquisição, desde os líderes religiosos e seculares – rabinos, presidentes, ex-presidentes, vice-presidentes, tesoureiros, vogais, secretários – ao museólogo e ao porteiro.
5. De facto, com vista à tentativa de destruição da Comunidade Judaica do Porto, os agentes de Estado que tudo organizaram com aqueles jornalistas, influencers, caluniadores e, finalmente, magistrados e polícias, utilizaram em seu proveito denúncias que sabiam ser caluniosas e que sabiam ter sido perpetradas por “anónimos” cuja identidade eles conheciam, desde logo um condenado em tribunal por defender que os não-judeus são “merda”, que os não-judeus são pessoas “sem qualidade humana”, que os não-judeus são pessoas “sem valor”, que os não-judeus “causam repulsa”, que os não-judeus são “desprezíveis”, que os não-judeus são “nojentos”, que os não judeus são “pessoas porcas”, que os não-judeus são “pessoas sujas” e outras. (O Tribunal Criminal do Porto, no Processo 10444/16.0T9PRT, considerou que o caluniador ali julgado, por força da sua conduta, actuou de modo altamente difamatório e insultuoso!)
6. A polícia invadiu a sinagoga Kadoorie como se fosse um prostíbulo e foi a correr para a casa da Vice-Presidente, neta do Capitão Barros Basto, fundador da Comunidade Judaica do Porto, à procura de malas cheias de dinheiro. A Vice-Presidente, cuja vida tem sido dedicada a reabilitar o seu avô (Capitão Barros Basto, outrora alvo do Estado Novo, que tirou proveito de denúncias anónimas, em 1934 e 1936, para o destruir, a ele e à Comunidade), foi também ela vítima de denúncias anónimas idênticas, ao ponto de ver a sua vida brutalizada como jamais pensou ser possível. Às 8h30 do dia 11 de março de 2022, aquela distinta economista, septuagenária, doente por força de um grave acidente, teve de fugir para a casa de banho quando viu a sua casa invadida por mais de dez pessoas, que veio depois a apurar serem polícias, que procuravam malas de dinheiro, bem como facturas falsas do seu marido. Uma vergonha.
7. As teorias da conspiração também fizeram a sua aparição, o que é normal quando o tema é ‘judeus’. Nas cartas anónimas que agentes do Estado português disseminaram pelas redacções dos jornais, o membro da direçcão responsável pelos assuntos jurídicos foi acusado de ter feito a legislação da nacionalidade dos sefarditas (que o parlamento e o governo unanimemente aprovaram em 2013 e 2015) para traficar passaportes e roubar os emolumentos pagos pelos requerentes. Foi o alvo mais odiado, o nome mais repetido nas denúncias, porque durante mais de uma década comandou os processos de reabilitação do capitão Barros Basto, da sinagoga Kadoorie e da própria Comunidade, sem nunca desempenhar um lugar de representação institucional, sem nunca receber um visitante ilustre, sem nunca dar uma entrevista, sem nunca fazer um discurso à congregação. Como escreveu a senhora mais idosa da CIP/CJP, aos 94 anos, “Nothing changed very much for the Synagogue for the next thirty to forty years — until one day someone came along to breathe new life into the old, empty Synagogue. The congregation grew, and grew, and now it makes me happy to see that the Synagogue has finally more than fulfilled its destiny.”
8. O Rabino-Chefe da Comunidade Judaica do Porto, a pessoa mais preparada em Portugal para emitir certificados de sefardismo, rigoroso ao ponto de ter recusado certificar um candidato a Rabino-Chefe de Israel e um ministro do Brasil, entre muitas outras relevantes personalidades do mundo actual, foi detido, obrigado a permanecer em Portugal e humilhado em todo o mundo, com base em graves falsidades, designadamente as seguintes: por ter certificado Patrick Drahi (que afinal fora certificado pela Comunidade Judaica de Lisboa, e bem), por ter certificado Roman Abramovich (que afinal fora certificado pelo Rabinato Russo, e bem), por exigir a “crença religiosa” dos requerentes (o que afinal ele nunca fez, pois ser judeu é uma genealogia matrilinear), por corromper conservatórias (quando afinal, que se saiba, ele nenhuma conhece), por desviar o dinheiro dos emolumentos pagos pelos sefarditas (o que é tecnicamente impossível na CIP/CJP), por branquear o dinheiro dos desvios que nunca aconteceram, e por suposta deslealdade intelectual por parte de Rabinos Chefes de países com comunidades judaicas muito fortes.
9. O Tribunal restituiu o Chefe Rabino à liberdade e não o impediu de continuar a emitir certificados de sefardismo. Porém, o Conselho de Administração da Comunidade judaica do Porto decidiu suspender completamente esta actividade, pois recusa-se a cooperar com um Estado que enceta uma acção antissemita e terrorista contra uma comunidade judaica organizada com base em denúncias anónimas inverosímeis perpetradas pela ralé da sociedade.
10. Por força destes factos e razões, a Comunidade perdeu qualquer interesse em cooperar com o Estado e, por ordem da Assembleia Geral, inaugurou uma nova sala no Museu Judaico do Porto. Centenas de alunos de escolas e turistas foram os primeiros a visitar a nova sala, que apresenta a cronologia do antissemitismo em Portugal entre 2015-2022 e uma explicação da génese do presente processo penal. Em breve haverá também uma vitrina bem iluminada contendo todas as denúncias que levaram a este processo e fotografias de todas as personagens que fizeram, divulgaram e aproveitaram tais denúncias com propósitos malignos.
Com os melhores cumprimentos,
Em nome da Direcção e da Assembleia Geral
Gabriel Senderowicz, Presidente CIP/CJP
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