Nesta edição, queremos compartilhar com nossos leitores os bastidores da trajetória destes 30 anos da Morashá e, dessa forma, mostrar como uma revista feita por voluntárias se transformou em uma publicação altamente profissional. Tanto é assim que exemplares enviados, de forma gratuita, para todo o Brasil e exterior são incorporados a bibliotecas e utilizados como fontes de pesquisa. O site é mensalmente visitado por milhares de internautas.
A ideia de uma revista judaica surgiu no final de 1992, quando alguns diretores da Sinagoga Beit Yaacov, em uma conversa informal com seu presidente, Joseph Safra, ressaltaram a necessidade de uma publicação sefaradita no Brasil. Na ocasião, perguntaram a Vicky Safra se poderia assumir essa missão. Ela respondeu que não tinha experiência na área, mas iria estudar o assunto.
Em janeiro de 1993, Vicky reuniu, em uma sala da Sinagoga Beit Yaacov Bela Cintra, um grupo de jovens voluntárias que, após debater a ideia, decidiu aceitar a tarefa. Nossa motivação era o comprometimento com o Judaísmo. Sabíamos da importância de ampliar, cada vez mais, o acesso a informações sobre as Leis, História e tradições do nosso povo.
No início, os mais céticos acreditavam estar fadada ao fracasso uma publicação produzida por um grupo de mulheres sem experiência editorial. Na verdade, ao nos reunirmos 30 anos atrás, pouco sabíamos sobre a produção de uma revista, mas tínhamos determinação, além de contarmos com o apoio e o incentivo de Joseph Safra, fundamental em nosso trajeto.
O primeiro passo foi a escolha do nome da publicação, que, para Vicky e Joseph, deveria refletir o nosso objetivo, ou seja, a difusão da herança judaica. Um dia, enquanto discutíamos a questão, o rabino Efraim Laniado, entrou na sala em que estávamos reunidas e lhe perguntamos que palavra expressava essa ideia. Ele respondeu que a palavra hebraica Morashá significava “herança espiritual”, como se vê em “Torá tzivá lanu Moshé, morashá, kehillat Yaakov” (“A Torá que Moshé nos ordenou é a herança da congregação de Jacob”). A escolha foi unânime. Morashá era o nome perfeito.
A revista, com periodicidade trimestral e distribuição gratuita, seguiria uma linha editorial baseada na linha religiosa adotada pela Congregação Beit Yaacov, à qual pertencíamos e cujos rabinos Y. David Weitman, Efraim Laniado e Alberto Cohen ficariam a cargo da supervisão religiosa.
Foi decidido que a Morashá se absteria de abordar assuntos políticos ou controvertidos. Os artigos, apenas sobre temas relacionados ao nosso povo e ao Judaísmo, deviam ser originais e, exceto aqueles recebidos de colaboradores, não seriam assinados. Desde então, nosso objetivo sempre foi difundir o Judaísmo em todos os seus aspectos: religiosos, históricos e culturais. Nas palavras do Rabino Lorde Jonathan Sacks, mostrar, a cada edição, a “grandeza de ser judeu”.
Após as definições iniciais, partimos para a seleção dos temas. Naquela época, qualquer pesquisa implicava debruçar-se em livros para encontrar material, pois não existiam nem “Google” (só lançado em 1998), nem Kindle books e outras tecnologias hoje disponíveis. Não era rápido e tampouco fácil. Vicky saiu à procura de obras sobre o nosso povo e o Judaísmo as quais, com o tempo, formaram uma vasta biblioteca com centenas de livros. Esse acervo é de extrema importância para nossas pesquisas.
Começamos, então, a pesquisar, escrever, procurar a capa da primeira edição e buscar imagens para acompanhar os textos. Desde então, a produção gráfica está a cargo da empresa JR Graphiks, de Joel Rechtman, e a diagramação, de Reginaldo Coelho.
Em maio daquele ano de 1993, a primeira edição da Morashá saiu da gráfica com 35 páginas e tiragem de 5.000 exemplares. Como havíamos decidido não incluir nem publicidade nem encartes promocionais na revista, surgiu a ideia de ter páginas com o nome dos doadores, cada uma com um valor diferente. A maioria dos patrocinadores apoia-nos há 30 anos.
Logo percebemos que, diante da vastidão do mundo e da cultura judaica, o espaço era pequeno demais para transmitir um pouco dessa riqueza. Assim, ainda em setembro de 1993, aumentamos o número de páginas para 50 e, exatamente um ano depois, para 60.
Desde a primeira edição, nunca paramos de pesquisar, escrever, procurar imagens para capas e textos. Todas as matérias são revisadas com rigor para garantir um português de alto nível. A responsável por essa tarefa extenuante é Lilia Wachsmann. A definição das seções consolidou-se com o tempo. O objetivo era levar aos leitores nossa “herança espiritual”: informações não só sobre nossas festas e tradições, mas também sobre Israel, a Diáspora e judeus de destaque em sua respectiva área de atuação. Desde o início, havia um comprometimento com a memória da Shoá.
Desde as primeiras edições, contamos com colaboradores cujo nome sempre publicamos. Autores como Jaime Spitzcovsky, Zevi Ghivelder e Tev Djmal estão constantemente presentes em nossas páginas. Desirée Suslick é nossa jornalista responsável. Além disso, recebemos muitos artigos que, antes de serem aprovados para uma possível publicação, passam pela coordenação editorial e por uma supervisão religiosa. Tivemos a honra de publicar entrevistas exclusivas de personalidades do mundo judaico como o Rabino Lorde Jonathan Sacks, que atuou como Rabino-Chefe do Reino Unido durante 22 anos; Shimon Peres, primeiro-ministro e presidente de Israel; Elie Wiesel, a voz do Holocausto; e Leah Rabin, entre outros.
A escolha da capa costuma levar semanas. Para algumas edições, dezenas de imagens são analisadas e discutidas. Provas são impressas até chegarmos a um consenso sobre o resultado. Os temas são pensados com cuidado para garantir um equilíbrio editorial. A pesquisa para cada matéria leva dias, às vezes semanas ou até meses. A preocupação com o conteúdo é muito grande, e cada assunto é estudado com profundidade, pois estamos cientes de nossa responsabilidade perante os leitores, sobretudo porque a revista é utilizada como material de referência em escolas e universidades. Diante de datas e informações conflitantes, damos continuidade às investigações até estarmos convictas das mais precisas. O português de cada texto é corrigido “à exaustão”. A busca por imagens que ilustrem cada matéria não é um processo simples, pois a parte visual tem que estar alinhada ao conteúdo. Todo esse processo ocorre continuamente. Assim que uma edição vai para a gráfica, temos a sensação de missão cumprida, mas logo começamos a trabalhar na seguinte. Recomeçamos as pesquisas de assuntos para novas matérias, bem como a procura de imagens para a capa e os artigos. Nosso objetivo é melhorar a cada edição. Aos poucos, a revista profissionaliza-se cada vez mais.
Após alguns anos de uso da sala de reuniões da Sinagoga Beit Yaacov Bela Cintra como “escritório”, resolvemos que seria mais produtivo trabalhar em casa. Assim, podemos dizer que a Morashá “inaugurou” o home office. Decidimos só nos encontrar quando os artigos já estivessem semiprontos para complementar as informações, buscar imagens e reler os textos.
Em 1998, para atualizar o visual da revista, procuramos a LEN Comunicação e Branding, que é, até hoje, responsável pelo design gráfico da publicação. Em setembro daquele ano, lançamos uma nova diagramação.
O ano 2000 representou um dos marcos na trajetória da Morashá. Em abril, a revista passou a ter 80 páginas. Em setembro, foi lançado o site morasha.com.br, que, com o tempo, se tornou uma verdadeira biblioteca com mais de 1.300 artigos.
Ao longo dos anos, nossos projetos ampliaram-se, e, em 2001, foi oficialmente constituído o Instituto Morashá de Cultura. Trouxemos palestrantes ilustres como o Prof. Yosef Hayim Yerushalmi, titular da cátedra de História, Cultura e Sociedade Judaica da Universidade de Colúmbia, em Nova York; o Rabino-Chefe da França, Joseph Sitruk; o Rabino Dr. Abraham J. Twerski, fundador do Centro de Reabilitação Gateway para o Tratamento de Dependentes Químicos; e o Grão-Rabino Lorde Jonathan Sacks, entre outros.
Em dezembro de 2002, o Instituto Morashá cria o Centro Morashá de Memória, um novo projeto que resultaria em uma exposição e um livro. Nosso objetivo era a preservação, em formato digital, das reminiscências de judeus originários do Oriente Médio, Grécia, Itália e Norte da África. As voluntárias do projeto começaram, então, a pedir, a toda a comunidade sefaradita de São Paulo, fotografias, cartas e documentos que foram recolhidos na casa das famílias que concordaram em participar, sendo escaneados, catalogados e devolvidos com rapidez.
Em vários casos, o material a nós temporariamente confiado fazia parte das poucas memórias trazidas dos países dos quais os judeus foram expulsos ou tiveram que fugir após a fundação do Estado de Israel, em 1948. Muitas vezes, a legendagem das fotos foi uma tarefa difícil por causa da escassez de informações sobre as mesmas. Coletamos um precioso material que se encontra preservado digitalmente em nosso banco de dados.
Em 2003, quando a revista celebrou dez anos, tivemos mais uma ideia: a publicação de um encarte com um passo a passo para cada festa religiosa. O primeiro foi o de Pessach. Desde então, aprimoramos, a cada edição, esses guias que, incluídos na revista para facilitar a preparação das celebrações de Rosh Hashaná e Pessach, são utilizados por milhares de judeus.
O Centro Morashá de Memória exigira um trabalho colossal e exaustivo, mas extremamente gratificante. Em dezembro de 2004, foi realizada uma exposição de materiais do acervo da instituição intitulada “Raízes de uma jornada”. Os meses que a antecederam foram de planejamento e tensão. A escolha das imagens para os painéis envolveu não só uma preocupação estética, mas também a certeza da representação de todos os que cederam fotos e documentos. O evento, parte das comemorações dos 45 anos da fundação da Congregação Beit Yaacov, foi um sucesso. A emoção estava estampada nos rostos tanto do público como das participantes do projeto.
O que fazer com a vasta coleção de fotografias e documentos em nosso banco de dados? Mais uma vez, a sugestão de Joseph Safra foi fundamental. “Publiquem um livro”, disse ele a Vicky. No entanto, como faríamos isso? Não éramos nem escritoras, nem historiadoras. De novo, encaramos de frente o desafio e partimos para a elaboração da obra. Foi um árduo processo. Se a exposição havia sido trabalhosa, o livro Raízes de uma jornada foi infinitamente mais. Nos anos seguintes, pesquisamos e escrevemos a História dos judeus sefaraditas desde os primórdios.
Em paralelo, preparamos uma nova edição da Hagadá de Pessach com lindas iluminuras. Os rabinos Alberto e Victor Cohen trabalharam no projeto e muitos dos comentários inéditos nela incluídos foram escritos por um de nossos colaboradores, Tev Djmal. O lançamento foi em abril de 2007.
O texto de Raízes de uma jornada estava em desenvolvimento quando nos demos conta da dificuldade que seria a seleção das imagens e documentos do Centro de Memória para fazer parte da obra. Só essa tarefa levou dois anos. Finalmente, o livro foi lançado na Sinagoga Beit Yaacov em setembro de 2009 – após meia década de árduo trabalho. Em 456 páginas, traça o caminho percorrido, até São Paulo, pelas famílias sefaraditas que hoje compõem a Congregação Beit Yaacov.
Ao longo de 30 anos de existência, uma revista criada por voluntárias cresceu e se tornou uma publicação altamente profissional de 88 páginas, com uma distribuição de 26 mil exemplares. Encontrada em bibliotecas nacionais, serve como fonte para pesquisas em escolas e universidades. Apesar dessa crescente profissionalização, a estrutura básica da Morashá nunca mudou, com Vicky Safra à frente do projeto desde o primeiro dia da criação da revista. Clairy Dayan e Fortuna Djmal ainda são coordenadoras da publicação, mas a elas juntou-se Tamara Djmal.
Quanto ao futuro da Morashá, nossos planos incluem, lançamento de um novo site e a expansão da quantidade de leitores não só da versão impressa, mas também da digital e a publicação de mais livros.
Vicky Safra
Clairy Dayan
Fortuna Djmal