A coleção de vestuário e joalheria feminina do Museu Israel, em Jerusalém, é uma das maiores e mais ricas do mundo. A ampla variedade de trajes e adornos expostos em suas galerias nos permitem conhecer a rica e fascinante cultura judaica das diferentes comunidades onde viveram os judeus, através dos tempos. Dentre os mais deslumbrantes estão os adornos para cobrir a cabeça usados pelas mulheres judias depois de casadas, em hebraico, Kissui ha-Rosh, nas várias comunidades através do mundo e dos tempos.
De acordo com a Lei Judaica, uma mulher casada deve cobrir seus cabelos. Inúmeros simbolismos espirituais e religiosos estão por trás do ato de um judeu cobrir a cabeça. No caso do homem, é um sinal de reverência a D’us. Desde tempos imemoriais praticava-se o costume judaico de cobrir a cabeça em todos os momentos, mas a tradição de usar uma kipá, o solidéu judaico, não se origina em nenhuma passagem bíblica. Era, sim, um costume que se tornou lei, como sinal de reverência e de nosso reconhecimento de que há um Ser Supremo “acima” de nós, nosso D’us, Todo Poderoso, que tudo observa e tudo sabe.
Já para as mulheres, cobrir os cabelos após seu casamento é um mandamento, uma mitzvá de um significado profundo. É uma questão de modéstia, tzniut, sendo por isso que, há milênios, as mulheres judias casadas cobrem a cabeça. Na literatura rabínica, há várias histórias que relatam as bênçãos obtidas por mulheres que cumpriam o mandamento de cobrir sua cabeça.
A cabeleira feminina sempre foi considerada um atrativo, um detalhe muito importante para realçar a beleza da mulher, de todas as idades. Nos tempos bíblicos, até as mais jovens e solteiras chegavam a cobrir os cabelos, mas para as mulheres casadas, o fato de usar um Kissui ha-Rosh, uma cobertura adequada para seus cabelos, era algo fundamental, símbolo de seu compromisso matrimonial.
No Livro dos Salmos, o Rei David afirma: “A dignidade da filha de um rei é a sua modéstia”. Com isso, nosso David ha-Melech atestava que a glória interior da filha da realeza tinha profundo impacto em sua aparência exterior, e esse efeito era percebido na forma como se trajava.
Ao cobrir os cabelos a mulher judia casada declara, com modéstia: “Podem ver-me, mas não estou descoberta ao olho público. Mesmo meus cabelos, parte mais óbvia e visível de minha pessoa, não estão visíveis a olhos estranhos”. Ao cobrir seus cabelos, a mulher cria uma barreira psicológica, uma distância cognitiva. Sua beleza se torna imperceptível, discreta, inatingível.
Essa obrigação da mulher casada de cobrir os cabelos sempre foi tema de debates por parte de autoridades rabínicas. Em diferentes épocas e países os rabinos se questionavam de que forma essa lei deveria ser cumprida, abrangendo perguntas que incluíam detalhes sobre o tipo de material que podia ser utilizado nos Kissui ha-Rosh e se, no cumprimento da prática, alguma parte do cabelo da mulher podia ou não ser exposta; se isso devia ser feito apenas fora do lar ou também em casa, e inclusive discutiam quais as exigências quando se tratava de mulheres divorciadas e viúvas.
Na época rabínica, por exemplo, Rabi Maharam Alshakar (séc. 16, Espanha, Cairo e Jerusalém), dizia que era permitido deixar à mostra algumas mechas de cabelo, na testa, sob os turbantes ou outros adereços, apesar de que a tradição ditava que todos os fios do cabelo feminino estivessem cobertos. Esta determinação criou aquilo que muitos judeus ortodoxos entendem como a “regra da medida da largura da mão”, ou um tefach, de cabelo. No século 20, o Rabino Moshe Feinstein, defendia ser “adequado” cobrir totalmente os cabelos, afirmando, contudo, que deixar à mostra um tefach, um palmo de cabelo visível, não constituía uma violação da Dat Yehudit, “da lei referente à mulher judia”.
Várias mulheres optam por usar uma peruca para cobrir seus cabelos, conhecida no mundo judaico como sheitel. É interessante notar que o uso de perucas se popularizou entre os não-judeus bem antes do que entre as mulheres judias praticantes. Na França, no século 16, as cabeleiras artificiais começam a ser um acessório da moda para homens e mulheres. Nessa época, os rabinos rejeitaram seu uso por mulheres judias por não considerarem adequado copiar os “costumes dos outros povos”.
Algumas mulheres passaram a ver as perucas como uma forma de cobrir a cabeça sem ter que recorrer a adereços, turbantes ou lenços trabalhados. Finalmente, seu uso passou a ser adotado, relutantemente, mas, ainda assim, as mulheres continuaram adornando as perucas com outros recursos, tais como chapéus ou lenços com bonitas amarrações (tíchel, em iídiche). E essa tradição perdura até hoje em muitas comunidades religiosas e chassídicas.
Símbolos no vestuário feminino judaico
O estudo dos adereços usados na cabeça por mulheres judias é muito amplo por serem os Kissui ha-Rosh um dos principais símbolos no vestuário feminino judaico e, consequentemente, um dos elementos principais de qualquer indagação histórica, antropológica ou social sobre a época e comunidade onde viviam e vivem as mulheres.
Atualmente, para milhares de mulheres judias casadas cobrir os cabelos depois do casamento não é um costume obscuro, “medieval”, de outra era. É um detalhe atemporal – e sempre atual – da tradição judaica tanto entre as mulheres que vivem na Diáspora como em Israel, entre donas de casa, professoras, executivas e ocupantes de cargos públicos, onde quer que vivam.
Como variavam os costumes e estilos entre as diferentes comunidades, através desses adereços podemos saber se a mulher era sefaradita, ou oriental, ou se era de origem ashquenazi, da Europa Oriental ou Ocidental, de família chassídica e a que linha chassídica ela pertencia ou se seus familiares eram mitnagdim (oponentes do Chassidismo). Os adereços nos revelavam não apenas o estado civil de uma mulher, mas onde e quando esse objeto de vestuário era utilizado; se era usado quando ela frequentava locais públicos ou privados, na sinagoga ou no lar; e se era usado em uma ocasião especial, pois havia variações nos adereços usados em ocasiões como o Shabat, as festividades religiosas, os casamentos. Os adornos variavam, também, de acordo com o status social e econômico da família.
Comunidades sefaraditas e orientais
As mulheres sefaraditas e do Oriente Médio, que tinham maior poder aquisitivo e melhor status social, usavam adereços de rico tecidos, adornados por lindos bordados e pedras semipreciosas, fios de ouro e prata, pérolas, corais, outras joias e até moedas. As joias e moedas utilizadas nesses adornos para cabeça eram de propriedade da esposa, isto é, faziam parte de seu dote.
Nos países orientais, como Marrocos e Tunísia, então, não havia limites para as noivas no dia do casamento e nos que antecediam seu “grande dia” na criatividade de suas coiffes e sua maquilagem, ainda acentuada por pinturas com hena nas mãos e antebraço, e nos pés. Acreditavam que esse costume traria felicidade e fortuna e, muito importante, servia para afastar os maus olhados e maus espíritos que poderiam atrapalhar a felicidade do casal que estava prestes a se formar.
Como sabemos, nada mais bonito do que os adornos usados, desde sempre, para cobrir os cabelos da noiva nos casamentos judaicos. Um dos adereços que podem ser admirados na coleção de vestuário feminina do Museu Israel é um lindo xale para noiva, bordado em lantejoulas e proveniente de Bukhara e Uzbequistão, início do século 20. Feito em tule de algodão, é todo recoberto com lantejoulas e fios de seda, com franjas também em seda. Com esse belo ornamento cobrindo seu rosto e sua cabeça, a noiva certamente seguia em frente, abençoada e temente a D’us, firme e feliz, dos braços de seu pai para os de seu marido, pronta para criar mais uma família dentre os Bnei Israel, os Filhos de Israel.
Como vimos acima, nas comunidades judaicas orientais os adereços de mulheres de famílias mais prósperas eram confeccionados em rico tecidos, de cores vivas, com suntuosos bordados. No Marrocos, em Bukhara, na Géorgia e no Iraque, as mulheres judias incorporaram o uso de cabelos “falsos”, que podiam ser confeccionados parcialmente com fios humanos ou de animais, seda ou fibras de lã. No Marrocos, quando era proibido o uso de cabelo humano, usava-se crina de cavalo, seda ou penas. O cabelo falso era repartido acima da testa, com cachos nas laterais ou duas longas tranças negras ao longo do rosto; ou também tranças amarradas nas costas. Muitos arranjos no Marrocos incluíam o Swalf ou Fasfift, uma faixa estruturada, feita de diferentes materiais, usada em volta da cabeça, como uma tiara, desde a testa, e que podia ser enfeitada com bordados, pérolas, miçangas, entre outros. O cabelo postiço, quando usado, variava em seu feitio.
Os Fasfift chegavam a ser usados como diademas, como se pode ver na imagem de um desses adornos, oriundo de Kl’a el-Meguna, sul do Marrocos. A foto é de meados do século passado. O diadema de tecido foi confeccionado em lã de feltro, acolchoado, e adornado com imitação de moedas, corais, contas em plástico e pendentes em prata.
No Iraque, no século 19, as mulheres casadas usavam nos cabelos um casquete (Fes-u-tassa) confeccionado em lã, com uma faixa em lã sintética, veludo e bordado em linha metalizada, com uma borla em fio sintético, ao qual, em muitas ocasiões, era incorporado um pingente de cabelo “falso”, como era costume no local. Na Tunísia, as mulheres podiam expor cachos sobre a testa, fazendo uma franja cacheada.
Nesse país são inúmeros os adereços, multicoloridos, usados conforme a ocasião. No início do século 20, em Djerba, uma região do país, as mulheres usavam no dia-a-dia adereços coloridos na cabeça, Kufiyas, confeccionados em algodão ou seda acolchoados, com bordados em linha metalizada. Usavam, também, toucas cônicas ou arredondadas, trabalhadas em cartão acolchoado, com traços em capitonê, forradas em veludo ou algodão, com cordões metalizados, fios enrolados, e bordados em fio de prata e lantejoulas.
Mas em dias de festas, ainda em Djerba, Tunísia, no século 20, as mulheres usavam na cabeça Kufiyas festivos – casquetes forrados em algodão e recobertos com medalhas. São lindos adereços costurados à mão, com placas como medalhas em ouro batido, gravadas e furadas fazendo arabescos. E enfeitados com contas de vidro.
Em Sana’a, no Iêmen, no início do séc. 20, usavam um Gargush Mezahhar, capuz tramado com fios de seda, algodão e fio metálico, em desenho de brocado, com cinco diferentes forros em algodão. Decorado com cordão metalizado e fio de seda, apliques em feitio de correias em prata, pendentes em filigrana de prata e prata dourada. Pérolas e contas de vidro completam os enfeites.
E, enquanto no Uzbequistão, as mulheres costumavam esconder os cabelos com os Kallapüshak, na Geórgia, no início do século 20, as mulheres judias casadas cobriam a cabeça com um adereço composto de uma faixa na testa, com cachos de cabelo pendurados nas laterais e um lenço em renda.
Na Europa
Na Europa, eram também de grande beleza os adereços usados para cobrir os cabelos de mulheres judias com maior poder aquisitivo e status social. De estilo totalmente diferente dos usados no Oriente Médio, eram confeccionados em ricos tecidos, adornados por bordados, pedras semipreciosas, fios de ouro e prata, pérolas, corais e outras joias.
Em meados do século 19, na Alemanha muitas mulheres costumavam usar toucas de seda. Podiam ser nesse tecido, bordado com fios metalizados em ouro e prata, com lindo trançado em pontos de tricô e lantejoulas. Arremates com renda de algodão. No mesmo período, na Polônia, havia mulheres usando toucas confeccionadas em seda recoberta de fios de metal e ouro, com renda de algodão recoberta de fios metálicos.
Como vimos através de belas fotos, o cumprimento dos preceitos religiosos não desmereceu, em nada, a beleza das mulheres judias, de todas as épocas e de todas as regiões. Ao contrário, atendendo às regras de tzniut, de modéstia e respeito, e adaptando os costumes judaicos às práticas e à moda do local onde viviam, as mulheres judias, filhas das Matriarcas de nosso povo, cumpriram as mitzvot que, há milênios, regem o Povo Judeu.
Fotos do livro The Jewish Wardrobe, from the collection of the Israel Museum, Jerusalem, 2019