Ferida durante o massacre no Festival Nova, a cantora Yuval Raphael venceu a competição musical Hacochav HaBá e representará Israel no Eurovision 2025. Durante o ataque, a jovem refugiou-se por oito horas em um abrigo antibomba, à beira da estrada, e fingiu estar morta. Na final do programa em que saiu vitoriosa, a cantora destacou que a música tem tido um papel muito importante em sua recuperação, além de servir como uma poderosa forma de expressão para suas emoções.
Maior evento musical do planeta, o Eurovision tem mais de 160 milhões de espectadores de mais de 40 países. Realizada anualmente, a competição internacional conta com a participação sobretudo de representantes europeus. Em sua 69ª edição, já revelou grandes estrelas como o icônico grupo ABBA, em 1974, e Celine Dion, em 1988. Israel também já conquistou o título, com Netta Barzilai, em 2018.
Yuval Raphael interpretará a música New Day Will Rise (Um Novo Dia Nascerá, em tradução livre) no Eurovision 2025, que será em Basileia, na Suíça, em maio.
A jovem cantora nasceu em 5 de novembro de 2000, em Ra’anana, Israel. Aos 24 anos, é fluente em inglês, francês e hebraico, sua língua materna. Sobrinha da empresária Ronit Raphael, fundadora da marca de cuidados com a pele L. Raphael, viveu três anos com a família em Genebra, onde está sediada a empresa de sua tia. Agora, retornará à Suíça para representar o país natal no Eurovision. Em várias entrevistas desde que foi escolhida afirmou não estar preocupada com a possível rejeição do público por ser israelense, assim como ocorreu com Eden Golan em 2024.
A cantora iniciou sua carreira profissional em 2023. Para sua primeira audição no Hacochav (A Próxima Estrela), escolheu interpretar Anyone, de Demi Lovato, uma canção que retrata uma profunda crise emocional. No refrão, a letra diz: “Anyone, please send me anyone. Lord, is there anyone?” (“Alguém, por favor, me envie alguém, ó D’us, há alguém?”). Esse verso tem um significado especial para a jovem Yuval, que, durante o ataque de 7 de outubro, aguardou oito horas pelo resgate. Ela explica que a intensidade da música reflete com perfeição seu estado de espírito naquele momento angustiante. Na final do programa, emocionou o público ao cantar Dancing Queen, do ABBA, e revelou: “Imaginei que as meninas mortas no Festival Nova dançavam comigo”.
Na disputa pelo primeiro lugar, Yuval superou outros três finalistas, entre os quais Daniel Wais, sobrevivente do massacre no Kibutz Be’eri, também em 7 de outubro de 2023. Naquele dia, o pai do jovem cantor, Shmuel, foi assassinado, e sua mãe, Judith, sequestrada e morta em cativeiro. Em uma operação especial, as Forças de Defesa de Israel conseguiram resgatar o corpo da refém assassinada, que recebeu um sepultamento judaico digno.
A biografia oficial de Yuval Raphael no Eurovision revela que a cantora tem como principais influências musicais bandas de rock, como Led Zeppelin e Scorpions, além de artistas como Beyoncé e Celine Dion. No entanto, não menciona a experiência traumática da jovem durante o ataque terrorista.
7 de outubro
Acompanhada de quatro amigas, Yuval partiu para o Festival Nova, em uma área remota do deserto, um dia antes do massacre que marcaria sua vida para sempre. Levavam uma barraca e suprimentos. O festival, realizado próximo ao Kibutz Re’im, no sul de Israel, era um evento de música e cultura que reuniu cerca de quatro mil participantes de diversas partes do país e do exterior. Em um relato publicado em sua página no Instagram, a jovem conta que “a noite começou com festa e alegria” até que, de repente, o caos tomou conta do local.
Nas primeiras horas da manhã de 7 de outubro, por volta das 6h30, a música foi interrompida, embora, segundo a programação, devesse continuar até as 15h00. Os participantes do festival avistaram algo que parecia serem “fogos de artifício”, mas, na realidade, era uma sequência de foguetes interceptados pelo Domo de Ferro, um avançado sistema de defesa antimísseis que destrói projéteis inimigos em pleno voo. Yuval pegou o celular e viu cerca de 40 alertas vermelhos. Da mesma forma que muitos por ali, não se deu conta da gravidade da situação. Como já havia servido no exército, em um posto de fronteira, a jovem estava acostumada com sirenes e alertas de foguetes, que, até então, faziam parte de sua rotina.
O local do festival era um alvo vulnerável por ficar próximo à Faixa de Gaza. Depois de uma noite de festa, os participantes do evento foram pegos completamente de surpresa. Tomados por um misto de confusão e incredulidade, demoraram algum tempo para reagir, o que tornou a situação ainda mais caótica. Ao perceberem a intensa chuva de foguetes, entraram em pânico, e muitos tentaram fugir em desespero.
Ainda sem saberem que os terroristas tinham adentrado o território israelense, ela e as amigas entraram no carro, mas o trânsito não andava. De repente, viram alguns veículos que buscavam fazer retorno de forma brusca e atabalhoada. Pararam um motorista, que as alertou de que havia algo grave e as aconselhou a darem meia-volta. Em meio à confusão, as jovens abandonaram o carro e procuraram um dos pequenos abrigos à beira da estrada, nos arredores do Kibutz Be’eri, a cerca de 4 km da fronteira com Gaza. Esses refúgios foram construídos justamente para proteger motoristas surpreendidos por algum ataque com foguetes.
O local estava lotado. Todos ainda desconheciam que o território israelense havia sido invadido e acreditavam que a estrutura de concreto os manteria a salvo do bombardeio incessante. No entanto, logo descobriram que estavam encurralados: um grupo de terroristas, o primeiro, apareceu e abriu fogo dentro do abrigo. Yuval estima que, ao longo do dia, tenha havido pelo menos 15 investidas no local, com invasões, tiros para todos os lados e lançamento de granadas.
Na gravação de uma chamada telefônica, a cantora fala sobre o ataque e observa que há corpos ao seu redor. O interlocutor, seu pai, diz: “Finja-se de morta”. A jovem seguiu o conselho, o que lhe salvaria a vida, e orientou as outras pessoas no local a fazerem o mesmo. Por oito horas, permaneceu encurralada no canto mais afastado do abrigo e, escondida sob cadáveres, testemunhou um massacre.
“É indescritível o terror que vivemos enquanto nos atacavam com tiros a esmo e granadas”, conta a moça. “Encurralada, com medo de perder a vida, presenciei horrores inimagináveis. Amigos e desconhecidos foram feridos ou mortos bem diante dos meus olhos.”
As pessoas no abrigo ligaram inúmeras vezes para a polícia, mas o socorro nunca chegava. Muitas recebiam informações contraditórias pelo celular. O pai de Yuval disse à jovem que tivesse cuidado, pois, segundo o noticiário, alguns terroristas se passavam por soldados israelenses.
Após cerca de oito horas, uma voz ecoou do lado de fora do abrigo: “Alguém precisa de resgate?”. Com medo, a cantora hesitou e continuou a fingir-se de morta.
No entanto, a jovem Nitzan, também escondida no local, reconheceu o pai, que lá estava com dois soldados em busca da filha e dos demais sobreviventes. Yuval soube então que o socorro, até que enfim, havia chegado. Ao entrarem em um jipe, os resgatados foram orientados a não olhar para fora.
Das 51 pessoas que procuraram o abrigo, só 11 sobreviveram. As 40 restantes foram assassinadas naquele mesmo dia.
Em 7 de outubro de 2023, milhares de terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, atacaram o Festival Nova e massacram 364 pessoas que estavam na rave no deserto. Foi o atentado terrorista mais mortal da história do Estado Judeu. Os agressores também feriram inúmeros participantes do evento, estupraram mulheres diante de amigos e familiares e cometeram atrocidades indescritíveis. Das 251 pessoas sequestradas e levadas para Gaza, cerca de 40 foram do Festival Nova. Dos aproximadamente 1.200 assassinados naquele dia, cerca de um terço foram mortos no próprio festival e nos seus arredores.
Yuval tem compartilhado abertamente sua experiência, com testemunhos pessoais sobre o ataque, tanto no Knesset, o Parlamento de Israel, quanto no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em abril de 2024, como representante do Instituto de Justiça de Jerusalém. Desde o atentado do Hamas, a jovem cantora participou de diversas delegações internacionais e levou ao mundo um relato direto do horror do 7 de outubro.
“As feridas físicas que sofri naquele dia estão em processo de cicatrização, mas as psicológicas permanecerão comigo para sempre”, diz Yuval, que ainda tem estilhaços na cabeça e na perna.
A jovem estrela é uma de milhares de sobreviventes que trazem, no corpo e na alma, sequelas do ataque terrorista mais mortal da história de Israel. Durante a final do concurso no canal Keshet 12, Yuval Raphael, dona de uma voz poderosa, emocionou a todos ao cantar uma versão em balada de Dancing Queen, do ABBA, e dedicá-la a “todos os anjos” que perderam a vida no Festival Nova. Milhares de vítimas ainda recebem apoio psicológico. Alguns, incapazes de suportar a dor, deram cabo de si mesmos.
Israel no Eurovision
A cantora afirma que deseja representar sua pátria na Europa com força e orgulho. Em uma entrevista antes da final do Hacochav, revelou: “Quero contar a história do meu país, o que eu e tantos outros vivemos, mas não a partir de um lugar de vitimização. Desejo compartilhá-la com resiliência, como demonstração de nossa força diante de tudo isso, incluindo as vaias que tenho plena certeza, virão da plateia”. Eden Golan, representante de Israel no Eurovision do ano anterior, realizado em Malmö, na Suécia, foi alvo de uma intensa campanha internacional contra sua participação na competição. Além do desprezo de muitos concorrentes, sempre que subia ao palco recebia manifestações de ódio, vaias e assobios da plateia. Sofreu ainda ameaças sem precedente, não podia sair do hotel sem disfarce e só se deslocava sob forte escolta do Shin Bet – serviço de segurança interna de Israel. Apesar de toda a oposição, conquistou o quinto lugar graças à votação popular pela internet.
Além dessa hostilidade, a comissão organizadora do Eurovision 2024 exigiu alterações da canção que Golan apresentaria no evento, como a substituição do título October Rain, referência ao ataque de outubro de 2023, por Hurricane e ajustes na letra.
Este ano, já houve apelos por boicotes, mas a organização do festival confirmou que Israel poderá participar da competição, apesar da provável ocorrência de protestos na Basileia, durante o evento.
Questionada pelo Ynet sobre como pretende lidar com a hostilidade que Eden Golan enfrentou na edição anterior, Yuval respondeu: “Tenho total confiança [em mim mesma]... Se esse for o preço para representar meu país, eu o pagarei”, declarou.
Bibliografia
Yuval Raphael, survivor of Nova massacre, to represent Israel at 2025 Eurovision, artigo publicado por Amy Spiro na edição de 23 de janeiro de 05 do jornal Times of Israel
Yuval Raphael’s Story - Nova Music Festival Massacre, depoimento levado ao ar em 24 de julho de 2024 no https://www.youtube.com
Yuval Raphael’s story, video divulgado pelo https://www.youtube.com/