Na comunidade ortodoxa de Israel, o importante para os jovens é o nível de estudos e a reputação da yeshivá. O bachur yeshivá tem como objetivo o estudo talmúdico e não o trabalho remunerado.
Há alguns meses, no entanto, muitos jovens de famílias religiosas sentem que podem conciliar a vida religiosa com a profissional, no âmbito laico. As razões desta tendência não são poucas e estão ligadas, primeiramente, à situação sócio-econômica em Israel. Entre as características do contexto atual israelense está a condição dos pais de família com seis a oito filhos, em média, que estudam na yeshivá e dependem do salário das esposas. Estas trabalham apenas meio período e conseguem empregos mal-remunerados em virtude de sua parca qualificação profissional.
Some-se a isto o fim da ajuda do governo, que obrigou o mundo ortodoxo a uma reestruturação interna. Sem o auxílio-família, milhares de pessoas buscam alternativas e qualificações para entrar no mercado de trabalho e reduzir o déficit na renda familiar. Além disso, com o aumento do custo de vida, a bolsa da yeshivá e o emprego da esposa não cobrem todas as necessidades. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, é comum conciliar estudos religiosos e trabalho lucrativo. É normal ver alunos ortodoxos da yeshivá mergulhados no estudo da Guemará, enquanto trabalham no comércio, na informática e em outros segmentos.
Forças de defesa
Até algum tempo atrás, a maioria dos judeus ortodoxos não era obrigada ao serviço militar. Nos últimos dois anos, porém, estão sendo feitas algumas experiências, visando mudar este quadro. Uma unidade de combatentes, por exemplo, composta exclusivamente por ortodoxos que seguem as leis religiosas com rigor, permitiu ao pequeno grupo descobrir a rotina do exército. As meninas ortodoxas servem nos serviços públicos, pois estes se adaptam ao seu modo de viver. A opção por atividades ligadas às Forças de Defesa de Israel está relacionada ao fato de o governo oferecer benefícios a quem participa dos programas de cunho militar.
Mas nada teria mudado sem o consentimento dos rabinos. A grande maioria dos líderes religiosos deixou de se opor ao trabalho lucrativo. Após o falecimento do rabino Shach, líder espiritual que pregava a dedicação ao Talmud em tempo integral, vem crescendo o número de jovens da comunidade lituana que associa os estudos da yeshivá a um trabalho que lhes permita melhorar sua qualidade de vida. O mesmo ocorre na Chassidut de Gur ou entre os Lubavitch. Nos círculos sefaraditas, esse fenômeno é ainda mais evidente. Shas, o partido ortodoxo sefaradita, hoje na oposição, fez parte do governo durante muitos anos. Incentivados pelo partido a assumir cargos na liderança da vida pública, para a qual os diplomas universitários são essenciais, esse movimento tomou a dianteira em relação ao tema. Milhares de jovens ortodoxos sefardim iniciaram uma formação profissional com o aval do líder espiritual do movimento, rabino Ovadia Yossef. Consciente dessa nova tendência, há três anos o governo implantou uma série de projetos experimentais, entre os quais, cursos noturnos de informática e treinamento para a criação de empresas. Desde 2003, 1.600 jovens ortodoxos estão atuando na área de alta tecnologia e informática. É um número ainda pequeno, mas significativo dentro do contexto da ortodoxia israelense.
Da Guemará à computação
Os próprio líderes ortodoxos tomaram a iniciativa de abrir centros de estudos para atender às novas necessidades dos alunos, como por exemplo, o Centro Kyriat Ono, de Tel Aviv, onde não são permitidos os cursos mistos e o corpo docente tem que se adaptar às regras de vestuário dos alunos. O centro oferece cursos de direito, tecnologia e medicina para um público masculino e feminino, em classes separadas. O Instituto Lev também abriu cursos noturnos para os ortodoxos e 250 jovens o freqüentam, na tentativa de descobrir a lógica da computação, após um dia de estudos da lógica oculta da Guemará. A filha do Rav Ovadia Yossef dirige o Instituto Tal, voltado à formação das mulheres.
Outras experiências, mais ousadas, também estão tendo muito sucesso entre o público ortodoxo: há, atualmente, três escolas de publicidade e jornalismo em Israel. Também foram abertas agências de publicidade ortodoxas. Grandes empresas do setor agro-alimentício e de comunicação estão oferecendo vagas aos jovens alunos das yeshivot. Um diretor da Intel afirmou que a presença de religiosos entre os engenheiros e técnicos da informática, inexistente até alguns anos atrás, subiu 10% e fomentou a criação de novos bairros para os ortodoxos, na proximidade da Intel, em Israel.
"Fenômeno surpreendente", testemunha um responsável da Ness, outro gigante da informática israelense. "Nas nossas equipes de pesquisa temos religiosos de 25 anos de idade, que, aos 18 anos, não tinham diploma e nunca estudaram matemática ou física, conhecendo apenas o Talmud. Em poucos meses, o vácuo foi preenchido e, em geral, com muito brilho. "Como se a lógica da Guemará fosse suficiente para captar os meandros da alta tecnologia", concluiu esse engenheiro, que insiste sobre sua própria laicidade. Entretanto, a tendência inovadora ainda não é unanimidade e não são todos os dirigentes rabínicos que a apóiam e incentivam.
Fonte: Artigo publicado por Clara Ayache na edição 128 da Communauté Nouvelle