Era a tarde do dia 27 de janeiro de 1945 quando tropas soviéticas entraram em Auschwitz. Encontraram cerca de sete mil prisioneiros, 500 deles crianças, doentes e extremamente enfraquecidos. Os nazistas deportaram cerca de 1,3 milhão de pessoas para Auschwitz; 1,1 milhão foram assassinados. Deles, 90% eram judeus. O famigerado campo tornou-se símbolo da “Solução Final” perpetrada pela Alemanha Nazista contra o Povo Judeu.
As SS (Schutzstaffel) eram responsáveis pelos campos e mantiveram as operações com gás até novembro de 1944. Em sua ofensiva, o Exército Vermelho já havia tomado o controle do leste da Polônia, Himmler então ordenara que as câmaras de gás fossem desativadas. Com a aproximação das forças soviéticas, as SS se prepararam para abandonar o campo e esconder as evidências do extermínio em massa. Queimaram arquivos, registros e explodiram algumas barracas. Não conseguiram, porém, destruir as câmaras de gás e os fornos crematórios. Rapidamente iniciaram a evacuação dos prisioneiros para campos localizados na Alemanha onde continuariam seu trabalho escravo. Nos dias que antecederam a evacuação, as SS assassinaram a tiro milhares de prisioneiros.
Em pleno inverno, 60 mil prisioneiros, entre eles Elie Wiesel, foram obrigados a caminhar por longas distâncias vestindo trapos e praticamente nenhum calçado. Os SS não davam comida ou água e executavam sumariamente os mais fracos. Estima-se que cerca de 15 mil tenham morrido. Os que sobreviveram à Marcha da Morte foram despachados para Buchenwald em vagões de gado descobertos. As tropas soviéticas que se aproximaram de Auschwitz não sabiam nada a respeito dos campos de concentração. Eram 3 da tarde do dia 27 de janeiro, um sábado, quando, vencendo a resistência alemã, entraram no complexo de Auschwitz – na luta travada, 299 soviéticos foram mortos. Em 2015, Ivan Martynushkin, na época tenente do Exército Vermelho, relembrou: “Senti o terrível odor da morte, da carne queimada, de corpos humanos queimados. Um cheiro que empestava o ar”. Ao adentrar nos campos, os soviéticos foram confrontados com um cenário dantesco. Encontraram sete mil sobreviventes esfomeados e doentes, 500 deles, crianças. Muitos eram “esqueletos dentro de pele”. Eram, em sua maioria, judeus, além de poloneses, bielorrussos e russos. Os judeus estavam em condições piores do que os outros presos; muitos jaziam deitados no chão, apáticos. Os soldados encontraram também 600 cadáveres ao ar livre, ossos humanos espalhados, pilhas e pilhas de roupas, sapatos, e sapatinhos de crianças e pacotes de cabelos de mulheres. Os números são estarrecedores: 837.000 peças de roupa e 44.000 pares de sapatos. E 7.7 toneladas de cabelo empacotado.
Aos olhos do mundo, Auschwitz, o maior dos campos de concentração nazistas, tornou-se um símbolo do mal absoluto e o dia de sua libertação foi escolhido pelas Nações Unidas, em 2005, como o “Dia Internacional da Memória do Holocausto”. Desde então, nesse dia são realizadas cerimônias para homenagear a memória dos judeus assassinados pelos nazistas, bem como das demais vítimas do nazismo, e para promover a educação sobre a “Solução Final da Questão Judaica”, (Endlösung der Judenfrage) expressão usada pelos nazistas para se referir ao plano de aniquilação total do Povo Judeu.
Continua sendo de suma importância o estudo do Holocausto. Os dados estatísticos são assombrosos: em 1933 a população judaica europeia era de aproximadamente 9,5 milhões de pessoas – mais de 60% da população judaica mundial. Durante o Holocausto seis milhões de judeus foram assassinados, desses um milhão e meio de crianças. A ignorância e a desinformação sobre a “Solução Final” permitem que termos como “genocídio”, “campo de concentração” ou “nazistas” sejam usados indevidamente; ou que Auschwitz seja equiparado a Gaza, ou ainda, Israel à Alemanha Nazista. Prolifera pelo mundo, desde a década de 1980, o revisionismo histórico, ou seja, a negação do Holocausto. De acordo com os revisionistas, o genocídio de judeus durante a 2a Guerra Mundial não aconteceu; ou se aconteceu, não o foi da maneira ou nas proporções historicamente comprovadas. A nova vertente da negação do Holocausto, que equipara os judeus aos seus algozes nazistas, é uma arma usada por extremistas da direita e da esquerda, como forma de legitimar o antissemitismo. 7
O complexo de Auschwitz
O complexo de campos de Auschwitz estava localizado a aproximadamente 60 quilômetros a oeste de Cracóvia, Polonia. As SS estabeleceram os três campos principais perto de Oswiecim, uma pequena cidade localizada num cruzamento ferroviário estratégico, com todas as condições para os transportes de massa. O complexo era composto por: Auschwitz I, criado em maio de 1940; Auschwitz II (também conhecido como Auschwitz-Birkenau), no início de 1942; e Auschwitz III (também chamado de Auschwitz-Monowitz), em outubro de 1942.
Auschwitz não foi o primeiro campo nazista a ser libertado pelos soviéticos. Em 23 de julho de 1944, libertaram Majdanek, campo de extermínio próximo a Lublin. Em sua retirada, os nazistas incendiaram o local para encobrir seus crimes, mas os russos encontraram 600 prisioneiros vivos, restos das câmaras de gás, cadáveres e pilhas de sapatos. Em Majdanek os nazistas mataram cerca de 78 mil pessoas, sendo 54 mil delas judeus. Alexander Werth, correspondente da BBC que acompanhava as tropas soviéticas, encaminhou uma matéria sobre Majdanek que não foi publicada por ser taxada de um “exagero da propaganda russa”. Apesar de preocupados em eliminar as provas de seus crimes, os nazistas sabiam que podiam contar com a incredulidade do público diante de barbaridades em tamanha escala. Ainda em agosto de 1944, tropas soviéticas entraram em Belzec, a seguir em Sobibor e, então, em Treblinka.
Os campos de concentração e a “Solução Final”
Durante o Terceiro Reich foram criados 1.643 campos de concentração, além dos subcampos satélites e dos 900 de trabalhos forçados. A partir de 1941, após a decisão nazista de erradicar todo o Povo Judeu por meio da “Solução Final da Questão Judaica”, seis campos – Chelmno, Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Sobibor, Majdanek e Belzec – foram especificamente planejados para o extermínio judeu. Construídos em território polonês, nas proximidades de linhas ferroviárias para “facilitar” o transporte dos contingentes de judeus, homens, mulheres e crianças, vindos de todos os cantos da Europa e de outros países sob domínio alemão. Estes campos eram verdadeiras “fábricas de morte”, nas quais todo o processo – da chegada à morte – não levava mais do que duas horas.
Em Auschwitz e todos os demais campos nazistas a “ideologia” do Terceiro Reich em relação aos judeus foi posta “em prática”. Nos campos nazistas – quer fossem de concentração, trabalhos forçados ou extermínio – os judeus eram sistematicamente desumanizados, torturados, assassinados.
De 1942 até 1944 os trens chegavam em Auschwitz constantemente trazendo judeus de todos os países ocupados pela Alemanha ou a ela aliados, que haviam concordado em deportar sua população judaica. Foram deportados 426 mil da Hungria; 300 mil da Polônia; 69 mil da França; 60 mil da Holanda; 55 mil da Grécia; 46 mil da Boêmia e Morávia; 27 mil da Eslováquia; 25 mil da Bélgica; 10 mil da Iugoslávia; 7.500 da Itália; 690 da Noruega; e 34 mil de outros lugares. No final de 1944 chegaram a Auschwitz os últimos transportes de judeus, entre eles estava Anne Frank.
Aos chegar, os SS “escolhiam” quem era capaz de realizar trabalhos forçados. O restante – mulheres com crianças, idosos e os mais enfraquecidos eram levados para o “tratamento especial”, eufemismo para morte pelo gás. Para acelerar a “seleção” na chegada dos transportes, foi construída em Auschwitz -Birkenau uma rampa ferroviária de três vias, onde médicos das SS escolhiam quem ia viver e quem ia morrer. Alguns eram escolhidos para “estudos médicos”. O infame Josef Mengele foi o médico mais conhecido dentre eles. Temos o registro de “experiências cientificas” realizadas em bebês, gêmeos e anões; das esterilizações forçadas e experiências de hipotermia em adultos.
Na primavera europeia de 1943 entraram em operação novos fornos no crematório de Auschwitz-Birkenau. De acordo com o Museu do Holocausto de Washington, no pico de suas nefastas “atividades”, o campo foi responsável por seis mil mortes por dia. Os pertences dos que chegavam eram confiscados e enviados para o depósito “Kanada” (Canadá), para serem enviados à Alemanha. Nada era “desperdiçado”.
Os judeus que eram escolhidos para viver mais algum tempo eram registrados e tatuados no braço esquerdo com um número de identificação. Em seguida eram enviados para outros lugares no complexo onde eram obrigados a viver em condições sub-humanas e a realizar extenuantes trabalhos forçados. A expectativa de vida dos prisioneiros que trabalhavam na IG Farben, na Krupp e em outras grandes empresas alemãs que se instalaram em Auschwitz-Monowitz era de três meses.
Em Auschwitz e nos outros campos nazistas os judeus sobreviviam em um mundo à margem, segregados dos outros prisioneiros. Um “pseudo-mundo” onde a degradação, a violência, a fome e o frio eram uma constante. Prisioneiros não-judeus testemunharam no pós-guerra o tratamento “diferenciado” que os alemães reservavam aos judeus: brutalidade e crueldade “cientificamente” estruturadas e organizadas.
Os números da barbárie
O número exato de judeus assassinados em Auschwitz e em outros campos não pôde ser conhecido com precisão porque os nazistas não registravam o nome dos judeus enviados às câmaras de gás horas após sua chegada. A cada ano são descobertas novas evidências em arquivos históricos.
O memorial Auschwitz-Birkenau
No início de 1946, as autoridades soviéticas entregaram o antigo campo ao Estado polonês. A partir de uma iniciativa de ex-prisioneiros e por decisão do Parlamento polonês, foi fundado em 1947 o Memorial e Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau.
O memorial inclui as instalações preservadas, prédios e barracas do campo de concentração de Auschwitz I e a área quase vazia do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau (Auschwitz II), bem como a área onde hoje ficam os museus. A primeira exposição foi criada em colaboração com o Yad Vashem. Auschwitz-Birkenau está na lista de Patrimônios Mundiais da Unesco desde 1979.
Ao receber o Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel, a Voz do Holocausto, que os nazistas haviam deportado para Auschwitz e depois forçado a ir na Marcha da Morte, declarou que dedicara sua vida “a manter viva a memória” e a lutar contra todos aqueles que tentam negar o Holocausto. “Porque se nos esquecermos, seremos culpados, seremos cúmplices.... Devo minha memória aos mortos. Tenho o dever de servir como seu emissário, transmitindo a história de seu desaparecimento, mesmo se for perturbadora, mesmo se trouxer dor.”