Um dos episódios de maior consequência na Torá – que mudou o curso da História Judaica e cujos efeitos continuam a reverberar até nossos dias – é o relato dos 12 homens que Moshé enviou à Terra Prometida para espioná-la. Esta narrativa é relatada no quarto livro da Torá, Bamidbar, na porção Shelach.

O relato dos 12 espiões

Quando os Filhos de Israel se preparavam para adentrar a Terra Prometida, perceberam que seria uma boa estratégia enviar alguns homens para explorá-la em uma missão de reconhecimento. Apresentaram a ideia a Moshé Rabenu, que, por sua vez, perguntou a D’us se deveria concordar com o pedido do povo. D’us não lhe deu uma ordem clara, deixando a ele tal decisão.

Moshé concorda com o pedido do seu povo de enviar espiões à Terra Prometida. D’us lhe dá instruções específicas de como proceder: “Envie em seu lugar alguns homens para explorar a Terra que estou dando aos Filhos de Israel. Você deverá mandar um homem de cada uma de suas tribos, um líder para cada uma delas” (Números 13:2).

A estratégia militar de enviar os 12 homens para espionar a Terra – ainda que D’us já a tivesse prometido aos Filhos de Israel – não estava intrinsicamente errada; não demonstrava falta de confiança na promessa Divina. Isto porque vemos no 2º capítulo do Livro de Josué, Sefer Yehoshua – o livro no Tanach que se segue aos Cinco Livros que constituem a Torá – que Yehoshua bin Nun, sucessor de Moshé e um dos 12 espiões, enviou dois espiões à Terra Prometida antes que os Filhos de Israel nela entrassem. Em flagrante contraste com o episódio dos 12 espiões, os dois espiões enviados por Yehoshua bin Nun foram bem-sucedidos em sua missão.  Assim sendo, a decisão de enviar homens para fazer um reconhecimento da terra não foi inerentemente falha.

Os Filhos de Israel decidiram enviar homens em uma missão de reconhecimento à Terra Prometida porque entenderam que teriam que guerrear para conquistá-la. Ainda que D’us tivesse repetidamente prometido a eles a Terra de Israel (naquele então conhecida como a Terra de Canaã), perceberam que não poderiam apenas confiar em milagres Divinos: D’us não derrotaria os 31 reis de Canaã da maneira que havia derrotado o Faraó e seu exército. De fato, estudamos no Livro de Yehoshua que a guerra judaica para conquistar a Terra Prometida foi árdua e durou sete anos. Apesar dos milagres Divinos que ocorreram ao longo da guerra terem assegurado a vitória judaica, a campanha militar não foi nem rápida nem fácil. 

Seguindo as instruções Divinas, Moshé envia 12 homens para explorar a Terra Prometida – cada um representando uma das Doze Tribos de Israel1. Todos eram indivíduos distintos, ainda que não fossem os chefes das Tribos, pois os príncipes tribais eram provavelmente muito idosos para tal tarefa. Entre os 12 estava Yehoshua bin Nun, general e leal servidor de Moshé que, mais tarde, o sucederia como Líder do Povo de Israel. Foi Yehoshuabin Nun que, quase 39 anos depois, lideraria a conquista da Terra de Israel, repartindo-a, então, entre as Doze Tribos.

Os 12 homens percorreram a Terra Prometida durante 40 dias. Ao voltar, imediatamente se reportaram a Moshé e a seu irmão, Aharon, o Sumo Sacerdote, mas o fizeram na presença de toda a congregação. O fato de terem os espiões apresentado seu relatório a todo o Povo de Israel e não apenas perante Moshé Rabenu e Aharon HaCohen indica que eles se consideravam não apenas emissários dos dois líderes do Povo de Israel, mas representantes de toda a nação.

Dirigindo-se a Moshé perante toda a nação judaica reunida, os espiões recontam detalhes de sua jornada. Iniciam seu relato confirmando a abundante fertilidade da Terra: “Fomos à terra para a qual você nos enviou, e, de fato, dessa terra emanam leite e mel” (Números 13:27). Contudo, rapidamente mudam a narrativa, alertando os Filhos de Israel de que os habitantes da terra eram formidáveis – poderosos gigantes – e que eles, os judeus, não tinham a menor chance de prevalecer sobre eles.

Nem todos os 12 espiões fizeram o mesmo prognóstico. Dois deles – Yehoshua bin Nun e Calev ben Yefuneh – discordaram do que disseram os outros 10 espiões. No entanto, Yehoshua e Calev eram minoria. O Povo Judeu optou por crer no relato dos 10 espiões, que alegavam que os habitantes da Terra Prometida os aniquilariam.

É importante notar que os 10 espiões não estavam mentindo nem exagerando. Os habitantes da Terra eram de fato poderosos e os espiões relataram o que haviam visto. Contudo, como D’us prometera a Terra ao Povo de Israel, não deveria haver dúvidas na mente de ninguém que, ainda que a guerra fosse difícil, os Filhos de Israel prevaleceriam. Moshé enviara os 12 homens em uma missão apenas de reconhecimento da Terra – ele nunca lhes dera autoridade de decidir se a conquista era possível. E eles não tinham o direito de dissuadir o Povo Judeu de entrar na Terra que D’us havia repetidamente prometido a eles e a seus ancestrais, começando com os três Patriarcas – Avraham, Itzhak e Yaakov.

Um dos aspectos assombrosos do comportamento dos 10 espiões – que teve consequências profundas e duradouras para todo o futuro das gerações judaicas – é o fato de terem quebrado o protocolo ao reportar publicamente o que haviam testemunhado na Terra de Israel. Os espiões tinham sido enviados por seu líder, Moshé, em uma missão, e lhes cabia reportar-se unicamente a ele. Ainda que estivessem apreensivos com o que haviam visto nos 40 dias em que estiveram na Terra, eles deveriam ter confidenciado suas impressões e preocupações apenas a Moshé. Mas, pelo contrário, eles compartilharam esse relato publicamente e fizeram prognósticos nefastos a toda a nação, disseminando pânico entre as massas.

Como o povo confiava nos espiões – que eram membros tribais proeminentes – eles acreditaram em sua avaliação. Ao ouvir que a conquista da Terra seria impossível e que eles cairiam presa de seus poderosos habitantes, os Filhos de Israel entraram em pânico. O desespero tomou conta deles e começaram a compartilhar seus medos uns com os outros.

Calev ben Yefuneh tentou dissuadir o povo de aceitar a nefasta avaliação dos 10 espiões. Ele silenciou a multidão, já histérica, assegurando-lhes que, apesar do poder dos habitantes da Terra Prometida, os judeus conseguiriam conquistá-la. E apelou para que não temessem. Mas os demais espiões – excetuando-se Yehoshua bin Nun – contradisseram Calev ben Yefuneh, dizendo aos Filhos de Israel: “Não teremos condições de subir (à terra) indo contra o povo, pois eles são mais fortes do que nós” (Números 13:31). Além de dizer aos Filhos de Israel que eles não tinham chance de ganhar a guerra, os 10 espiões até chegaram a inverter sua posição sobre a Terra Prometida. Eles – que haviam iniciado seu relato louvando a fertilidade da Terra – agora falaram mal dela. Disseram aos Filhos de Israel: “A Terra que exploramos devora seus habitantes; todas as pessoas que lá vimos são de tamanho muito grande. Nós parecíamos gafanhotos aos nossos próprios olhos, e parecíamos o mesmo aos olhos deles” (Números 13:32-33).

Em resposta ao terrível relatório e prognóstico dos 10 espiões, o Povo Judeu entrou em desespero. A Torá diz: “Toda a congregação se levantou e fez ouvir sua voz, e o povo chorou naquela noite” (Números 14:1). Os Filhos de Israel reclamaram contra Moshé e Aharon, alegando que teria sido melhor morrer no Egito ou mesmo no meio do deserto do que enfrentar o que eles imaginavam ser uma morte muito mais cruel em mãos dos habitantes da Terra Prometida. O choro e o pânico generalizado iam aumentando, aos poucos, a amargura e o ressentimento do povo. E, por fim, já quase em desespero, eles disseram uns aos outros: “Deixem-nos indicar um líder e voltar ao Egito” (Números 14:4).

Yehoshua e Calev se empenharam em combater o desespero geral que se abatera sobre os judeus. Como eles também haviam participado da missão de reconhecer a Terra, eles estavam na posição de poder contestar o relatório injurioso dos 10 espiões. Eles tranquilizaram os Filhos de Israel: “A Terra que nós exploramos é extremamente boa” (Números 14:7). Lidaram com o medo das pessoas enfatizando que apesar do poder dos habitantes da Terra, seu sucesso em conquistá-la dependia unicamente da vontade de D’us, que, repetidamente, a havia prometido a eles. E disseram: “Se o Eterno estiver favoravelmente disposto a nos ajudar, Ele nos trará a esta terra, dando-a a nós; uma terra onde flui leite e mel” (Números 14:8). E avisaram ao povo: “Mas não se rebelem contra o Eterno (recusando-se a adentrar na Terra). E não temam o povo da Terra, pois eles são como o pão (i.e., triunfaremos contra eles com a facilidade que se come pão). O Eterno está conosco. Não os temais!” (Números 14:9).

Em vez de atentar para o que diziam Yehoshua e Calev, a congregação toda preferiu apedrejá-los. Naquele momento, a glória de D’s se fez ver a todos os Filhos de Israel na Tenda do Encontro – o Tabernáculo. A Torá que, com frequência, faz uso de antropomorfismos – atribuindo atributos humanos a D’us para que possamos, mais facilmente, relacionar-nos com Ele – descreve a maneira como o Eterno ardeu de raiva com a falta de confiança que as pessoas demonstravam ter n’Ele e em Sua promessa de lhes dar a Terra. E D’us disse a Moshé: “Por quanto tempo ainda essas pessoas me tratarão com desprezo? Por quanto tempo ainda se recusarão a crer em Mim, apesar de todos os sinais e milagres que realizei em seu meio?” (Números 14:11).

D’us ameaça aniquilar o Povo de Israel, mas, como no incidente com o bezerro de ouro, as orações de Moshé os salvam, e o Eterno perdoa a nação. Contudo, a reação dos Filhos de Israel ao relato dos 10 espiões teria consequências calamitosas e de longa duração. O resultado imediato foi que a punição foi proporcional ao crime: todos os que se opuseram a entrar na Terra Prometida veriam o cumprimento de seu desejo – eles nunca poriam os pés na Terra. Somente seus filhos teriam o mérito de o fazer. D’us disse a Moshé: “Juro que eles não verão a terra que prometi a seus pais” (Números 14:23). Haveria apenas duas exceções: Calev ben Yefuneh e Yehoshua bin Nun – os dois espiões que falaram bem da Terra e mantiveram sua fé na promessa Divina.

Como o Povo de Israel acreditou na avaliação caluniosa dos 10 espiões a respeito da Terra de Israel, D’us decretou que todos os adultos acima de 20 anos teriam que permanecer no deserto por um período de 40 anos, o que incluiria o ano que eles já haviam passado em viagem. Esse castigo corresponderia aos 40 dias que os espiões passaram sondando e examinando a Terra – um ano no deserto para cada dia de espionagem. Quanto aos 10 espiões que falaram mal da Terra de Israel, semeando pânico e trazendo catástrofe sobre o Povo Judeu, eles foram os primeiros a morrer, vítima de uma praga. Tiveram uma morte dolorosa e não natural, que lhes serviu de castigo por suas ações.

A origem de Tishá b’Av

Um propósito central das narrativas da Torá é transmitir valiosas lições imemoriais. Os Cinco Livros da Torá – um trabalho de autoria Divina – cobre o passado, presente e futuro, já que os eventos que registra impactaram profundamente o Povo Judeu através da história – e continuam a fazê-lo.

O Rabi Moshé ben Nachman, também conhecido como Nachmânides, foi um renomado Cabalista, Talmudista e comentador da Torá, que escreveu um dos comentários clássicos no Chumash – os Cinco Livros da Torá. Ele ensinou que as experiências de nossos ancestrais registradas por D’us em Sua Torá constituem um sinal para seus descendentes: Maassê Avot Siman L’Banim (“Os atos dos pais são um sinal para os filhos”). De acordo com esse princípio, tudo o que aconteceu com nossos antepassados serve como um precedente para as futuras gerações de judeus.

O episódio dos espiões exemplifica a forma como as ações de nossos antepassados afetaram as futuras gerações de judeus. Como já mencionamos acima, a reação desesperada do Povo de Israel ao sinistro relato dos 10 espiões teve consequências em sua entrada na Terra Prometida. Excetuando-se Yehoshua bin Nun e Calev ben Yefuneh, todos os adultos que pertenciam à geração do Êxodo do Egito iriam morrer no deserto. Até mesmo seus filhos foram afetados por esse decreto, já que teriam que esperar praticamente outros 39 anos antes de pisar na Terra Prometida.

Se as consequências tivessem parado por aí, o incidente dos espiões teria sido trágico, mas de escopo limitado. No entanto, suas reverberações foram bem além do que se podia ter imaginado. Em verdade, foi o evento consequencial mais negativo da História Judaica – com repercussões muito mais graves do que as do pecado do bezerro de ouro.

A Torá relata que o relatório dos 10 espiões fez com que os Filhos de Israel mergulhassem no desespero: “E toda a congregação levantou a voz e chorou, e o povo chorou naquela noite” (Números 14:1). O Talmud afirma: “Rabba disse, em nome de Rabi Yochanan: Aquela noite foi a noite de 9 de Av. O Santo, Bendito é Ele, disse-lhes: Vocês choraram desnecessariamente (naquela noite), e Eu (portanto) estabelecerei para vocês (uma verdadeira tragédia sobre a qual haverá) pranto em (gerações futuras)” (Talmud Bavli, Ta’anit 29a).

Os Filhos de Israel choraram em Tishá b’Av – o dia 9 do mês hebraico de Menachem Av – e como “os atos dos pais são um sinal para os filhos”, esta data se tornou o momento de chorar em futuras gerações. Através dos milênios, 9 de Av foi quando ocorreram os eventos mais trágicos para o Povo Judeu. E como o primeiro Tishá b’Av se passou em torno da Terra Prometida, essa ocorrência preparou o terreno para catástrofes significativas nessa data que dizem respeito à expulsão dos judeus da Terra de Israel ou às consequências de terem sido exilados de lá.

O Primeiro Templo Sagrado de Jerusalém, erguido pelo Rei Salomão, foi destruído pelos babilônios em Tishá b’Av. O Império Romano destruiu o Segundo Templo Sagrado também em Tishá b’Av. A queda de Betar – última fortaleza da revolta deBar Kochba contra o poder romano – também ocorreu em Tishá b’Av, marcando o fim da luta judaica por independência, à época.

Outras catástrofes em nossa história ocorreram nessa triste data, incluindo a expulsão da Inglaterra em 1290 e da Espanha, em 1492. Mas a que teve mais consequências foi o início da 1ª Guerra Mundial, que ocorreu em Tishá b’Av do ano 1914. Além do imenso sofrimento que causou aos judeus e à grande parte do mundo, a 1ª Guerra Mundial levou à ascensão do Nazismo e, assim, à 2ª Guerra Mundial e ao Holocausto, período mais trágico na História Mundial. 

Olhando-se para trás, fica claro que o episódio dos espiões constituiu a tragédia de maior significado na Torá. Ela abriu um precedente e é associada com o dia mais triste no calendário judaico – o dia 9 de Av. Essa diferenciação chama atenção para seu impacto, sem paralelos, entre todos os incidentes infelizes ocorridos nos 40 anos em que o Povo de Israel passou no deserto. Nem o grave pecado do bezerro de ouro teve tal repercussão espiritual.

A essencialidade da Terra de Israel

Em vista do profundo impacto do episódio dos espiões na História Judaica, não surpreende o fato de ser um dos mais intensamente comentados na Torá. Nossos Sábios confrontam a questão de como os 10 espiões – especialmente pelo fato de serem líderes de primeiro escalão – puderam errar tão gravemente. Uma das interpretações, que os vê com boa vontade, explica que esses espiões eram pessoas profundamente espiritualizadas que desejavam permanecer no deserto, onde era desnecessário se envolver com assuntos materiais. Na aridez do deserto, D’us milagrosamente supria todas as suas necessidades: o maná caía dos céus, a água vinha do poço de Miriam, as Nuvens de Glória os protegiam e Moshé Rabenu, o maior profeta de todos os tempos, além de os guiar, ensinava-lhe Torá. Entrar na Terra de Israel – guerrear, cultivar o solo e lidar com as preocupações diárias – certamente os distrairia de sua espiritualidade.

Mas mesmo a explicação mais generosa para a motivação dos 10 espiões não muda o fato de que sua campanha para dissuadir o Povo Judeu de entrar na Terra Prometida teve consequências catastróficas. A reação da nação ao relato dos 10 espiões – choro e pânico por todo lado – levou à mais dura resposta de D’us em toda a Torá. O decreto Divino de Tishá b’Av como Dia Nacional de Luto para o Povo Judeu, que, de fato, tornar-se-ia um dia de tragédia para gerações futuras, foi consequência direta do choro popular que gritava “naquela noite” ao ouvir o relato dos espiões. Portanto, ao analisar essa narrativa, temos que nos perguntar por que razão a reação popular foi tão condenável aos olhos Divinos, resultando nessas consequências tão devastadoras e duradouras.

A resposta simplista é que apesar dos milagres que haviam testemunhado – as 10 pragas no Egito, a divisão do mar e o maná que caía dos Céus, entre vários outros – a geração do Êxodo não confiou na promessa de D’us de legar a eles a Terra Prometida. Assim sendo, eles demonstraram uma profunda falta de fé em Sua Onipotência e Palavra. Contudo, o sentimento de pânico em resposta ao relato dos espiões não justifica uma reação Divina tão dura, já que não se tratava da primeira nem da última vez que lhes faltava confiança em D’us. Além disso, o povo confiara no relato de 10 homens destacados, a quem Moshé Rabenu enviara para explorar a Terra. É difícil culpar o Povo por crer em homens cuja reputação era, supostamente, irrepreensível.

O erro lastimável do povo não foi o fato de terem-se desesperado ao ouvir o relato dos 10 espiões. Medo é uma reação natural, mesmo em grandes profetas, como descreve a Torá. Foi simplesmente humano que os judeus tivessem reagido com medo ao ouvirem que os habitantes da Terra eram poderosos e aparentemente invencíveis. O real pecado dos 10 espiões e, aliás, do povo inteiro, foi rejeitar a Terra Prometida. Os 10 espiões falaram mal da Terra de Israel, intitulando-a de “uma terra que engole seus habitantes”. Ao dizerem que a Terra era inconquistável e expressarem seu desejo de permanecer no deserto ou até mesmo retornar ao Egito, os espiões – e a geração de judeus que mostrou estar de acordo com eles – recusaram-se a abraçar o destino e a missão que D’us estabelecera para eles.

A Terra de Israel tem um papel central na Torá. Diferentemente de todas as demais terras, não se trata de um mero local físico, mas sim, espiritual. Trata-se de uma herança eterna que D’us deu aos descendentes dos três Patriarcas – Avraham, Itzhak e Yaacov (cujo nome também é Israel). Trata-se de uma dádiva eterna aos Filhos de Israel. Ainda que seja incontestável que D’us Infinito transcende e permeia toda a Criação, a Torá nos faz saber que Ele escolheu a Terra de Israel – em especial Jerusalém e seu Templo Sagrado – como o lugar de Sua Morada – ou seja, onde Ele torna a Sua Presença mais manifesta. Muitos dos 613 mandamentos da Torá são necessariamente vinculados à Terra de Israel, a Jerusalém e ao Templo Sagrado. Há mandamentos que o Povo de Israel precisa cumprir na Terra de Israel, mas não pode cumprir fora de lá. 

A seguinte passagem do Talmud chama atenção para a gravidade do episódio dos espiões. Ao discutir o mandamento de se viver na Terra de Israel, o Talmud usa uma linguagem muito forte, começando por “aquele que reside na Terra de Israel é considerado como alguém que tem um D’us, ao passo que alguém que reside fora da Terra de Israel é considerado como alguém que não tem um D’us”. Para apoiar essa declaração, cita um versículo da Torá que narra o pacto entre D’us e o Povo Escolhido por Ele, realizado por meio do fato de terem herdado a Terra de Israel: “...Para dar-vos a terra de Canaã (a Terra de Israel), para ser vosso D’us” –Levítico 25:38). O Talmud continua: Quem reside fora da Terra de Israel é considerado como se ele está engajado em idolatria (Talmud Bavli, Ketubot 110b).

Essa passagem talmúdica fala de judeus que estabeleceram um lar permanente na Diáspora, cortando seus laços com a Terra de Israel. O Talmud usa uma linguagem forte, comparando um judeu que rejeita a Terra de Israel a alguém que se afasta de D’us, pois a Terra Santa é onde Sua Presença se revela mais plenamente. Judeus que demonstram indiferença à Terra de Israel, que dissuadem outros judeus de lá viver ou que negam que essa Terra pertença ao Povo de Israel estão rejeitando um dos pilares centrais do Judaísmo e estão fazendo o mesmo erro que fizeram os 10 espiões e a geração que pereceu no deserto.

A Terra de Israel – Eterno Lar do Povo Judeu

A Terra de Israel representa aproximadamente um terço de um por cento do território total do Oriente Médio. Trata-se de uma faixa de território muito pequena com escassas chuvas. Com base em seu tamanho ou em suas riquezas naturais, tem tudo para ser um pedaço de território desconhecido e ignorado pelo mundo todo. Contudo, não há território no mundo que gere mais atenção e emoção do que a Terra de Israel.

Esse pequeno pedaço de terra gera tanta atenção por ser singular. O Talmud nos ensina que esse território constitui o centro do mundo e é onde a Shechiná, a Presença de D’us na Terra, escolheu para Se manifestar. Na Torá está escrito que a Terra de Israel é “uma terra que o Eterno teu D’us procura; que os olhos do Eterno, teu D’us, sempre estão sobre ela, do início do ano até seu final” (Deuteronômio 11:12). Esse versículo enfatiza a atenção e o cuidado, sem paralelo, que D’us tem pela Terra de Israel.

Diferentemente de quase todas as outras terras que mudaram de mãos por meio de conquistas e guerras, sem ficar claro que nação tinha direito a que território, a Terra de Israel é uma herança eterna que D’us deu ao Povo de Israel. Não foi  por coincidência que desde que os romanos expulsaram grande parte do Povo de Israel de sua Terra, esse território nunca tenha se tornado um país independente. E Jerusalém, tendo sido conquistada tantas vezes, nunca foi estabelecida como capital de nenhuma outra nação. A razão para tal é que assim como os judeus nunca poderão trocar a Terra de Israel por nenhuma outra terra e Jerusalém por nenhuma outra capital, a Terra de Israel e Jerusalém – a cidade mais sagrada entre todas – jamais trocariam os judeus por nenhuma outra nação.  

O episódio dos espiões, que determinou o precedente de Tishá b’Av e de todas as catástrofes históricas que ocorreram nessa data, serve como uma advertência atemporal sobre as consequências de se difamar e rejeitar a Terra de Israel. Nada que os judeus tenham feito no deserto invocou mais a ira Divina do que sua recusa em tomar posse da Terra Prometida. Assim sendo, o judeu que não apoie o direito do Povo de Israel à Terra de Israel demonstra uma absoluta falta de compreensão da Torá e da História Judaica. 

A conexão do Povo de Israel à Terra de Israel tem em torno de quatro mil anos. Começou com nossos Patriarcas – Avraham, Itzhak e Yaacov, a quem D’us deu essa terra. Nós nunca mais havemos de repetir o erro de nossos antepassados no deserto, que rejeitaram a Terra de Israel por temer nossos inimigos. O retorno dos Filhos de Israel à Terra de Israel é o cumprimento das palavras da Torá e de nossos Profetas. Nosso povo voltou à nossa única pátria, outorgada como herança eterna pelo Criador e Dono de todo o universo, e nós continuaremos a lá viver para todo o sempre.

1    Os 12 homens enviados representavam as Doze Tribos que herdariam território na Terra de Israel. A Tribo de Levi, que não recebeu uma porção da terra, não enviou um espião. Mas a Tribo de Yossef foi dividida em duas: Menashe e Efraim, que herdaram cada uma um território na Terra de Israel e, portanto, um espião foi enviado de cada uma dessas subtribos.

Bibliografia

Steinsaltz, Rabbi Adin (Even Israel), The Steinzaltz Humash, Koren Publishers