Na longa história de nosso povo, membros das Dez Tribos de Israel instalaram-se na cordilheira do Cáucaso. Os “judeus da montanha”, como passaram a ser chamados no século 19, viveram muitos séculos isolados dos demais Filhos de Israel, mas mantiveram nossa fé e desenvolveram suas próprias tradições religiosas. Atualmente, estima-se que totalizem 250 mil pessoas, das quais apenas sete mil permanecem naquela região.
Área da Europa Oriental e da Ásia Ocidental, o Cáucaso está estrategicamente localizado entre os mares Negro e Cáspio. Inclui a cordilheira do mesmo nome, que o divide em duas partes. Ao norte, fica a Ciscaucásia, que compreende diversas repúblicas da Federação da Rússia1, entre elas a Ossétia do Norte e o Daguestão, além de porções da Geórgia e do Azerbaijão. Ao sul, a Transcaucásia ou Cáucaso do Sul compreende trechos do território da Geórgia e do Azerbaijão, bem como a Armênia.
Os judeus da montanha, um dos grupos étnicos mais antigos da região, estabeleceram-se em ambas as vertentes da cordilheira do Grande Cáucaso. É importante ressaltar que se distinguem dos judeus georgianos, que também viveram naquela localidade. Ambas as populações, cultural e etnicamente diferentes, têm trajetórias históricas, idiomas e tradições distintas.
O termo “judeus da montanha” (em russo gorskie evrei) foi cunhado no século 19, após a anexação do Cáucaso ao Império Russo, pela administração militar desse país. Até então, o grupo se autodenominava juhuro imuni (judeus da nossa região), juvuro, ivri ou yehudi. Já os descendentes de judeus originários do Sacro Império Germânico, que se estabeleceram na região no século 10, referiam-se a si mesmos como juhuro esghenezini.
Desde o século 19, os juhuro adotaram o termo “judeus da montanha”. Mesmo aqueles que abandonaram os vilarejos de origem e se fixaram nas cidades das planícies ou migraram para outros países mantiveram a denominação.
Os primórdios
Não há textos ou achados arqueológicos que permitam datar o início da presença dos juhuro imuni no Cáucaso, mas existem tradições orais. De acordo com uma delas, são descendentes de membrosdas Dez Tribos expulsas do Reino de Israel pelos assírios em 722 antes da Era Comum (a.E.C.). Entretanto, várias crônicas não judaicas contam que os primeiros só chegaram à Transcaucásia no século 6 a.E.C. Muitos eram escravos enviados a aliados por Nabucodonosor II, monarca do Segundo Império Babilônico que, em 586 a.E.C., derrotou o Reino de Judá, conquistou Jerusalém e arrasou o Templo Sagrado, além de massacrar milhares de judeus e levar outros 40 mil cativos.
Em 538 a.E.C., Ciro II, o Grande, rei da Pérsia, derrotou os babilônios e, no ano seguinte, permitiu o retorno dos exilados de Judá a Jerusalém, porém nem todos voltaram para Eretz Israel. Com o passar do tempo, boa parte dos que permaneceram na região que corresponde ao atual Irã, migrou para leste, estabelecendo-se nas montanhas do Cáucaso.
As evidências históricas e linguísticas confirmam que as comunidades juhuro imuni foram formadas por um fluxo migratório constante do norte da Pérsia para a Transcaucásia. De fato, o Talmud menciona a presença judaica na cidade de Derbente no século 3 da Era Comum (E.C).
A chegada do Islã
Com a conquista islâmica do Cáucaso, entre 639-643, cresceu a afluência de judeus à região. No século 10, como vimos acima, também se fixaram ali os juhuro esghenezini, de origem alemã, que, com o tempo, se integraram aos da montanha. Não havia, ainda, uma comunidade ashquenazita, que só surgiria no início do século 20.
As migrações prosseguiram até as invasões mongóis, no século 13, porém com menor intensidade a partir do início do século 11, quando a Transcaucásia foi invadida por tribos nômades turcas. Muitos juhuro que lá viviam foram expulsos pelos novos conquistadores e acabaram por estabelecer-se mais ao norte. De fato, a existência de “um grande número de judeus” em todo o leste do Cáucaso, nos atuais Daguestão e Azerbaijão, foi observada por Wilhelm Rubruquis, monge franciscano e explorador flamengo conhecido pelo relato de suas viagens à Ásia Central (1248–1255).
Apesar do isolamento em que viviam os judeus da montanha, há registros de alguns contatos entre eles e as comunidades do Mediterrâneo. No século 15, Tagriberdi (1409-1470), historiador islâmico egípcio, relatou a visita ao Cairo de mercadores judeus de “Circassiá” (do Cáucaso).
Não há relatos da presença no Cáucaso de viajantes oriundos da Europa entre os séculos 14 e 17, porém, nesse continente nos séculos 16 e 17, surgiram especulações sobre a presença de “tribos judaicas” além da montanha do Cáspio. Acredita-se que essas suposições tenham surgido após a chegada à Itália de mercadores judeus do Cáucaso Oriental. Até o início do século 20 preservaram-se, em Quba, livros religiosos judaicos impressos em Veneza em fins do século 16.
Durante o domínio muçulmano, do século 7 até a anexação do território pelo Império Russo, os judeus do Cáucaso viveram na condição de dhimmis. A lei islâmica permitia a judeus e cristãos – “os Povos do Livro” – viverem em Dar al-Islam2 (território islâmico) mediante a observância de uma cláusula legal, a al-Adhimma, que impunha a aceitação da supremacia não só do Islã, mas também do Estado muçulmano, em troca da garantia de vida e também dos direitos de propriedade e religião. Em contrapartida, os dhimmis tinham uma série de obrigações cujo rigor dependia da vontade de cada governante.
Na região do Cáucaso, os judeus da montanha sofriam constantes humilhações. Entre outras, tinham que pagar uma “taxa extra de proteção” aos governantes muçulmanos, bem como entregar parte da produção agrícola e do couro curtido. Além de exercerem tarefas consideradas degradantes, eram obrigados a trabalhar sem remuneração nas propriedades agrícolas e casas de muçulmanos. Esse tratamento perdurou até o século 18, como relata o viajante alemão I. Gerber em seu diário de viagem. Há registros de que, em certos vilarejos, a “taxa de proteção” foi cobrada até o fim do século 19.
Os judeus da montanha eram conhecidos por sua coragem e habilidade como cavaleiros e guerreiros. Costumavam andar armados, sempre prontos a se defender. Suas habitações, vestimentas e ocupações não diferiam daquelas das populações entre as quais viviam. Moravam em casas feitas de barro em cujas paredes internas penduravam armas. Os homens usavam os trajes tradicionais masculinos dos povos do Cáucaso: chokhas (casacos de lã com gola alta), papakhas (chapéus de lã) e armas na cintura. As mulheres usavam vestidos longos de seda, brocado, veludo e lã, bordados com miçangas ou outros enfeites. Ao sair de casa, tanto as casadas quanto as solteiras, cobriam os cabelos com lenços. Cultivavam a rúbia (planta de cujas raízes se extraía um corante vermelho) e uvas; produziam vinho; criavam gado; curtiam couro e fabricavam armas de qualidade. Os judeus da montanha falavam o judeo-tat, um dialeto originário do idioma tat3, que integra termos do hebraico bíblico, e não diferia muito do tati persa utilizado por seus vizinhos.
Mesmo isolados do restante do mundo judaico, os judeus da montanha mantiveram nossas Leis e a maioria das tradições. As sinagogas, cujo exterior se assemelhava ao das mesquitas, serviam também como Talmud Torá, onde os meninos sentados no chão aprendiam de cor a Torá. Lá também se realizavam circuncisões. As crianças de ambos os sexos recebiam nomes bíblicos, ao nascer. Observavam o Shabat, celebravam as festas judaicas e seguiam as leis alimentares, a cashrut. Desenvolveram-se algumas tradições diferentes em Pessach e Purim, e, na noite de Hoshaná Rabá, as jovens solteiras costumavam dançar de acordo com a tradição tat.
Séculos 17 e 18
No início do século 17 havia judeus da montanha em aldeias espalhadas por toda a cordilheira do Cáucaso. Nicolaes Witsen, estadista holandês e cartógrafo que visitou o Daguestão em 1690, relatou ter encontrado muitos deles sobretudo em Buynak, onde chegavam a 15 mil. Em uma localidade 10 km ao sul de Derbente (no Daguestão), só habitavam juhuro, tanto que os muçulmanos a chamavam Juhud-Kata (“Vale dos Judeus”). Lá viveu Elisha ben-Samuel, autor de vários piyyutim (poemas litúrgicos) escritos em hebraico e que foram preservados. Aba-Sava, o maior assentamento do lugar, era o centro religioso da comunidade.
Perduraram até as primeiras décadas do século 18 a paz e a prosperidade dos juhuro.A situação piorou quando a região se tornou palco de intensas lutas entre Rússia, Pérsia, Turquia e vários governantes locais. Foi um período terrível. No início dos anos 1730, o comandante persa Nader Xá Afshar expulsou os turcos do Azerbaijão e barrou a invasão russa do Daguestão. Suas tropas atacaram as comunidades de judeus da montanha e destruíram vários vilarejos. Os sobreviventes fugiram para Quba e, em 1742, o Khan local permitiu que se estabelecessem em Qirmizi Qesebe, distrito na margem esquerda do Rio Kudialchay. A comunidade floresceu e o local passou a ser denominado Yevreskaya Sloboda. Durante a época soviética, o nome mudou para Krasnaya Sloboda4 (“Vilarejo Vermelho”). Atualmente, a cidade é cognominada Jerusalém do Cáucaso por ser o único lugar só habitado por judeus fora de Israel.
No final do século 18, o conflito entre Ali-Khan, aliado do Império Russo, e Surkhai-Khan de Kumukh, no Daguestão, resultou na destruição dos assentamentos do Vale dos Judeus. Em 1797 (ou 1799), tropas daquele líder militar atacaram e arrasaram Aba-Sava. Cerca de 157 judeus pereceram em combate contra os invasores. Vitoriosas, as forças muçulmanas destruíram o vilarejo, dizimaram os homens e levaram, em cativeiro, mulheres e crianças. Os poucos judeus sobreviventes refugiaram-se em Derbente.
Entre os séculos 18 e 19, os juhuro começaram a deixar as aldeias na cordilheira do Cáucaso para se fixar em cidades das planícies costeiras.
Rússia Imperial
A Guerra Russo-Persa (1804-1813), uma das muitas entre as duas potências, terminou com a vitória do Império Russo e a cessão, a este último, dos territórios ao norte do Rio Aras, incluindo-se o Daguestão, Derbente, Baku e Quba. Após a anexação daquela região e do Azerbaijão, o governo czarista concedeu os mesmos direitos civis da população local aos judeus da montanha, seus aliados no conflito.
Em 1835, dos cerca de oito mil judeus que viviam sob domínio russo, 42% habitavam em centros urbanos, onde eram comerciantes, empresários e artesãos, e 58% estavam envolvidos na agropecuária, em especial no cultivo de cereais, tabaco e uvas. A comercialização dessas últimas, bem como de vinho, era uma atividade altamente lucrativa, sobretudo em Quba e Derbente. Também produziam seda e couro. Já em outros lugares da Europa, os judeus eram proibidos por lei de possuir ou cultivar terras.
No fim do século 19, aumentou a população urbana dos judeus da montanha, principalmente em Baku e Derbente. Muitos se instalaram em cidades após abandonarem o cultivo da rúbia, que, após o desenvolvimento e uso de corantes de anilina, deixara de ser lucrativo.
Em 1830, tem início um período marcado pela violência no Daguestão. Os muçulmanos iniciaram uma rebelião contra a Rússia – uma Guerra Santa, uma Jihad contra os “infiéis” – que só em 1859 foi sufocada pelo governo czarista. Durante o conflito, os judeus da montanha foram alvo de graves ataques, e muitos que viviam em aldeiasforam forçados a se converter ao Islã para não serem mortos.
Devido à violência, líderes da comunidade de Derbente solicitaram ao czar Nicolau I, em 1840, que “reunisse os judeus dispersos nas pequenas aldeias da montanha, sofrendo sob o domínio dos tártaros” (em referência aos muçulmanos rebeldes) e os estabelecesse em áreas controladas pelos russos.
Vida judaica sob a Rússia Imperial
Entre 1820 e 1830, começaram os contatos entre juhuro e ashquenazim, que se tornaram mais frequentes depois que os judeus russos enclausurados na Zona de Residência5 obtiveram autorização para viver em outras regiões, entre as quais o Daguestão e Azerbaijão.
Em seu livro de viagens, Sefer ha-Massa’ot be-Erez Kavkaz, Joseph Judab Chorny, que esteve no Cáucaso entre 1867 e 1875, anotou informações minuciosas sobre os juhuro. Entre aqueles que viviam em vilarejos nas montanhas, a principal estrutura social era “a grande unidade familiar”, composta por três ou quatro gerações. Um conjunto deles, com laços consanguíneos, formavam uma comunidade ou tukhum (literalmente, “semente”). A poligamia era difundida e perdurou até o período soviético.
Já aqueles que habitavam em centros urbanos, viviam em subúrbios nos quais constituíam a totalidade da população, como em Quba, ou em bairros judaicos, como em Derbente. A partir da década de 1860, começaram a se instalar em Baku, Temir-Khan-Sbura e em cidades fundadas pelos russos: Petrovsk Port, Nalchik e Grozny.
De modo geral, as comunidades eram lideradas por três membros eleitos. Estes eram os responsáveis tanto pelas relações com as autoridades russas quanto pelos assuntos da coletividade.
A estrutura rabínica tinha dois níveis: os rabbis e os dayyans. Além de atuar nas sinagogas (naaz), os rabbis também exerciam as funções de chazan, shochet e, como talmid-khunas, ensinavam aos meninos o Talmud Torá. Os dayyans eram os rabinos-chefes, que também presidiam a corte rabínica (Bet Din) e cuja autoridade se estendia a várias sinagogas.
A partir da metade do século19, alguns jovens passaram a estudar nas ieshivot ashquenazim da Lituânia. A maioria, porém, recebia apenas a qualificação de shochet, mas, após o retorno ao Cáucaso, atuavam como rabinos. Nas cidades, as famílias mais abastadas passaram a contratar professores particulares para ensinar hebraico, iídiche e russo aos filhos. Somente no início do séc. 20 foram abertas escolas em que se ministravam disciplinas religiosas e seculares em russo em Baku, Derbente e Quba.
Os principais centros de judeus da montanha localizavam-se no Azerbaijão e no Daguestão. A maioria vivia em Baku (a capital do Azerbaijão) e em Quba, no subúrbio de Yevreskaya Sloboda, e em Derbente, Makhachkala e Buinaksk, no Daguestão (chamadas, respectivamente, Petrovsk-Port e Temir-Khan-Shura até 1922). Também havia uma população considerável de judeus da montanhaem outros locais, como Nalchik, no subúrbio de Yevreyskaya Kolonka, e na cidade de Grozny.
O domínio soviético
No início do século 20, a Rússia enfrentava uma grave crise político-social. Com a ascensão ao trono de Nicolau II (1895-1918), conhecido em nossa história como o Czar dos Pogroms, iniciou-se um período de extremo sofrimento para os judeus do Império. O governo passou a culpá-los abertamente pelos males nacionais e, com isso, reacendeu o endêmico e violento antissemitismo russo. Entre 1903 e 1907, a violência espalhou-se: centenas de comunidades, incluindo os judeus da montanha, foram alvo de violentos pogroms.
Com a eclosão da 1a Guerra Mundial, a Rússia Imperial lutou ao lado de Reino Unido e França contra Alemanha e Áustria-Hungria. A miséria e as derrotas nos campos de batalha levaram a uma revolta popular contra o regime czarista. Em 15 de fevereiro de 1917, as forças de oposição (liberais, burguesas e socialistas) depuseram Nicolau II, dando início à Revolução de Fevereiro ou Revolução Branca.
No entanto, o novo governo foi derrubado poucos meses depois pelos bolcheviques. A Revolução de Outubro, também chamada Bolchevique ou Vermelha, impôs o governo socialista e desencadeou uma guerra civil. Durante o conflito, o Exército Vermelho (bolchevique) lutou contra o Movimento Branco, formado por ex-generais czaristas, republicanos liberais, milícias do Exército Negro e grupos separatistas. A situação dos judeus da montanha se agravou e o seu empobrecimento aumentou sensivelmente nesse período.
Em novembro de 1917, os bolcheviques tomaram o poder em Baku, capital do Azerbaijão; as províncias do Cáucaso se uniram e criaram a Federação Transcaucasiana. No entanto, os muçulmanos, que se consideravam parte do mundo islâmico, proclamaram a República Independente do Azerbaijão em setembro do ano seguinte.
Palco de lutas intensas nos anos que se seguiram, a região foi invadida, entre 1918 e 1920, pelo Exército Branco, que, juntamente com separatistas muçulmanos e forças turcas, atacou as populações judaicas. No sul do Daguestão, os judeus foram alvo de violentos pogroms. Vários povoados foram destruídos e saqueados, e seus sobreviventes se refugiaram em cidades ao longo da costa do Mar Cáspio, principalmente Derbente, Makhachkalah e Buynaksk.
Os judeus da montanha entraram no conflito e tiveram uma participação significativa na vitória dos bolcheviques. No Daguestão, por exemplo, cerca de 70% dos membros da Guarda Vermelha eram juhuro.
No Cáucaso, os combates cessaram, em grande parte, em 1921, com a vitória dos bolcheviques. No Daguestão, mesmo após a consolidação do poder soviético, o antissemitismo não desapareceu. Em 1926, os judeus enfrentaram uma acusação de libelo de sangue, à qual se seguiu, logo depois, um pogrom. Denúncias do mesmo tipo voltaram a surgir em 1929.
Cerca de 300 famílias de judeus da montanha do Azerbaijão e do Daguestão fizeram aliá e se estabeleceram em Eretz Israel.
Poder soviético
Em 1922, foi criada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) a partir da unificação da Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Transcaucásia. Até o fim da década de 1920, houve, por parte de Moscou, um reconhecimento da diversidade nacional, linguística e cultural dos povos do país.
No entanto, essa “tolerância” não se estendia às religiões, de forma que foram adotadas medidas para suprimir todas elas – cristã, muçulmana e judaica. Nas repúblicas orientais, em consonância com sua política para a região, o governo central optou por não destruir imediatamente as crenças religiosas, mas minar, de maneira gradual, suas tradições e incentivar a secularização. Para atingir seus objetivos, foi estabelecida uma ampla rede de escolas seculares, com especial atenção à doutrinação de jovens e adultos em clubes.
A mesma atitude foi adotada em relação aos judeus. Em locais em que havia comunidades de judeus da montanhaforam abertos estabelecimentos de ensino seculares que usavam o judeo-tat. Em 1922, foi lançado, em Baku, o primeiro jornal soviético nesse idioma, Karsokh (Trabalhador), patrocinado pelo Comitê Regional Caucasiano do Partido Comunista Judaico e seu Departamento de Juventude.
Paralelamente, as autoridades soviéticas tomaram medidas para acelerar a erradicação da “particularidade” dos judeus. Em 1921 e 1922, interromperam-se as atividades sionistas organizadas, e passou-se a desestimular a emigração para Eretz Israel. Além disso, as sinagogas foram fechadas. Por exemplo, havia 11 delas mantidas por judeus da montanha em Krasnaya Sloboda, em 1920. Nos anos 1930, as autoridades soviéticas encerraram as atividades de dez delas, de forma que apenas uma continuou em operação. Em 1930, o judeo-tat passou a ser escrito no alfabeto latino em vez do hebraico e, em 1938, no cirílico. No fim da década, todas as escolas foram obrigadas a utilizar o russo, a língua oficial da URSS, como idioma de ensino. Ademais, os judeus da montanha que se transferissem de vilarejos na cordilheira do Cáucaso para centros urbanos ou fazendas coletivas recebiam uma ajuda econômica do governo central. No fim dos anos 1930, a maioria deles já vivia em cidades e falava o russo. No norte do Cáucaso, concentravam-se principalmente em Makhachkala, Buynaksk, Derbente, Nalchik e Grozny; e, no Azerbaijão, em Quba e Baku.
Após a ascensão de Josef Stalin ao poder, todas as atividades econômicas, a agrícola inclusive, foram estatizadas e passaram a ser planificadas. Entre outros, efetuou-se a coletivização forçada da agricultura, com a criação de dois tipos de fazendas: sovcozes (estatais) e colcozes (coletivas controladas pelo governo central). Em 1929, o governo estabeleceu fazendas coletivas judaicas em Bagdanovka, Ganshtakovka e, em 1931, no Daguestão e no Azerbaijão. No entanto, no fim dos anos 1930, os juhuro começaram a abandonar as fazendas coletivas. Em 1926, mais de 85% daqueles fixados no Daguestão já eram classificados como urbanos.
2a Guerra Mundial
Durante a 2a Guerra Mundial, os alemães ocuparam as regiões do norte do Cáucaso com populações judaicas, tanto de juhuro quanto de ashquenazitas, que foram sistematicamente perseguidas pelos nazistas. De agosto a outubro de 1942, a Wehrmacht avançou em direção aos distritos de Mozdok (Ossétia do Norte) e Nalchik (Kabardino-Balkaria), nos quais havia uma grande quantidade dejudeus da montanha. Em novembro, os alemães atingiram a máxima extensão de sua incursão no território soviético.
A comunidade de judeus da montanha de Nalchik foi aquela em que a presença nazista foi mais intensa. Apesar disso, o rabino Nachamil ben-Hizkiyahu demonstrou grande coragem e, por meio da simulação de um enterro, escondeu os Sefarim da comunidade. Com a ajuda de vizinhos, os juhuro da cidade convenceram as autoridades alemãs de que eram tats, povo nativo da montanha do Cáucaso sem relação com a “etnia judaica”. Foi então suspensa temporariamente a aniquilação da comunidade, que passou a depender de uma “investigação racial”. Os debates prolongaram-se até maio de 1943 sem que os “especialistas nazistas” da Política Racial Judaica chegassem a uma conclusão. Com o avanço das tropas soviéticas, os alemães bateram em retirada e os judeus da montanha sesalvaram. No entanto, dos 5.000 que viviam na área sob ocupação nazista, entre 1.000 e 1.500 foram assassinados.
Pós-Guerra
Após a 2a Guerra Mundial, a URSS intensificou as campanhas antirreligiosas. Durante as comemorações pela criação do Estado de Israel, em 1948, os judeus da montanha sofreram fortes repressões, e muitos foram presos sob acusação de “propaganda antissoviética”.
O Kremlin tentou reprimir o uso e o ensino do judeu-tat, bem como de todas as atividades literárias nesse idioma, que passou a ser utilizado apenas no lar e no círculo familiar, até mesmo pelas gerações mais velhas. A principal língua da juventude – e muitas vezes a única – era o russo.
As comunidades de judeus da montanha mantiveram as tradições religiosas, ainda que em parte, sobretudo em comparação com a grande maioria dos ashquenazim da URSS. Eram muito raros os casamentos com muçulmanos, pois nenhum dos dois grupos via com bons olhos o matrimônio com adeptos de outras religiões.
Apesar de todos os esforços contrários do governo soviético, mesmo os juhuro que se registravam formalmente como tats preservaram, ao menos, sua identidade judaica. A maioria manteve as leis relacionadas à circuncisão, ao casamento e ao enterro. Em muitas casas, a cashrut era adotada. No entanto, a observância do Shabat foi abandonada com o tempo, assim como a comemoração das festas, com exceção de Rosh Hashaná, Yom Kipur e Pessach.
A Guerra dos Seis Dias fortaleceu a ligação dos judeus da montanha com Israel embora o amplo renascimento do Sionismo só tenha ocorrido no início dos anos 1970. No fim dessa década, os juhuro foram vítima de violentos ataques em várias cidades, em particular Nalchik, em decorrência de sua luta para deixar a URSS. A emigração em massa para Israel aconteceu entre o fim de 1973 e o início de 1974, depois da Guerra de Yom Kipur. Cerca de 12 mil chegaram ao Estado Judeu em meados da década de 1980, e mais de cinco mil, entre 1989 e 1992.
Situação atual
Depois da queda da União Soviética, em 1991, os judeus da montanha vivenciaram um renascimento religioso, principalmente entre as gerações mais jovens. Por causa das profundas mudanças dessa década, seguidas da dissolução da URSS e da ascensão do nacionalismo islâmico no Cáucaso, muitos abandonaram definitivamente a região para instalar-se em outros países.
Israel foi um dos primeiros Estados a reconhecer a independência do Azerbaijão, em 1991, e, no ano seguinte, abriu uma embaixada em Baku. Desde então, os dois países mantêm fortes relações bilaterais, de forma que a nação caucasiana é uma das poucas de maioria islâmica a ter relações diplomáticas com Israel. O Azerbaijão construiu um relacionamento frutífero com Israel, apesar das críticas dos vizinhos muçulmanos, como Irã e Turquia. A parceria estratégica inclui cooperação nas áreas de comércio e segurança, bem como intercâmbio cultural e educacional.
Em 1996, o governo do Azerbaijão devolveu duas antigas sinagogas, restauradas graças a doações, à comunidade do vilarejo de Krasnaya Sloboda. Além disso, o Ministério da Educação liberou o ensino do hebraico na escola pública secundária local, e o grande centro urbano mais próximo, Quba, passou a contar com uma escola judaica. Caracterizada por um estilo arquitetônico sem igual no país, Krasnaya Sloboda abriga 3.500 judeus, o que, segundo se estima, faz dela a única “cidade judaica” do mundo fora de Israel.
Em agosto de 1997, a visita do então (e atual) primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a Baku inaugurou uma nova fase das relações entre Azerbaijão e Israel. Desde então, o Estado de Israel tem fortalecido os laços bilaterais e auxiliado na modernização das Forças Armadas do parceiro.
Atualmente, estima-se em 250 mil o total de judeus da montanhaem todo o mundo, mas apenas sete mil permanecem no Azerbaijão. Cerca de 150 mil vivem em Israel, e os 100 mil restantes estão assim distribuídos: 40 mil nos EUA, 30 mil na Rússia e o restante na Alemanha, Austrália e no Canadá.
1 A Federação da Rússia é reconhecida pelo direito internacional como o Estado sucessor da União Soviética.
2 Dar al-Islam é um termo árabe que significa “território islâmico”. É utilizado no Islã para classificar territórios sob controle muçulmano e onde se aplica a lei islâmica (Sharia).
3 A língua tat, tati persa ou yati, oriunda do Sudoeste do Irã, é uma variante do farsi falado pelo povo Tat do Cáucaso, no Azerbaijão e na Rússia (Daguestão).
4 O vilarejo teve outros nomes em épocas diferentes – Zidkovskaya Sloboda, Krasnoselsk e Fatali Khan.
5 Os judeus que viviam no Império Russo foram confinados, no final do século 18, na chamada “Zona de Residência” ou “Território do Acordo” (Cherta Osedlosti, em russo).
Bibliografia
Mountain Jews, Encyclopedia Judaica, Keter Publishing House, 2010
Mikdash-Shamailov, Liya, Mountain Jews: Customs and Daily Life in the Caucasus
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Mountain Jews, https://www.encyclopedia.com/humanities/encyclopedias-almanacs