Os judeus viveram na região que hoje é o Iraque durante mais de 2700 anos. No século 20 eram cidadãos integrados, com importante participação no desenvolvimento econômico e administrativo do país. Era uma comunidade próspera que se orgulhava de suas sinagogas, instituições comunitárias e suas escolas. No entanto, em um período de 20 anos todos os caminhos lhes foram sendo fechados. Em 1935 havia 135 mil judeus no Iraque, hoje restam cinco indivíduos.
O Império Otomano
Desde 1534, quando os otomanos tomaram Bagdá e, em seguida, anexaram toda a Mesopotâmia a seu Império, os judeus viviam na região como súditos do Império Otomano. Sob o regime vigente, a vida da população era determinada pela lei islâmica, a shari’a, e isso se manteve até os britânicos conquistarem o que hoje é o Iraque. Judeus e cristãos lá podiam viver na condição de dhimmis,desde que reconhecessem a superioridade do Islã e pagassem os tributos devidos. O Islã lhes garantia a vida, a liberdade e a autonomia comunitária. Com exceção da jizya, tributo per capita cobrado anualmente a não-muçulmanos, as políticas dos governantes otomanos referentes aos judeus eram improvisadas e sempre decorrentes da sua “utilidade” ou não, no momento.
No decorrer dos 400 anos de domínio otomano, a vida da população judaica dependeu do humor de sultões e de califas, alguns dos quais agiram com crueldade. Tudo, porém, é relativo; se comparada à vida de seus irmãos na Europa cristã, a vida dos judeus era quase um “mar de rosas”.
À medida que o Império Otomano começa a entrar em lenta decadência, a vida dos judeus piora, fazendo com que a partir do final do século 18, uma leva de judeus iraquianos deixasse Bagdá em busca de onde viver – indo parar na Índia e em países do Oriente. Entre estes, aqueles que prosperaram, como os Sassoon e os Kadoori, iriam ter importante papel para a população judaica iraquiana, devido às polpudas contribuições que enviavam a suas comunidades de origem.
As Tanzimat e o novo estado civil judaico
No século 19, era numerosa a população judaica na região que hoje constitui o Iraque, sendo que a maior comunidade era a de Bagdá, onde, em 1831, viviam cerca de sete mil judeus e havia nove sinagogas. Havia outras comunidades na região norte do país, sendo a maior a de Mossul1, com cerca de 450 famílias judias.
Em 1839, melhora a situação da população otomana, bem como a dos judeus em seu meio, quando o governo de Istambul decide modernizar o Império com uma série de reformas que ficaram conhecidas como as Tanzimat Fermani. Foi criado o sistema dos millets, que garantia às minorias autonomia comunitária e o controle sobre suas propriedades e instituições. A jizya foi extinta, mas a partir de então recai sobre os não-muçulmanos um novo imposto de isenção do serviço militarou bedel-i-askeri.
Em 1856, todos os súditos passam a desfrutar de igualdade civil e, dez anos mais tarde, da cidadania, sem distinção religiosa ou étnica. O novo status civil permitia que os judeus galgassem importantes postos governamentais. Em 1876, quando é convocado o primeiro Parlamento em Istambul, os judeus de Bagdá já são representados por um deputado.
A chegada da Alliance Israélite Universelle
Até as reformas do Império de 1839 o sistema educacional da população judaica ficava a cargo das escolas religiosas que, com o empobrecimento das comunidades iraquianas, tornara-se precário. Em 1840, foi fundada em Bagdá a Yeshivat Bet Zilkha para formação de rabinos. Por mais de um século não existira na região nenhuma instituição do gênero.
Mas, a verdadeira revolução educacional judaica ocorreu depois que a Alliance Israélite Universelle (AIU) passou a abrir escolas que ofereciam educação moderna. Em dezembro de 1860, foi inaugurada, em Bagdá, a primeira escola primária para meninos. Posteriormente, o currículo foi ampliado para incluir o curso secundário. As meninas, porém, tiveram que esperar até 1890 para que a AIU abrisse a primeira escola profissionalizante. E, mais três anos se passariam até começar a funcionar a primeira escola primária para meninas. Nos anos seguintes foram sendo fundadas Escolas da AIU em outras cidades: Basra, Mossul, Hilla, Amara e Kirkuk. A instrução dada às crianças judias foi um divisor de águas, que lhes deu uma distinta vantagem sobre os muçulmanos, 95% dos quais eram analfabetos.
A vida no Século 20
Com a inauguração do Canal de Suez, em 1869, muda a rota comercial do Oriente Médio, que deixa de ser terrestre para singrar os mares. No Iraque essa mudança favorece o porto de Basra, fazendo com que algumas centenas de judeus migrassem para essa cidade. Mesmo assim, no início do século 20, dois terços dos 80 mil judeus iraquianos viviam em Bagdá.
Com a Revolução dos Jovens Turcos, em 1908, os judeus otomanos, inclusive os iraquianos, vislumbram um futuro no qual não mais seriam “cidadãos de 2ª classe”. O movimento revolucionário visava criar uma sociedade laica e igualdade de direitos a todos os habitantes do Império. O novo status civil permite aos judeus ascender a importantes postos governamentais. Em Istambul, um dos deputados do recém-criado Parlamento era um judeu iraquiano, Sir Sassoon Heskel (1860 - 1932). No ano seguinte, Heskel passa a ser o representante do Império Otomano nas negociações com a Grã-Bretanha.
No Iraque, porém, o movimento revolucionário criou uma forte tensão. Enquanto os judeus o apoiavam, os árabes eram contrários. Eles não queriam ver não-muçulmanos com o mesmo status civil que eles. E, em Bagdá, furiosos com o apoio dos judeus aos Jovens Turcos, o populacho muçulmano ataca a comunidade judaica em 15 de outubro de 1908.
Graças a um relatório de 1910 escrito por um funcionário judeu do Consulado Britânico em Bagdá, temos informações sobre a vida judaica, no início do século 20. Nele o autor confirma o papel da AIU para a ocidentalização dos judeus. Afirma ainda que “a comunidade judaica em Bagdá é, depois da Salonica, a mais numerosa, importante e próspera do Império Otomano (...). Dos 60 mil judeus que habitavam no vilayet2 de Bagdá, 50 mil havitavam na cidade, espalhados em diversos bairros, principalmente no bairro cristão (...) e representavam um terço da população total de Bagdá. Contudo, monopolizavam o comércio local”.
Os Judeus e o Mandato
Em julho de 1914, eclode a 1ª Guerra Mundial e os otomanos se posicionam contra a França e a Grã-Bretanha, alinhando-se com a Alemanha, Áustria e Itália. Para impedir o avanço dos inimigos no Oriente Médio, os britânicos despacham tropas para a região. Em novembro de 1914, ocupam Basra e, em seguida, o sul do atual Iraque.
Nesse meio tempo, os britânicos se aliam a Hussein bin Ali, Sharif e Emir3 de Meca, que, em 1916 iria ajudá-los liderando a Revolta Árabe contra os otomanos. Hussein recebe dos ingleses a promessa de ser recompensado, como de fato foi, pois Faisal, seu terceiro filho, é posteriormente alçado a rei do Iraque.
Os britânicos entraram em Bagdá em 26 de março de 1917. Cansados da crueldade otomana, os judeus comemoram e declaram a data “um dia de milagres”. Na época viviam na cidade 80 mil judeus em meio a uma população de 202 mil habitantes.
Nas duas primeiras décadas do século 20, os judeus de Bagdá tiveram um papel de destaque na economia e no desenvolvimento do sistema judicial. Mas a tranquilidade judaica adquirida após a ocupação britânica ficou abalada com os rumores sobre a possibilidade de os britânicos transferirem o poder político para os “árabes sunitas, que não possuíam experiência administrativa alguma e eram conhecidos por seu fanatismo e intolerância religiosa”. Preocupados, em 1918 e em 1919, os judeus pediram, inutilmente, para se tornarem súditos de Sua Majestade.
Em abril de 1920, na conferência de San Remo, a Grã-Bretanha recebe o mandato sobre três províncias otomanas, Basra, Bagdá e Mosul, comprometendo-se a transformá-las em um estado que passaria a ser conhecido como Al-Iraq.
Entre os árabes era forte a oposição à colonização inglesa e, em julho, eclode uma rebelião armada nas áreas rurais. Sufocada a revolta, a Grã-Bretanha decide estabelecer uma “fachada árabe” para o Mandato, “entregando” o governo a uma monarquia sunita, sem levar em conta que a grande maioria da população muçulmana do Iraque era xiita. Os britânicos criam um governo temporário composto por oito membros, sendo um deles Sir Sassoon Heskel, a quem mencionamos acima e que se tornara uma das personalidades mais importantes do país. Heskel ocuparia o Ministério da Fazenda nos cinco primeiros gabinetes do Reino do Iraque.
Perante as novas manobras políticas, os judeus voltam a pedir ao Alto Comissariado Britânico, novamente em vão, que lhes fosse outorgada a cidadania britânica.
Faisal bin Al-Hussein, árabe sunita originário de Meca e um desconhecido no Iraque, torna-se monarca do Reino do Iraque, em 23 de agosto de 1921, com o nome de Faisal I4. Faisal era um dos filhos de Hussein bin Ali. Durante o reinado de Faisal I os judeus gozaram de cidadania plena e tiveram importante participação no desenvolvimento econômico e administrativo do país.
Atividades Sionistas
Em fevereiro de 1921, o Alto Comissariado concede uma licença de funcionamento à recém-criada Associação Sionista de Bagdá. Pedia, porém, que seus membros evitassem atividades públicas. A necessidade de discrição tornou-se mais premente, em 1922, quando os sionistas não conseguiram renovar essa licença. O Iraque era um centro ativo do Arabismo e embora ainda não houvesse uma resistência ativa ao Sionismo, para os árabes “qualquer simpatia ao Movimento Sionista era uma traição à causa árabe”.
No início da década de 1930, a população judaica iraquiana já totalizava 135 mil pessoas, a maior parte das quais vivia em Bagdá. Basra abrigava a segunda maior comunidade. Os judeus despontavam em importantes cargos governamentais e judiciais, no Parlamento, na medicina, nas artes e, principalmente, no comércio. Eram mais da metade dos grandes comerciantes. A comunidade orgulhava-se, também, de suas sinagogas, suas instituições comunitárias e hospitais, e de suas quatro escolas judaicas.
Mas a vida judaica mudaria para pior depois que os conflitos entre árabes e judeus na Palestina Britânica atingiram altos níveis de violência. Um massacre perpetrado em Hebron por milícias árabes contra judeus, em 1929, desencadeou conflitos violentos por toda a Palestina Britânica. Os ingleses consideram Haj Amin al-Husseini, o Grande Mufti de Jerusalém, antissemita convicto e admirador de Hitler, o principal instigador da violência que ceifou a vida de centenas de judeus.
Os conflitos repercutiram em todo Oriente Médio e, aos poucos, vai desaparecendo a tênue distinção que, nos vários países árabes, a mídia e o poder mandatário ainda mantinham sobre ser judeu e ser sionista.
No Iraque os jornais publicam notícias forjadas sobre o assassinato de milhares de árabes na Palestina Britânica, atiçando os muçulmanos contra a população judaica do país. Em 30 de agosto de 1929, em Bagdá, 10 mil árabes tomam as ruas atacando os judeus. Em seguida, o governo bane todas as atividades sionistas. O Sionismo underground, no entanto, nunca se deixou abater.
Nazismo e Antissemitismo
Em outubro de 1932, a Grã-Bretanha concede a independência ao Reino do Iraque, mas continua mantendo na região sua presença militar e suas bases. Em setembro do ano seguinte, morre o rei Faisal I. Seu filho, Gazi, sobe ao trono como rei. Nacionalista e sem o “jogo de cintura” do pai, foi uma mera figura decorativa até sua morte, em 1939. Durante seu reinado o poder de fato ficou nas mãos de políticos e militares que se alternavam no governo.
O rei Gazi não nutria apreço pelos judeus. Seu primeiro-ministro, Rashid Ali al-Gaylani, era um nacionalista profundamente antissemita. Desde que Hitler subira ao poder, a embaixada alemã, além de exercer grande influência sobre o governo, distribuía propaganda nazista e fundos para grupos pró-Nazismo. O livro Mein Kampf, escrito por Hitler, é traduzido para o árabe e publicado em capítulos em um jornal local.
Em setembro de 1934, o governo iraquiano estabeleceu uma cota, não-oficial, para o número de judeus permitidos no serviço público e, no ano seguinte, para os que podiam ter acesso ao ensino superior. O ensino do hebraico em escolas judaicas foi proibido e se tornou cada vez mais difícil a viagem de judeus à Palestina Britânica.
A pressão e intimidação contra a população judaica se intensificam, em 1936, com a eclosão, na Palestina Britânica, da Revolta Árabe contra o domínio colonial britânico e a imigração judaica. Em setembro daquele ano, na véspera de Rosh Hashaná, os judeus iraquianos são acusados de “apoiar os sionistas da Palestina”, e dois judeus são assassinados. Em Yom Kipur uma bomba é lançada em uma sinagoga repleta de fiéis. Felizmente não explodiu. Nos meses seguintes, intensificam-se os atentados a bomba contra instalações judaicas, sob o pretexto de que as mesmas abrigavam atividades sionistas.
Nos três anos seguintes o “bem-estar” judaico passou a depender da posição de cada um dos primeiros-ministros que se sucediam no poder acerca da causa árabe na então Palestina. Se quem estivesse no cargo demonstrasse maior simpatia em relação aos árabes palestinos, intensificavam-se os incidentes contra os judeus iraquianos.
O rei Gazi morreu em abril de 1939 e seu filho, Faisal II, de quatro anos de idade, foi coroado rei. A Regência foi assumida pelo Emir Abdul-Illah, primo e cunhado do falecido. Na época, cerca de 150 mil judeus viviam no Iraque, 90 mil em Bagdá e 10 mil em Basra. Os demais espalhavam-se através de muitas cidades pequenas e vilas. Eles ainda constituíam uma comunidade populosa, organizada e rica.
Em outubro de 1939, temendo ser preso pelos britânicos, al-Husseini, o Grand Mufti de Jerusalém, foge da então Palestina e se refugia em Bagdá. Falando em nome do Islã, continua a apoiar os nazistas e a incitar a violência dos árabes contra judeus e britânicos.
Em março de 1940, Rashid Ali al-Gaylani assume mais uma vez o cargo de primeiro-ministro, e proíbe a passagem de tropas aliadas através do Iraque. O novo gabinete é formado por antissemitas. Seguiram-se meses difíceis para a população judaica, incessantemente acusada de ajudar o exército britânico, e que resultam no assassinato de 13 dos nossos.
Em abril de 1941, Rashid Ali al-Gaylani dá um golpe militar e declara guerra à Grã-Bretanha. Os ingleses decidem então ocupar o Iraque para assegurar o fornecimento de petróleo aos Aliados e, no final de maio, ajudados por forças iraquianas leais ao Regente, já estavam no controle do país. A estratégia militar adotada pelos ingleses era deixar que as forças iraquianas fossem as primeiras a entrar nas cidades.
Em Bagdá, essa estratégia teve consequências terríveis para os judeus. Na tarde de 1º de junho, o governo do Regente estava retornando a Bagdá quando uma multidão de judeus, que se aventurava pelas ruas para celebrar Shavuot, decide cruzar a margem do rio Tigre para receber os dignitários.
Para a população árabe, que observava o desenrolar dos eventos, os judeus estavam celebrando a vitória britânica. Militares que apoiavam o governo de al-Gaylani incitam os árabes de Bagdá contra os judeus e violentos tumultos tomam conta das ruas. Esse pogrom, conhecido como Farhud, terminou apenas no dia seguinte, 2 de junho, quando tropas curdas foram trazidas para restabelecer a ordem e o Regente deu ordens para atirar contra os perpetradores do pogrom. De acordo com as fontes judaicas, os dois dias de violência custaram a vida de 300 judeus. Outros relatos colocam o número de mortos entre 150 e 180. Mais de 1.000 são feridos; muitas mulheres foram estupradas e mais de 1.500 propriedades judaicas, destruídas.
Com o retorno dos ingleses ao Iraque, a comunidade judaica em Bagdá volta a experimentar uma prosperidade econômica, havendo entre seus membros quem julgasse que o pior passara. Mas os jovens haviam perdido as esperanças e acreditavam não haver mais futuro para os judeus no Iraque. E, em março de 1942, o Movimento Sionista clandestino volta à atividade em Bagdá, Basra e Mossul. Preocupados com a situação em que se encontravam os judeus do Iraque, o Ishuv da então Palestina envia a Bagdá emissários para estimular os jovens a emigrarem de modo clandestino.
Pós Guerra
Após o fim da 2ª Guerra Mundial e a retirada dos ingleses do país, uma grave crise econômica e política toma conta do Iraque. Em termos políticos, a maioria dos muçulmanos é contra o governo do Regente, favorecendo os nacionalistas árabes.Diante dos problemas internos e do clamor árabe por “unir forças contra os inimigos sionistas”, o governo passa a tomar medidas antijudaicas oficiais.
De acordo com um relatório de um americano em Bagdá, em 1945, o governo passa a censurar os contatos dos judeus com a Palestina Britânica. Volta a ser limitado o ensino do hebraico nas escolas judaicas, bem como o número de judeus autorizados a cursar faculdades ou ser funcionários públicos. No comércio os judeus encontram grandes dificuldades em conseguir os documentos necessários para exercer suas atividades e muito são obrigados a estabelecer parcerias com comerciantes árabes.
Enquanto isso, na Palestina Britânica, a situação tornou-se insustentável. Os britânicos mantinham as portas do país praticamente fechadas a judeus enquanto centenas de milhares de sobreviventes do Holocausto apodreciam na Europa nos campos de pessoas deslocadas. Em maio de 1946, pressionados por Henry Truman, presidente americano, os ingleses concordaram em criar o Comitê de Inquérito Anglo-americano que ficou encarregado de examinar as condições na então Palestina e consultar representantes árabes e judeus.
No Iraque, aos serem entrevistados por tal Comitê, os governantes culparam os sionistas pela “precariedade” na qual se encontravam os judeus de seu país. Muhammed Fadhil al-Jamali, diretor das Relações Exteriores, declarou que os judeus, em seu país, viviam “há milhares de anos” como “nossos irmãos ... em perfeita paz... o Sionismo político veio para envenenar a harmonia.... É um grande fardo para nosso governo manter essa paz ...”, dizia.
Entre os árabes a tensão aumentou quando, apesar dos ingleses se recusarem a adotá-las, entre as recomendações do Comitê estavam a revogação dos White Papers e a admissão imediata de 100 mil judeus na Palestina Britânica.
Em junho de 1946, a recém-criada Liga Árabe exigiu de seus membros a detenção e o confisco das propriedades de judeus suspeitos de “ativismo sionista”. Os fundos “recolhidos” serviriam para financiar a “resistência às ambições sionistas na Palestina”. O governo iraquiano prontamente adotou as medidas da Liga, ainda impondo outras. No início de 1947, determinou que os judeus só poderiam sair do país mediante o depósito de uma garantia, em dinheiro, de 1.500 dinares iraquianos – soma essa de que poucos dispunham.
Partilha da Palestina
Em 14 fevereiro de 1947, o governo britânico renunciou ao mandato sobre a Terra de Israel, delegando às Nações Unidas a “questão da Palestina”. Três meses mais tarde, a ONU cria o Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCP), encarregado de dar um parecer sobre uma possível Partilha da região do Mandato Britânico.
As declarações do governo iraquiano foram ameaçadoras. Muhammed Fadhil al-Jamali, que se tornara Ministro das Relações Exteriores, disse ao UNSCP que “o destino dos judeus nos países muçulmanos dependia dos acontecimentos na Palestina”, ao passo que o primeiro-ministro, Nuri as-Sa’id, foi ainda mais sinistro: “Os judeus são nossos reféns”.
As ameaças iraquianas levaram o Ishuv, a comunidade residente na ancestral Terra de Israel, a acelerar os planos para tirar os judeus do Iraque, e, em agosto de 1947, o Mossad, aborda Shlomo Hillel com o plano de resgatar judeus iraquianos por transporte aéreo. (Ver artigo à pág. 66)
As ameaças árabes, porém, não impedem a ONU de marcar para o dia 26 de novembro a votação sobre a Partilha, na sede das Nações Unidas, em Nova York. Ao discursar perante a Assembleia Geral, o delegado egípcio, Heykal Pasha, afirmou: “A solução proposta poderá pôr em perigo milhões de judeus que vivem nos países muçulmanos. A Partilha da Palestina poderá criar um antissemitismo ainda mais difícil de extirpar do que o Nazismo. Se a ONU aprovar a divisão da Palestina, será responsável pelo massacre de grande número de judeus”.
No dia 29 de novembro de 1947, os milenares anseios judaicos finalmente se realizaram. A Assembleia Geral das Nações Unidas votou a favor da partilha da Palestina em dois estados, um árabe e um judaico.
Em Bagdá, Alepo, Beirute e outros países do Oriente Médio, enquanto os judeus festejavam a criação de seu Lar Nacional, os árabes saíam às ruas prometendo vingança e morte. Em 27 de abril de 1948, uma sinagoga em Bagdá foi atacada e profanada por um grupo de manifestantes enfurecidos.
Judeus do Iraque e a Guerra da Independência de Israel
O governo iraquiano aproveita-se do ódio árabe em relação à Partilha da Palestina para desviar a atenção de sua população das dificuldades econômicas vigentes. Para agradar os muçulmanos mais “esquentados”, são arrecadados fundos dos próprios judeus para o “resgate da Palestina” e um grupo de “voluntários árabes” é enviado à região. A ação militar desses voluntários foi catastrófica.
No dia 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion proclama a independência do Estado de Israel. No dia seguinte, os exércitos do Egito, Síria, Jordânia, Líbano e Iraque atacam o recém-criado Estado Judeu.
No Iraque é decretada a lei marcial. O primeiro-ministro Muzahim al-Pachachi assegura aos árabes que os abusos do aparato estatal militar contra liberdades individuais iriam recair apenas sobre a população judaica.
O terror toma conta dos 150 mil judeus iraquianos. Eles sabiam que os árabes não faziam mais distinção entre Judaísmo e Sionismo e ser sionista tornara-se uma ofensa capital. O governo toma severas medidas antissemitas e os judeus passam a sofrer abusos de todo tipo e, não bastante, os militares criam um campo de concentração no deserto para detentos comunistas e judeus.
Um flagrante exemplo do tipo de “justiça” que os militares reservavam para os judeus foi o julgamento e a execução de Shafiq Adas, um dos judeus mais ricos do Iraque. Os iraquianos o acusavam de ter “vendido, para a Itália, em 1946, um equipamento militar britânico, posteriormente encontrado em Israel, em mãos do inimigo sionista”. Apesar de sua culpa nunca ser comprovada, Adas foi condenado e seus bens, avaliados em £5.000.000, foram confiscados. Ele foi enforcado publicamente em Basra, em 27 de setembro de 1948, diante de sua casa. O terrível desfecho foi acompanhado por grande publicidade, em meio ao júbilo popular.
A partir de 1948, a vida dos judeus iraquianos vai de mal a pior. Não podiam comprar ou vender imóveis e eram poucas as profissões que lhes permitiam exercer. Entre outros, o Ministério da Saúde deixou de emitir ou renovar licenças para médicos judeus. Os bancos de propriedade judaica eram proibidos de fazer transações com instituições estrangeiras. Os poucos judeus que ainda ocupavam cargos no governo foram demitidos. Um deles, Ibrahim el-Kabir, estava em Londres para negociar um acordo financeiro entre o Iraque e a Grã-Bretanha quando foi sumariamente afastado do cargo.
Centenas de judeus foram presos e condenados, torturados – às vezes até a morte; suas propriedades, confiscadas. Uma campanha oficial de extorsão foi iniciada, resultando em milhões de libras iraquianas que foram “coletadas” entre eles. O governo decretou que os judeus iraquianos que viviam no exterior perderiam suas propriedades caso não retornassem ao país na data estabelecida. Quarenta grandes empresários judeus foram presos, sendo soltos somente após o pagamento de quantias exorbitantes. Estima-se que um total de £20.000.000 tenham sido “coletados” dos judeus.
Parte desses fundos foram utilizados para cobrir a “aventura militar” do país na Guerra de Independência de Israel. Quando a Guerra se encerrou, em meados de 1949, com a derrota geral dos países árabes envolvidos, armistícios são assinados entre Israel e os demais países. O Iraque foi o único a não assinar um armistício, simplesmente retirando suas tropas da área do conflito.
Em 1949, o país vivia uma profunda depressão econômica quando Nuri as-Sa’id volta a ocupar o posto de primeiro-ministro. A perseguição contra os judeus se intensifica, incentivada pela retórica antissemita e disfarçada de antissionismo.
Aumentam as restrições de caráter econômico assim como uma constante violência física. Centenas de judeus foram presos e submetidos a torturas generalizadas. Os que sobreviveram nunca mais foram os mesmos. Em 1949, os delegados de Israel nas Nações Unidas e a mídia mundial começaram a expor a incessante perseguição do Iraque aos judeus que viviam no país.
Ainda que a emigração ilegal para Eretz Israel nunca tivesse realmente sido interrompida, o fluxo diminui quando entra em vigor a lei marcial. Assim que essa foi suspensa, o movimento underground sionista voltou a trabalhar a todo vapor para tirar os judeus do Iraque. Entre os vizinhos na região, o Irã, ainda que fosse um país muçulmano, não perseguia os judeus. Assim sendo são usadas exaustivamente as rotas de fuga clandestinas através desse país, principalmente através de Basra e Shat al-Arab, ao sul, e através das fronteiras montanhosos ao norte.
Até 1950, cerca de 12 mil judeus fugiram do Iraque por essas vias. Ao chegar no Irã, a maioria deles eram direcionados ao grande acampamento de refugiados administrado pelo Joint Distribution Committe (JDC), perto de Teerã, e de lá eles eram levados para Israel.
A situação começa a melhorar quando Tawfiq Suweidi se torna primeiro-ministro. Suweidi ocupara esse posto em três momentos diferentes da história do país – inclusive entre 5 de fevereiro de 1950 e 15 de setembro de 1950. Tendo estudado na escola judaica da AIU, em Bagdá, considerada a melhor do Iraque, ele não nutria pelos judeus o ódio de muitos de seus compatriotas.
A maciça fuga judaica já não podia ser mantida em segredo. Diante de tal determinação – e vendo que nem o exército nem a polícia eram capazes de detê-la, o governo iraquiano decide legalizar a emigração dos judeus. Em 2 de março de 1950, é votada uma lei, com duração de apenas um ano, permitindo que os judeus deixassem o país mediante a renúncia de sua nacionalidade iraquiana. Salih Jabr, então Ministro do Interior, apontara para o fato de que “não era de interesse público forçar as pessoas a permanecerem no país se assim não o desejassem”.
Ao sancionar a lei o governo iraquiano supunha que uns sete mil judeus, no máximo dez mil, se utilizariam dessa nova legislação. Aliás, essa estimativa era compartilhada por diplomatas ingleses em Bagdá e por israelenses. Mas estavam todos enganados.
Em abril de 1950, no último dia de Pessach, árabes jogaram uma bomba num café que vivia lotado de judeus e, em 14 de janeiro do ano seguinte, outra bomba explodiu na Sinagoga Mas’uda Shemtob, que se tinha tornado um ponto de encontro para os judeus que se preparavam para deixar o país. Um garotinho de sete anos foi morto e 20 judeus ficaram feridos. As autoridades chegaram a culpar “elementos judeus” por esse e outros incidentes contra eles próprios.
O governo de Tawfiq Suweidi caiu em setembro de 1950 e Nuri Said voltou ao cargo de primeiro-ministro. Isso trouxe grandes preocupações. Em 9 de março de 1951, no dia em que expirava a lei que permitia aos judeus deixar o país, praticamente toda a população judaica, excetuando-se umas seis mil pessoas, já se tinham inscrito para partir.
Foi então que o governo iraquiano desfechou dois golpes. O primeiro era uma lei congelando e confiscando os bens de todos os judeus que estavam em vias de partir. Uma segunda determinava que todos os judeus iraquianos que estavam fora do país e não retornassem dentro de um prazo determinado, perderiam tanto sua nacionalidade quanto seus bens. Ainda que algumas famílias tivessem conseguido enviar para o exterior algum dinheiro, a maioria delas viu-se totalmente destituída, só podendo levar consigo uma cifra irrisória.
A maciça ponte-aérea que ficou conhecida como Operação Ezra e Nehemias foi realizada com relativa facilidade, apesar do número de emigrantes ter superado todas as estimativas iniciais. Israel havia se preparado para receber cerca de 300 imigrantes/dia – e isso, por si só, já era uma grande dificuldade – mas o fluxo diário chegou, em seu momento de pico, ao gigantesco número de 1.400 pessoas. Em 5 de julho de 1951, cerca de 104 mil judeus iraquianos haviam chegado a Israel.
No ano seguinte, em represália, o governo proibiu os judeus que ainda estavam no país de emigrar e, em 1954, nacionalizou o Hospital Judaico Meir Elias, o maior e mais moderno no país, e o Hospital Rima Kheduri, que tratava pacientes oftalmológicos. Em 1957 viviam no Iraque apenas 4.700 judeus.
A República do Iraque (1958-1979)
No dia 14 de julho de 1958, a monarquia hashemita é derrubada pelos militares liderados pelo general Abd al-Karim Qasim. O rei Faisal II, bem como grande parte de sua família são assassinados. É fundada a República do Iraque e o general Qasim torna-se primeiro-ministro. O novo governante tem um comportamento benigno face aos grupos minoritários e a situação dos judeus melhora sensivelmente. Eram cerca de quatro mil deles em Bagdá.
As restrições contra os mesmos são revogadas e muitospassaram a acreditar que a violenta tempestade que marcara a vida de seus irmãos chegara ao fim. Mas, a ilusão se desfez quando Qasim ordenou o confisco e destruição do cemitério judaico, para construir no lugar uma torre que imortalizava seu nome.
Essa pretensa calmaria duraria apenas cinco anos, até a ocorrência de um golpe do partido Ba’ath, em 1963. Saddam Hussein era então um jovem oficial. Alegando que uma “5ª coluna” israelense estava atuando no Iraque, o novo governo restabelece todas as antigas medidas antijudaicas, e ainda acrescenta outras. Os passaportes pertencentes a judeus são confiscados. Não podiam descontar suas notas promissórias e foi proibido conceder-lhes crédito nos bancos, que acabavam de ser nacionalizados. Os estudantes judeus foram banidos das faculdades públicas. Foi proibido aos judeus acesso aos bancos, a realização de transações financeiras, e a venda de todo e qualquer tipo propriedades. Os importadores e farmacêuticos perderam sua licença. Como se isso tudo não bastasse, foi proibida qualquer cooperação dos cidadãos árabes com os judeus. Muitos judeus chegaram a passar fome.
Em 1967, o Iraque uniu-se às forças árabes na Guerra dos Seis Dias contra Israel. Após a derrota árabe, não tardaram as represálias no Iraque. Os dois mil judeus que permaneciam no país viram-se privados de trabalhar e muitos estavam em prisão domiciliar. Seus telefones haviam sido confiscados e aumentaram os ataques nas ruas. Após outro golpe, que trouxe de volta ao poder al-Bakr e seu vice, Saddam Hussein, os judeus começaram a ser presos como espiões.
Durante a vigência do regime Ba’ath (1968-2003), sua situação se deteriorou ainda mais. Alguns foram acusados de espionar, como vimos acima, e eram mantidos na prisão sem qualquer acusação formal.
Em janeiro de 1969, Saddam Hussein foi encarregado de organizar um “evento espetacular”, ao qual foram trazidas centenas de milhares de pessoas em ônibus, de todas as partes do país. Era o “espetáculo” macabro do enforcamento de 13 homens acusados de espionar a favor de Israel, enquanto os cidadãos iraquianos circundavam os patíbulos, dançando e cantando.
Assim que termina a guerra com os curdos, em 1970, abriu-se um caminho possível. Famílias inteiras de judeus começam a fugir pelas montanhas em direção ao Irã. Em abril de 1973, o número total de judeus enforcados, assassinados ou simplesmente desaparecidos já chegava a 46. Dezenas mais continuavam encarcerados. O choque após a execução sumária de judeus inocentes causara repercussões no mundo todo e o governo do Iraque reagiu aliviando – ainda que temporariamente – suas medidas discriminatórias contra a pequena população judaica.
Por volta de 1974, eram apenas 280 os judeus que permaneciam no país; a tensão com o governo se acalma e eles permitem que os judeus recebam passaporte e deixem o país. Na década de 1980, Saddam Hussein foi pressionado pelos americanos a proteger o que restava da comunidade judaica. Com esse fim, o Ministério Nacional de Segurança criou um departamento especial para garantir sua segurança.
Após a invasão do Iraque em 2003, a Agência Judaica lançou uma campanha para rastrear todos os judeus iraquianos que ainda se encontravam no país e lhes oferecer a oportunidade de emigrar para Israel. Hoje, ao que se sabe, são apenas cinco os judeus que ainda vivem em Bagdá.
A queda de Saddam Hussein em 2003 não trouxe a normalização das relações entre Israel e o Iraque, país que foi uma das principais forças a liderar o boicote econômico de Israel pelos demais países árabes.
1 Essa cidade é a antiga Nínive citada na Torá.
2 Vilayet era uma divisão administrativa do Império Otomano.
3 Sharif, ou nobre, em árabe, considerado descendente direto do profeta Maomé. Emir é um título que designava o chefe do mundo muçulmano, também tido como descendente do Profeta.
4 Com ele tem início o Reino Hashemita do Iraque, que duraria até 1958.
BIBLIOGRAFIA
Rejwa, Nissim, The Jews of Iraq: 3000 Years of History and Culture. eBook Kindle
Gat, Moshe, The Jewish Exodus from Iraq, 1948-1951 (English Edition). eBook Kindle