Bom gosto, delicadeza e senso de comedimento são fatores intrínsecos ao projeto e à ornamentação que os judeus italianos aplicaram em suas sinagogas. As poucas que ainda apresentam seu décor original mostram essas qualidades em grau surpreendente.
A majestade do Hechal e da Tebá, os tetos ornamentados e pintados e os reluzentes candelabros, o requintado trabalho de marcenaria e os bancos esculpidos em cerejeira ou imbuia, o jogo de cores – tudo reflete a influência dos ricos e artísticos arredores italianos e ecoam o que há de melhor na tradição da arte sacra do período.
A Itália merece destaque como o único país da Europa que teve presença ininterrupta judaica desde tempos anteriores à atual Diáspora. No entanto, poucas das centenas de sinagogas então existentes sobreviveram. Como se pôde ver em documentos e inscrições dos primeiros séculos da Era Comum, 13 das que existiam em Roma portavam nomes históricos, entre elas, Augustus; Herodes, o Grande; e Rei Agripa I. Algumas levavam o nome do país de origem de
seus membros e é provável que houvesse muitas mais. Não se tem informações sobre a aparência dessas casas de oração, à exceção da sinagoga de Óstia, construída no século 1.
As descobertas arqueológicas no local indicam que seu formato era semelhante às demais sinagogas, em estilo de basílica, encontradas na Galiléia contemporânea, em geral com uma nave central e duas laterais, divididas por colunas. A de Óstia foi remodelada no século 4. A colunata na parte norte foi fechada em sua parte ocidental para criar uma edícula ou um nicho, onde se guardavam os rolos da Torá, que eram transportados para o interior da sinagoga nas ocasiões em que tinham que ser lidos. Em seu extremo ocidental, havia uma Bimá (ou Tebá) mais elevada, com espaço para uma mesa ou leitoril para apoiar o livro de reza do rabino. O Hechal ficava na parte oriental e seguia o layout de dois pólos, como em Sardis, na Ásia Menor, e em Gush Halav, na Baixa Galiléia.
Como se vê na decoração da base dos cálices dourados encontrados nas catacumbas romanas, o Hechal parece ter sido uma edícula entre dois pilares, com capitéis clássicos que sustentam um frontão triangular. O Hechal é retratado aberto, sua cortina – a Parochet – ligeiramente repuxada de lado, com os rolos da Torá apoiados nas prateleiras, apontando para o observador.
Há uma sinagoga da era bizantina, séc. 4-6, no “posto de trânsito” em Bova Marina, perto de Reggio di Calabria. Trata-se de uma construção em estilo de basílica, com piso de mosaico, que lembra muito as sinagogas bizantinas da Galiléia. São as duas únicas sinagogas italianas antigas que sobreviveram.
Não há evidências estruturais ou arquitetônicas de sinagogas do final do período clássico até o século 13. Até a expulsão da Espanha e do sul da Itália, em fins do século 15, a maioria dos judeus italianos viviam em Roma e no sul do país, incluindo a Sicília. Praticamente todas as cidades pequenas da região têm uma rua chamada “da Sinagoga” ou “da Escola” ou “Judecca”, ou algo que, de alguma maneira, se refira à existência dos judeus, ainda que não tenha havido judeus na região desde o final do século 15 ou início do 16.
Em Trani, na Apúlia, duas sinagogas que restaram foram convertidas em igrejas. Uma delas, Santa Maria Scuola Nuova, é comprida e estreita, medindo 15m x 6,5m, com uma abóbada cilíndrica de 11m de altura e uma galeria para mulheres ligeiramente elevada na extremidade ocidental. Isso era típico das sinagogas góticas em toda a Europa, como, por exemplo, a sinagoga Pinkas, em Praga. A Scuola Nuova contava com uma área para o Hechal em estilo gótico, à qual se ascendia por meio de sete degraus, na extremidade oriental. O Hechal tinha uma coluna central que formava duas aberturas separadas em arco.
No final do século 15 e início do 16, os judeus foram expulsos da Sicília e do Reino de Nápoles, que, à época, estava sob domínio espanhol. Alguns deles emigraram para a África do Norte ou para terras otomanas e outros para o norte da Itália. Não tardariam a aparecer os primeiros guetos da história – em Veneza, em 1516, e em Roma, em 1555. As sinagogas desse período foram naturalmente construídas dentro dos guetos.
As sinagogas dos guetos foram influenciadas por duas tendências opostas. A primeira destas foi a inspiração artística e arquitetônica das igrejas vizinhas, cujos arquitetos também eram responsáveis pelas plantas e detalhes das sinagogas. A segunda foi o desejo de limitar as influências cristãs e criar uma arquitetura exclusiva das sinagogas que diferenciasse as casas de oração judaicas. De qualquer modo, ao que parece, os judeus da Itália estavam tão profundamente envolvidos no meio artístico que os cercava, que os seus correligionários recém-chegados da Península Ibérica e terras asquenazitas quase não deixaram sua marca no projeto das sinagogas italianas.
Em seu interior, as que foram construídas no período eram salões elegantes da Renascença e do Barroco, parecidos com os dos Palazzi da nobreza. Externamente, contudo, as sinagogas eram estruturas simples e severas, em virtude da restrição local e da relutância judaica em atrair a atenção da redondeza hostil. O layout do interior, mas não sua ornamentação, pode ter sido influenciado pelos imigrantes judeus de outros países. Em Veneza e em Roma, os judeus ibéricos construíram sinagogas bipolares, com uma abside, ou um espaço separado elevado ao fundo, semelhante ao palco de um teatro, que se estendia até o quadrado do santuário principal. Contudo, é difícil dizer se essa planta – a Bimá na extremidade ocidental e o Hechal na parede oriental – era resultante da influência italiana, como se viu em Óstia e Trani, ou foi trazida por judeus da Península Ibérica. O formato bipolar poderia, talvez, ser proveniente da antiga em Eretz Israel.
No entanto, o mais provável é que a Bimá escavada dentro de sua própria abside talvez possa ser uma marca das plantas das sinagogas italianas. Quatro das cinco sinagogas de Veneza possuem esse mesmo layout. A sinagoga de Veneza, que não possuía este tipo de Bimá escavada era a Grande Sinagoga, de rito asquenazita, a Scuola Grande Tedesca, construída no século 16. Nela a Bimá ficava originalmente no centro, tendo sido, dois séculos mais tarde, transferida para a parte posterior do salão. A planta com dois polos dominava a arquitetura sinagogal na maior parte da Itália, exceto em Piemonte, região ao norte da Itália. Essa disposição pode ser vista em toda a parte nordeste e central da península, em Veneza, Conegliano e Vittorio Veneto; em Pesaro, Ancona, Senigallia e Roma. Nessas cidades, o Hechal e a Bimá ficam localizados frente a frente, nas paredes ocidentais e orientais. Uma variação desse traçado pode ser vista nas sinagogas espanholas e italianas, em Pádua, na Scuola Talmud Torá de Veneza, na Scuola Norzi de Mântua, bem como em outras partes.
Nessas construções, de estrutura retangular alongada, o Hechal e a Bimá ficavam no centro das duas paredes longas, um de frente para o outro, ou seja, relativamente próximos, criando um ponto focal “repleto de magia” no centro.
Praticamente todas as Arcas Sagradas do Renascimento e do Barroco, na Itália, adotaram a mesma solução. Eram feitas em mármore ou em madeira, mas seu estilo é sempre idêntico, geralmente com duas partes separadas, uma superior e uma inferior. Na inferior, a do pedestal ou de suporte, duas portas pequenas dão acesso a um armário para guardar os livros de reza ou textos sagrados inaptos para o uso. A parte de cima contém as duas portas principais do Hechal, geralmente ornamentadas por dentro e por fora. Ladeando a Arca há colunas que podem ser lisas ou trabalhadas em sulcos ou em espiral. Às vezes, vinhas e folhas de videira enroscavam-se em torno das mesmas, fazendo menção às vinhas de ouro que, segundo o Talmud, ornavam as colunas e o teto à entrada do Templo de Jerusalém. As colunas são coroadas por capitéis geralmente coríntios e sustentam uma viga mestra com um espaço triangular, circundado pelas cornijas do frontão. Este espaço pode ser inteiro ou cortado, triangular ou arqueado, e exibir um medalhão redondo na parte superior, com ornatos adicionais, geralmente representando as Tábuas da Lei, coroados por mais outro pequeno espaço triangular.
Na costa do Adriático, em Ancona, Pesaro e Urbino, o Hechal é adornado com uma cúpula de grande tamanho. Surpreendentemente, foram encontradas cúpulas semelhantes nas duas Arcas Sagradas de Livorno, na costa ocidental da Itália. Uma destas encontra-se hoje na sinagoga Eliyahu Hanavi, na Cidade Velha de Jerusalém. Essas Arcas na costa leste e oeste sugerem tanto origem ibérica quanto levantina. Isto porque, os domos – ou cúpulas – eram um recurso arquitetônico muito comum no mundo bizantino. As Arcas do Adriático têm portas duplas, internas e externas, para criar uma dupla barreira entre os rolos da Torá e os fiéis, como manda a Halachá. A idéia pode ter sido para evitar a necessidade de uma Parochet. Com a moda das portas cada vez mais ornamentadas, os artistas consideravam uma perda de exposição ter que escondê-las por trás das cortinas.
As comunidades judaicas contratavam famosos arquitetos para projetar o Hechal e a Bimá e mesmo toda a sinagoga. Ao que tudo indica, em Veneza eles costumavam usar os serviços de Andrea Bristolon, Alessandro Fernignon, Antonio Gaspari e do maior arquiteto veneziano do século 17, o grande Baldassarre Longhena. Em Roma, contratavam Girolamo Rainaldi e, posteriormente, Giuseppe Valadieri. As comunidades de Piemonte deviam usar os serviços de Benedetto Alfieri, arquiteto da Casa Real da Savóia.
As Bimot das sinagogas bipolares foram, também, objeto de especial atenção. A princípio eram simplesmente plataformas mais altas, na parte de trás da sinagoga, aonde se chegava através de duas rampas – como na Scuola Tempio, em Roma, e na Scuola Italiana, em Senigallia. Posteriormente, foram recobertas com um teto, como na Sinagoga Italiana, em Pesaro, e na Sinagoga Asquenazita, em Gorizia. Com o tempo, a Bimá que ficava na parte posterior adquiriu uma importância em sua colocação espacial, ganhando uma abside própria, ao fundo do salão da sinagoga. Ficava a 1,80m do piso, quase como um palco de um teatro.
O “Matroneo” – galeria das mulheres – estendia-se em torno de todo o espaço do salão, geralmente pelos três lados ou fazendo toda a volta ovalada, lembrando realmente a galeria de um teatro – como se vê em Gorizia, na sinagoga sefardita e asquenazita de Veneza. As galerias nem sempre se projetavam para o interior. Às vezes eram escondidas atrás de treliças, imitando paredes ornamentadas, como na Scuola Canton, em Veneza, e na sinagoga de Casale Monferrato. Nas sinagogas com dois polos, a congregação sentava-se em dois setores que se defrontavam, voltados em direção ao eixo central que descia desde o Hechal até a Bimá. Esse eixo central ficava livre e era usado para a saída da Torá e para transitar entre esses dois elementos principais do recinto sagrado.
Em muitas sinagogas, a Bimá ficava na parte de trás, mas não conectada à parede do fundo. Quanto menor o espaço, mais possível era anexá-la à parede ocidental ou criar um recesso para a mesma dentro de uma abside. Às vezes, ficava próxima ao centro do santuário, não por princípio, mas apenas para melhorar a acústica. Quando o santuário é grande, a Bimá tem que ficar em um ponto de onde o Chazan, o cantor litúrgico, e o oficiante possam ser ouvidos. Esse tipo de localização central é visto em Pitigliano, Livorno e Ferrara. Assim era a disposição das sinagogas-padrão na maioria dos países até o final do século 19.
A sinagoga sefaradita de Pesaro, construída em 1642, é um exemplo impressionante do Barroco na arquitetura judaica. Do Hechal à Bimá e o requintado teto em estuque conectando os dois polos, a arte singular desta casa de oração assemelha-se a uma caixa de jóias, ricamente decorada, onde cada detalhe é plenamente justificado. O Hechal baseia-se em padrões familiares, assemelhando-se a uma enorme coroa sob a qual e em cuja sombra fica a Arca, propriamente dita. Nessa sinagoga a coroa pode ser interpretada como uma representação da cúpula típica das Arcas Sagradas da região. Apesar deste último exemplo, o Barroco judaico era diferente de sua contraparte cristã, que aspirava criar uma ilusão do infinito, do misterioso e do inatingível, apesar de ter sido uma imitação artística excelente do modelo cristão.
A região do Piemonte, próxima à Provença, no sudeste da França, e ao sul da Alemanha, evidencia as influências de menor porte de ambas em sua arte sinagogal. Pelo fato de os judeus piemonteses não terem sido confinados em guetos até as décadas de 1720 e 1730, essas sinagogas são particularmente elaboradas – pode-se mesmo chamá-las de “o zênite do Rococó”. Seus Hechalot, em princípio, se parecem com os acima descritos, mas são mais ricamente ornamentados.
A influência francesa pode ser vista na abundância de pedras, conchas e folhas de acanto na decoração das colunas estriadas.
Uma característica domina todas essas sinagogas piemontesas: suas esplêndidas Bimot centrais. A influência asquenazita local evitou que a disposição em dois polos virasse moda. Em vez disso, a Bimá se tornou um elemento central, como foi o caso em Carmagnola, Chieri, Cherasco, Mondovi e na versão mais antiga da sinagoga, em Casale Monferrato. A base da Bimá é octagonal, tendo um parapeito com painéis decorados em suas seis faces, sendo que duas faces são abertas para permitir o acesso. Colunas em espiral ou lisas, afixadas no parapeito, sobem de cada um dos vértices do octógono e sustentam capitéis coríntios coroados por fantásticas vigas mestras, frisos decorativos e pelo espaço triangular limitado pelas cornijas do frontão. Tudo isso forma um gracioso dossel, finalizado por uma enorme coroa da Torá. A não ser pela imensa diferença de escala, as primeiras Bimot do Piemonte foram provavelmente influenciadas pelo gigantesco baldaquino de Bernini, suspenso sobre o altar-mór da Catedral de São Pedro, em Roma. Nessas sinagogas, desaparece o “mágico” centro livre que era a marca das sinagogas bipolares, dando lugar à própria Bimá. Sinagogas semelhantes são encontradas nos distritos adjacentes da Alemanha, especialmente ao sul do país, como em Ansbach.
Tem particular interesse a iconografia dessas sinagogas piemontesas. Muito espaço é dedicado aos ornamentos que aludem ao Templo Sagrado, seus vasilhames e outros objetos santificados: o próprio Templo, o frasco que continha o Maná, as Tábuas da Lei, o Altar de ouro para o incenso e a mesa do Pão Sagrado do Santuário. Isto se vê em um Hechal de Saluzzo (hoje na Cidade Velha de Jerusalém), anterior ao Gueto de 1734, no qual estes objetos estão representados no interior das portas da Arca. Os Hechalot de Cuneo e Asti apresentam iconografia semelhante.
As sinagogas do período pós-gueto, que datam de depois da unificação da Itália no final do século 19, certamente refletem o espírito da época. Naquele período, os judeus sentiram o gosto da liberdade e puderam participar da vida econômica, cultural e social do país. Foi assim que construíram sinagogas grandiosas, quase que catedrais, que não ficavam apinhadas de fiéis como as do gueto. Tinham mais a função de símbolo do judaísmo, ou seja, de um edifício institucional.
Nesse período de ecletismo arquitetônico em toda a Europa e, em especial, na Itália, muitas sinagogas antigas do gueto foram destruídas, erguendo-se novas em seu lugar. Foi uma era na qual os arquitetos buscaram inspiração em todos os estilos. Surgiram sinagogas neoclássicas, como a Mole Antonelliana, em Turim, neomouriscas, em Florença e Vercelli, neogóticas em Alessandria, neoegípcias ou neobabilônicas em Roma e neoromanescas em Trieste. Trata-se de estruturas maciças, em geral dispostas de frente, com uma planta baixa alongada. Seu princípio estrutural é, em geral, bizantino, com quatro grandes arcos que sustentam uma base central, coroada por um domo. A fachada geralmente exibia uma rosácea central e duas torres espirais laterais.
A maior e mais famosa dessas estruturas, a Mole Antonelliana, nunca se tornou uma sinagoga. Tendo planejado uma edificação grandiosa e extravagante, a Kehilá se endividou e acabou tendo que vendê-la para a prefeitura de Turim, que terminou a construção da cúpula e torre espiral e transformou a estrutura em museu. Até hoje, o edifício se ergue acima do horizonte e se tornou o símbolo da cidade.
Para os judeus da Itália, o senso de igualdade e emancipação foi brutalmente erradicado durante o período fascista. Desde aquela época as sinagogas e suas comunidades, onde sobreviveram, retornaram a suas dimensões menores do período pré-Emancipação. Excetuando-se a moderna sinagoga de Livorno, nenhuma grande sinagoga foi construída no país desde a 2ª Guerra Mundial.
Apesar de, em nossa época, o legado de muitas gerações de judeus italianos ter sido destruído, alguns exemplos de seu inestimável mobiliário e decoração migraram a um novo lar. Trabalhando incessantemente durante as décadas de 1950 e 1960, Umberto Nahon resgatou o incrível número de 40 sinagogas ameaçadas na Itália, ou, melhor dizendo, o que restara de suas ricas coleções de arte cerimonial judaica, levando-o a novas paragens e uso em Israel.
O governo italiano reconheceu a importância cultural nacional da herança judaica remanescente em seu território e designou fundos para sua conservação. Um turista em visita à Itália pode hoje encontrar um número crescente de sinagogas restauradas – no entanto, desprovidas de fiéis – um lembrete visual de uma gloriosa comunidade judaica que está prestes a desaparecer.
Texto publicado no site : The Conegliano Synagogue http://www.jija.org/
Tradução Lilia Wachsmann
Bibliografia:
Dorfmann, Rivka e Ben Zion, “Synagogue without Jews, and the Communities that used and built them”.