Da pequena cidade na Galícia Oriental, onde nasceu, até sua chegada a São Paulo, em 1952, o caminho do rabino Menahem Mendel Diesendruck z’l envolveu vários países. Sua formação rabínica e seus amplos conhecimentos judaicos e laicos ajudaram-no a pavimentar seu caminho profissional. Sua última função no Brasil foi como rabino da Congregação e Beneficência […]
Da pequena cidade na Galícia Oriental, onde nasceu, até sua chegada a São Paulo, em 1952, o caminho do rabino Menahem Mendel Diesendruck z’l envolveu vários países. Sua formação rabínica e seus amplos conhecimentos judaicos e laicos ajudaram-no a pavimentar seu caminho profissional. Sua última função no Brasil foi como rabino da Congregação e Beneficência Sefardi Paulista Beit Yaacov, onde atuou de 1964 a 1974, quando faleceu.
Vida
Menahem Mendel Diesendruck nasceu em 1902, numa pequenina cidade da Galícia Oriental chamada Stryj, que pertenceu à Polônia entre as duas guerras mundiais. Porém, sua formação religiosa em Talmud aconteceu em Kołomyja, parte do Império Áustro-Húngaro até 1918.
Ao finalizar seus estudos judaicos nesta cidade, o rabino Diesendruck se reúne à sua família em Viena. Os anos em que ali viveu determinaram sua formação religiosa e sionista. Foi lá que descobriu sua vocação para a Chazanut eliturgia judaica, e onde despertou seu interesse pelos compositores clássicos da Áustria imperial: Schubert, Dvořák, Schumann e Mahler.
Em 1918, o rabino Perez Chajes (1876-1927) chegou a Viena. onde tornar-se-ia rabino chefe da segunda maior comunidade judaica da Europa. Brilhante estudioso havia sido rabino em Florença e Trieste. Menahem Mendel Diesendruck estudou na Escola Rabínica sob a orientação do rabino Perez Chajes e, paralelamente, estudou música no conservatório de Viena, onde, com sua voz de barítono lírico, foi agraciado com um prêmio em canto. Rabino Diesendruck foi aluno e secretário da escola de canto de Viena e, durante três anos, chazan na sinagoga Ahavat Israel, ministrando paralelamente cursos em hebraico e ocasionalmente fazendo sermões, especialmente para a juventude.
Como muitos judeus oriundos da Galícia, o rabino Menahem Diesendruck dominava várias línguas: iídiche, hebraico bíblico e moderno, polonês, alemão e, posteriormente, viria a dominar o francês, flamengo, inglês, espanhol e português. Na segunda metade dos anos de 1920, após casar-se com Helena Einhorn, de origem alemã, tornou-se rabino da pequena comunidade de Brasschaat, perto de Antuérpia, na Bélgica. Em Brasschaat, nasceu seu primeiro filho, Arnold (falecido em 2017). O casal Diesendruck teve mais dois filhos: Lilly, pintora e artista (vive atualmente em São Paulo), e Elhanan (atualmente vivendo em Israel), empresário.
No final de 1930, um grupo de “diamanteiros” queria se mudar para Portugal, para maior proximidade com as administrações das minas de Angola e Moçambique, sob domínio do Governo de Portugal. Eles propuseram ao rabino Diesendruck mudar-se com eles para Portugal. Dada a idade avançada do então rabino da comunidade sefardita de Lisboa, o rabino Abraham Castel, a Diretoria da Comunidade se interessou na iniciativa desse grupo e se integrou ao processo de contratação do rabino Diesendruck. Inicialmente tinha apenas a função de oficiante na Sinagoga Shaaré Tikva, da Comunidade Israelita de Lisboa, e com o decorrer do tempo, passou a ser o rabino da comunidade. Ele tinha uma preocupação e carinho especial pelos jovens da comunidade, e, com sucesso, criou um Departamento de Juventude, num clube social e cultural, mantido pela comunidade, denominado Hehaber.
Rabinato em Lisboa
O rabino Menahem Mendel Diesendruck foi uma figura de destaque, desempenhando um papel importante na comunidade judaica de Portugal, na primeira metade do século 20. A partir das décadas de 1920 e 1930, dois novos segmentos se integraram à veterana comunidade de origem predominantemente marroquina: descendentes dos Anussim, que haviam se submetido ao processo de conversão ao Judaísmo, e judeus ashkenazitas, emigrantes da Polônia e Romênia, de fala iídiche. Mais tarde, com o aumento exponencial das perseguições nazistas e a eclosão da 2a Guerra Mundial, milhares de refugiados judeus encontraram abrigo temporário em Portugal, tendo como objetivo final deixar a Europa para recomeçar a vida em outros continentes. “Nos 22 anos em que atuou em Lisboa (1930-1952), o rabino Diesendruck testemunhou a mudança social, cultural e demográfica daquela antiga e pequena comunidade judaica sefaradita”, explica Avraham Milgram, historiador do Yad Vashem, Museu do Holocausto de Israel.
O rabino Diesendruck rapidamente conquistou o respeito não apenas da comunidade judaica, mas também das autoridades, intelectuais e da sociedade portuguesa de modo geral. Como prova deste respeito, em 1931, logo após se estabelecer em Lisboa, foi-lhe concedida licença especial pelo governo português para pesquisar os arquivos da Torre do Tombo, relativos à história dos judeus em Portugal, em uma época na qual a consulta àqueles arquivos ainda não era permitida ao público em geral. Ele conseguiu este privilégio, fruto de seu vasto conhecimento da língua hebraica e bíblica, fundamentais para decifrar inscrições hebraicas antigas, literatura e documentos arquivados na Torre. Seus conhecimentos beneficiaram também estudiosos portugueses, tendo sido nomeado membro honorário da Academia das Ciências de Lisboa. Participou, ainda, da pesquisa bibliográfica sobre os livros hebraicos impressos em Portugal antes do século 16 (“Incunábulos”). Publicou uma série de estudos no campo da música judaica, entre os quais, “O Judaísmo e a Música” (1937) e “As Coplas Sefarditas” (1938).
Durante os anos que precederam a 2a Guerra Mundial e nos primeiros anos do conflito, o rabino esteve diretamente envolvido no auxílio aos judeus que, antevendo a tragédia do avanço nazista na Europa Oriental, procuravam refúgio em terras portuguesas.
Seu filho Elhanan lembra de seu pai organizando listas com nomes de pessoas em busca de refúgio. “Meu pai ajudou muitas pessoas que sequer conhecia, mas também recebia pedidos diretos de amigos que fizera quando estudara em Viena. Uma das cartas lhe foi enviada por Max Klein, um de seus professores no Conservatório de Viena, que lhe escreveu pedindo auxílio para sair da Áustria. Graças a seus contatos, conseguiu que o professor migrasse para os Estados Unidos. Posteriormente, em uma carta enviada de Nova York, este agradeceu a ajuda recebida”, conta Elhanan.
Durante a 2ª Guerra, o rabino ajudou organizações sionistas e judaicas, buscando refúgios para os judeus. Ainda durante a guerra, juntamente com sua esposa, enviava pacotes de mantimentos para as regiões conquistadas pelos alemães no Sul da França e no Leste europeu. Porém, não se sabe se os pacotes chegaram de fato aos destinatários finais.
No mesmo período, foi nomeado representante honorário da Agência Judaica, do Keren Hayesod e do Keren Kayemet LeIsrael para Portugal, Espanha e Marrocos (1940-1945) e presidente da Organização Sionista em Portugal (1940-1944). Nestes cargos participou ativamente dos esforços e ações desenvolvidas por essas entidades para auxiliar os refugiados judeus, que chegavam a Portugal e se instalavam em Lisboa e em outras cidades vizinhas, principalmente a partir da primavera e verão de 1940, diante da ameaça da conquista alemã dos países da Europa Ocidental. Nesse processo cooperou com as organizações HIAS-HICEM e Joint, que trabalharam na região.
Portugal não foi invadido pela Alemanha do Terceiro Reich, e acabou por se tornar um refúgio para os judeus. Como rabino da comunidade, Diesendruck costumava visitá-los e passava vários dias em cada um dos locais onde estavam, para conversar, solidarizar-se e dar palestras. Em julho de 1945, assumiu a direção da Agência Judaica enquanto mantinha suas inúmeras tarefas na comunidade.
Convite para o Brasil
A trajetória profissional do rabino Diesendruck levou a um convite para trabalhar na comunidade judaica de São Paulo, onde atuou como diretor do Colégio Beit Chinuch e do Ginásio Iavne. Em 1964, foi convidado a atuar como rabino da Congregação e Beneficência Sefardi Paulista Beit Yaacov, onde permaneceu até a sua morte, em 1974. Antes de se tornar rabino da Beit Yaacov ele proferiu um discurso: “Que tema escolheria, se eu tivesse só uma única prédica a fazer? Esta pergunta já me foi feita várias vezes, já dei diversas respostas, geralmente jocosas porque a questão me parecia pouco real. Mas esta noite o problema é sério e atual, pois só me resta uma única prédica a fazer, sobre então o que devo falar? […] E agora, esta noite, só posso repetir e sublinhar aquilo que considero a quintessência da minha missão rabínica, a única ambição da minha vida como rabino: Sejam judeus!”
No Brasil, devido à sua experiência no auxílio a refugiados, envolveu-se com as entidades que atendiam os judeus recém-chegados, principalmente dos países árabes forçados a deixar sua terra natal ao longo das décadas de 1950, 1960 e início de 1970.
À frente da Beit Yaacov, o rabino teve forte presença na comunidade judaica brasileira e no movimento sionista. Foi membro de vários conselhos, entre outros da Confederação Israelita do Brasil, da Organização Sionista do Brasil (foi vários anos vice-presidente da Histadrut), da Federação Israelita do Estado de São Paulo e do Movimento “Mizrachi”. Em reconhecimento aos serviços prestados e à sua atividade pública, em dezembro de 1963 recebeu o título de “Cidadão Paulistano”, outorgado pela Câmara Municipal de São Paulo.
Publicou diversos artigos sobre temas judaicos em periódicos nacionais e internacionais e ministrou palestras em diversos fóruns nas áreas de ética, filosofia e literatura judaica. Pouco antes de sua morte completou seu livro de sermões sobre as porções semanais da Torá, publicado em português em 1977, sob o título de “Sermões” (segunda edição: 2011). Deixou também vários escritos inéditos, que incluem sermões e estudos sobre diversos temas judaicos.
Segundo o professor Nachman Falbel, historiador e criador do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, o rabino Diesendruck, com o qual conviveu durante alguns anos, “foi um líder espiritual que possuía uma cultura ampla, baseada em sua formação e experiência na Europa, dono de uma visão humanista”.
O Rabino Diesendruck deixou sua marca na Beit Yaacov, destacando-se como rabino, educador, chazan e líder espiritual. Uma figura multidisciplinar e multicultural, conseguiu conciliar o Judaísmo com a cultura universal e transmitiu esta sua visão ao longo de toda a sua vida como rabino.
Ao marcar os 50 anos de sua morte, vale citar uma mensagem extraída de um de seus sermões: “Enquanto outros povos, nos tempos antigos e modernos, erigem monumentos para perpetuar os mais importantes acontecimentos da sua História, o Povo de Israel serve-se de leis e símbolos para recordar o seu passado”.
“Apesar de reconhecermos que estátuas e monumentos artísticos podem fazer frente às tormentas do tempo e deliciar os nossos olhos, devemos preferir a maneira como, na nossa religião, são comemorados os acontecimentos importantes da nossa História. Pois os monumentos, mesmo quando forem tão altos, como as pirâmides do Egito, ocupam um espaço restrito, enquanto as leis e os símbolos religiosos acompanham o Homem, onde quer que o destino o leve. Leis e costumes são confiados a cada membro individual do Povo de Israel, para que os observe e os guarde, e assim fortaleça a sua crença na coletividade. Isto nem o mármore nem o granito conseguem.” (Lisboa, Pessach de 5695/1935)