Eram 3 horas e 35 minutos do dia 18 de maio de 1965, quando foi enforcado em Damasco um jovem israelense chamado Eli Cohen, o mais notável dos agentes secretos que, até hoje, atuaram a serviço do país. Seu túmulo jamais foi encontrado. O dia 06 de dezembro de 2024 marcou o centenário do nascimento deste homem bravo e singular.

Nas últimas semanas, depois da queda de Assad, Israel tem feito contatos com as novas autoridades sírias para localizar e repatriar os restos de Cohen. De acordo com o jornal muçulmano Al-Akhbar, editado na França, há de fato um grande empenho neste sentido. Essas negociações também foram confirmadas numa reportagem do canal de televisão de Israel i24News, duas semanas depois de uma tropa insurgente assumir o poder em Damasco. Desde a execução de Eli Cohen, as autoridades sírias sempre mantiveram a localização de seu túmulo em segredo, rejeitando todas as tentativas de negociação por parte de Israel que, em certas ocasiões, chegou a propor troca de seu corpo por prisioneiros sentenciados, oriundos da Síria.

Após o enforcamento de Cohen, a suposição é que o local do enterro tenha sido mudado várias vezes e que ele tenha sido sepultado em diferentes pontos, ao longo dos anos, num esforço destinado a frustrar os esforços para localizar seu local de descanso final. Nádia Cohen, viúva de Eli, disse ter tomado conhecimento com ceticismo da publicação francesa e fez uma confissão pungente para a repórter da televisão de Israel que a entrevistou: “Começamos o 60º ano em que Eli está enterrado na Síria. Vivi minha vida sozinha e acho que também ficarei sozinha depois”.

Ao mesmo tempo, Israel está tentando estabelecer contatos com grupos que colaboraram com facções palestinas para encontrar o corpo de um dos três soldados que desapareceram durante uma batalha no vale do Bekaa, durante a invasão do Líbano, em 1982. Essa dupla abordagem israelense integra a política de Israel de fazer todos os esforços para repatriar seus cidadãos sejam eles civis, soldados ou agentes, vivos ou mortos.

O empenho para devolver liberdade a compatriotas é tão arraigado, em Israel, que chega a registrar números bizarros. Em outubro de 2011, um soldado israelense chamado Gilad Shalit, preso pelo Hamas havia cinco anos, foi trocado por 1.027 palestinos, a maioria composta por terroristas julgados e condenados. Centenas de familiares de suas vítimas protestaram contra a libertação. Era doloroso demais para aquelas pessoas verem os assassinos de seus entes queridos acenando sorridentes para as câmeras de televisão. Porém, o governo manteve sua decisão porque o resgate de cativos corresponde a um princípio milenar e basilar do Judaísmo.

Nos dias seguintes ao término da guerra do Yom Kipur, em 1973, fui testemunha da enorme ansiedade da população de Israel com relação à troca de prisioneiros de guerra com o Egito. O país inteiro só falava em pidion shvuim, libertação dos cativos, em hebraico. Trata-se de um capítulo essencial do Talmud, que considera esse resgate mais importante do que a fome ou até mesmo a morte, sendo a mitsvá (ação meritória) mais grandiosa que um judeu pode concretizar. A guerra havia terminado no dia 25 de outubro, mas o pidion shvuim só foi efetivado um mês depois.

Eli Cohen nasceu no bairro judeu de Alexandria, Egito, no dia 06 de dezembro de 1924, um dos oito filhos do casal Shaul e Sophia Cohen, originários de Alepo, Síria.  O pai importava tecidos de Paris, sem obter lucros expressivos. Sua casa era estritamente ortodoxa em matéria de religião, para a qual Eli se devotava com fervor. Com inteligência precoce, Eli ganhou uma bolsa de estudos para o Liceu Francês e se tornou fluente no hebraico. Em seu bar-mitsvá (cerimônia dos 13 anos), ganhou dos pais uma câmera Kodak e fez da fotografia uma obsessão, a par do interesse pelo Judaísmo, que o dirigiu para o Midrash Rambam, um centro de estudos talmúdicos. Na adolescência, desistiu de ser rabino.

Àquela altura, estava em atividade no Cairo um ramal da organização Aliá Beit, que tinha como tarefa levar judeus para a Palestina sob Mandato Britâncio. Ao terminar a 2ª Guerra Mundial, os líderes da Haganá (organização clandestina paramilitar judaica) decidiram incrementar sua ação no Egito, tentando obter informações sobre as movimentações britânicas no Cairo.

Foi Levi Avrahami o encarregado de expandir a rede de espionagem que integrou Cohen à equipe. Juntamente com a imigração ilegal, a intensa atividade do grupo recebeu o nome de “Operação Goshen”.

Em 1947, quando as Nações Unidas votaram pela partilha da Palestina, recrudesceu o antissemitismo no Egito. Centenas de judeus começaram a ser presos sem motivo e propriedades foram confiscadas. Em julho de 1949, vitorioso na Guerra da Independência, Israel assinou um armistício com o governo do Cairo. Humilhados, os egípcios desfecharam novas e violentas ofensivas contra os judeus. Em 1950, a família de Eli Cohen deixou Alexandria e tomou o rumo de Israel. Ele decidiu permanecer na cidade para dar prosseguimento às ações de proteção aos judeus ali remanescentes. Naquela ocasião, chegou ao Egito um novo agente israelense, chamado Avraham Dar. Sua tarefa consistia em incrementar a espionagem e uma das primeiras pessoas que recrutou foi o jovem  Eli Cohen. O agente mandou-o  para Israel, onde, ao lado de outros quatro rapazes, permaneceu  por três meses em treinamento  de inteligência básica e técnicas  de sabotagem. Ao fim do curso, voltou para o Egito. Aplicado, tornou-se um excelente operador  de rádio.

Em julho de 1952, o general Muhamad Naguib liderou um golpe de Estado que derrubou a monarquia do Rei Farouk e determinou novos ataques contra os judeus.

Em Alexandria, Eli continuou seu trabalho de espionagem, enviando valiosas mensagens para Tel Aviv.

A precária situação dos judeus egípcios atingiu um ponto crucial em 1956, por ocasião da Guerra de Suez. Dos 300 mil judeus que viviam no Cairo em 1948, restavam menos de 45 mil. Nos meses anteriores, Eli Cohen havia sido preso duas vezes, suspeito de espionagem, mas, com habilidade, soube resistir aos interrogatórios. Quando o prenderam pela terceira vez, decidiram expulsá-lo do Egito. Com 32 anos de idade, recém-chegado em Israel, desconhecia o paradeiro da família. Acabou conseguindo o endereço de um de seus irmãos, Maurice, até se reencontrar, seis anos depois, com os pais, na cidade de Bat Yam.

Fiel à religião, se surpreendeu com o comportamento secular da maioria dos israelenses. Num canto do apartamento da família montou um quarto escuro e voltou a se dedicar à fotografia. No fim de 1957, lhe ofereceram um emprego no Ministério da Defesa. Seu trabalho era no campo da contrainteligência, que consistia na leitura de jornais dos países árabes. Os tópicos que julgasse relevantes, traduzia para o hebraico. Pediu aos seus superiores algo mais ativo, se possível espionagem no exterior. O Mossad, porém, não aceitava voluntários para missões dessa natureza e seu pedido foi recusado. Para sobreviver, foi trabalhar como contador numa loja de departamentos. Em 1959, conheceu uma bela jovem de cabelos negros, Nádia, enfermeira do Hospital Hadassah. Em apenas duas semanas decidiram se casar.

No começo de 1960, Eli esbarrou na rua com Itzhak Zalman, que havia conhecido no Ministério da Defesa e que então era um dos agentes mais importantes do Mossad. Zalman lhe revelou que estavam a par de tudo o que ele havia feito no Egito, que o tinham em mira desde o primeiro dia da sua chegada a Israel e que, agora, o consideravam apto para servir como oficial de inteligência. Eli foi conduzido ao quartel-general do Mossad, onde um agente já graduado se encarregou de polir o recruta.

Foi nessa ocasião que meu amigo Zvi Malkin, o agente do Mossad que havia participado da captura de Adolf Eichmann, na Argentina, o conheceu. Malkin me disse que não chegou a fazer grande amizade pessoal com Cohen, mas na condição de veterano, acompanhou de maneira intermitente os passos do treinamento do novato. Assim como os demais iniciantes, Cohen assumiu o compromisso pétreo de jamais revelar a alguém, inclusive para a própria mulher, quais seriam suas atividades. O passo seguinte foi submetê-lo a uma sofisticada bateria de exames médicos. Aceito pelo Mossad, Eli Cohen começou um treinamento que se prolongou por seis meses, incluindo tudo o que seria capaz de acontecer na vida de um espião, com ênfase em técnicas de codificação e decodificação, além do uso da hoje obsoleta tinta invisível. Seu conhecimento de fotografia colaborou para que dominasse o manuseio de microfilmes.

Segundo o relato que me fez    Zvi Malkin, as precisas respostas de Cohen às exigências do treinamento impressionaram os dirigentes do Mossad. Ainda segundo Malkin, ele revelou rara capacidade para dominar a ansiedade, para a montagem e desmontagem de pequenos equipamentos de transmissão por rádio e telégrafo, além de ter alcançado números acima da média nos índices psicológicos. Um dos melhores desempenhos de Eli foi em uma prova clássica, enfrentada por todos os recrutas. Esta prova acontecia na praça central de Tel Aviv, em frente ao prédio da prefeitura. O instrutor apontava para uma sacada de um edifício residencial e o candidato tinha dez minutos para aparecer na apontada sacada, bebendo um copo com água ao lado de algum residente do apartamento.

Em setembro de 1960, Eli ganhou uma semana de licença para conhecer Sophie, sua filha recém-nascida. De volta à sede do Mossad, foi informado que iria para o norte do país, para conhecer a fronteira com a Síria. Soube, então, como os sírios disparavam, sem cessar, do alto das Colinas do Golã, atingindo a população civil que vivia nas margens do mar da Galileia. Seu instrutor lhe disse: “No futuro, haverá batalhas nesta região e os resultados vão depender em grande parte de você. Sua missão será na Síria”. Ao retornar do Golã, Eli se aprofundou em estudos sobre a Síria: história, economia, comportamento social, instituições do governo, geografia e topografia. Ouvia a rádio de Damasco dia e noite e tinha aulas com  um professor para aperfeiçoar seu domínio do árabe com sotaque sírio. Ao mesmo tempo, passou a estudar tudo sobre a Argentina, que seria a sua primeira escala.

No dia 1º. de março de 1961, o voo da Swissair vindo de Zurique taxiou no aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires. Um dos primeiros passageiros a deixar a primeira classe foi um jovem muito bem-vestido, com aparência de próspero executivo. No hotel da Avenida 9 de Julio, apresentou o passaporte. Nome: Kamil Amin Taabes. Profissão: comércio exterior. Nacionalidade: síria. De imediato fez contato com um agente israelense conhecido apenas como Avraham, que lhe forneceu papéis timbrados do que seria sua empresa, alugou para ele um apartamento no número 1405 da rua Taquara e apontou os restaurantes e cafés frequentados por seus supostos compatriotas sírios e onde estes costumavam se encontrar. Em pouco tempo, Taabes se introduziu nos grupos de imigrantes árabes e discorreu sobre a sua procedência. Seus pais, ambos sírios, haviam-se radicado em Beirute. Depois, a família partiu para Alexandria, onde passou a maior parte da infância. O pai lhe havia incutido um profundo amor por seu país de origem. Kamil revelou, ainda, que tinha imigrado com a família para Buenos Aires com 17 anos de idade, graças à ajuda de um tio rico. Na Argentina, após a morte dos pais, ele tinha viajado para a Europa onde abriu uma firma de importação e exportação. Agora, tinha decidido se radicar novamente em sua amada Buenos Aires.

Kamil se tornou uma figura popular entre os sírios e libaneses. Convidava-os para suntuosos jantares em seu apartamento e sempre falava sobre o enorme desejo de conhecer a Síria. No Clube do Islã, fez amizade com Abdullah Latif Alheshan, editor do principal jornal em língua árabe da Argentina, e com o major Amin Al-Hafez, adido militar da embaixada da Síria. Ambos ficaram impressionados com o ardor nacionalista de Kamil Taabes. Em maio de 1961, ele anunciou a seu vasto círculo de amizades que, finalmente, estava pronto para conhecer a Síria. Muitos prometeram, e cumpriram, que escreveriam para Damasco recomendando que ele tivesse a melhor das acolhidas. Em agosto, Kamil disse que iria para a Alemanha, ficaria um tempo na Europa e depois chegaria a Damasco.

Eli Cohen desembarcou em Munique, pegou um voo para Zurique, onde se encontrou com seu agente de contato e depois embarcou para Tel Aviv, onde mostrou aos superiores do Mossad os destinatários das cartas de recomendação que havia obtido em Buenos Aires. O espanto foi geral: Eli poderia ser acolhido pela elite social, política e militar da Síria. Enquanto em Israel, recebeu um pequeno e poderoso transmissor de rádio escondido no fundo falso de uma batedeira, o fio do barbeador elétrico serviria como antena, explosivos estavam acondicionados dentro de dentifrícios e tubos de creme para barba. Ele voltou a Munique e de lá seguiu para Gênova, onde Kamil Amin Taabes  embarcou na primeira classe do navio italiano Ausonia.

Chegando a Damasco, alugou um belo apartamento no quarto andar de um edifício localizado no elegante bairro de Abu-Ramanah, bem em frente do quartel-general do exército sírio. Em seguida, tratou de instalar sua firma de importação e exportação. Os fornecedores o tinham em alta estima pela pontualidade com que quitava os compromissos; e seu círculo de amizades se tornou cada vez maior. Nas mensagens e microfilmes que fazia chegar a Tel Aviv, informava sobre alguns bons amigos que tinha cativado dentre os funcionários civis e militares do governo sírio: o tenente Maazi El-Din, sobrinho do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Síria; George Seif, diretor de propaganda da rádio de Damasco; e o coronel Salim Hatoum, comandante dos paraquedistas. Em uma de suas mensagens, Eli escreveu: “Muitas luzes acesas no quartel-general, mas sem perspectiva de golpe de estado. Causa provável: investidas contra Israel. Intenso movimento de tropas nas ruas”.

Em julho de 1962, seis meses depois de sua chegada a Damasco, seguiu para uma breve temporada de férias em Israel, passando todo o tempo com Nádia e a pequena Sophie. Ao retornar a Damasco, voltou a promover magníficos jantares em seu apartamento. Foi através de um tenente sírio chamado Maazi, cuja amizade havia cultivado, que realizou uma de suas maiores proezas. Acompanhado pelo militar, fez uma longa excursão pelas Colinas do Golã, área estritamente proibida ao trânsito de civis. Viu os extensos bunkers ali construídos e as armas de artilharia de longo alcance fornecidas pela União Soviética. Os sírios tinham tanta confiança no jovem Kamil que até permitiram que ele fotografasse algumas daquelas instalações, inclusive os depósitos subterrâneos de munições.

Eli chegou a passar algumas noites na cidade de Kuneitra, o centro nervoso do comando sul do exército da Síria. Em junho de 1963, ganhou outra licença para ir a Tel Aviv. No mês seguinte, de novo em Damasco, participou da reunião do partido Baath que resultou no golpe que levou ao poder o general Al-Hafez, o adido militar com quem havia feito amizade na Argentina.

Em outra viagem a Israel, conheceu sua segunda filha, Irit, então com três meses de idade. Em agosto, soube em Damasco que seu nome estava sendo cogitado para um dos ministérios do novo governo, eventualmente o da Defesa. Em conversa com Al-Hafez declinou humildemente de qualquer convite e sugeriu ir a Buenos Aires com a finalidade de arrecadar fundos para o partido Baath. Partiu e voltou com US$ 9 mil, uma expressiva soma para a época, à qual adicionou um cheque por ele mesmo assinado no valor de US$ 1 mil, entregando tudo nas mãos do presidente. Novamente em curta temporada em Tel Aviv, pôde segurar nos braços seu terceiro filho, Shai.

Numa noite de janeiro de 1965, Eli Cohen estava em seu apartamento em Damasco, aguardando junto ao rádio uma resposta de Tel Aviv. De súbito, o lugar foi invadido por um grupo de militares que lhe apontaram armas. Era o fim da grande aventura.

Eli Cohen havia sido descoberto em virtude de repetidas queixas da embaixada da Índia aos serviços sírios de telecomunicações de que suas transmissões de rádio estavam sofrendo estranhas interferências. Os assessores russos sediados em Damasco logo concluíram que alguém estava fazendo contatos por rádio não autorizados, decerto oriundos de algum lugar próximo à embaixada indiana, mas como as transmissões eram rápidas, ficava difícil precisar sua origem. Naquela manhã sinistra tinha ocorrido uma falta de energia em Damasco, fato que Eli ignorava, e ele estava usando seu equipamento com baterias. Assim, como ele era o único a estar no ar, chegar a seu endereço foi questão de minutos. O governo sírio e os amigos de Kamil Amin Taabes ficaram pasmos. Para seus captores falou determinado: “Meu nome é  Eli Cohen, soldado do exército de Israel”.

Nas semanas seguintes, apesar de submetido a torturas, Eli nada revelou. No dia 24 de janeiro, foi obrigado a transmitir a seguinte mensagem: “Para o primeiro-ministro de Israel e para o chefe do serviço secreto. Kamil é nosso hóspede em Damasco. Vocês em breve saberão sobre o seu destino. Assinado: Serviço de Contraespionagem da Síria”.

Eli Cohen foi levado a julgamento, sem direito a advogado de defesa. No dia 8 de maio, foi proferida a sentença: morte por enforcamento. Pouco depois das duas horas do dia 18 de maio, Eli foi visitado em sua cela por Nissim Andabo, rabino-chefe de Damasco, ao lado de quem recitou orações. Permitiram que escrevesse uma carta para a família, mas não em hebraico, em árabe.

“Para minha querida mulher Nádia e para minha família. Peço-lhes que permaneçam unidos. Rogo a Nádia que me perdoe. Cuide bem de você e dos nossos filhos para que cresçam de forma correta. Fique sempre em bons termos com a minha família. Quero que você se case para que nossos filhos tenham um pai. Dou-lhe para isso plena liberdade. Não percam tempo chorando por mim, pensem sempre no futuro. Mando meus últimos beijos para você, Sophie, Irit e Shai, bem como para a toda nossa família. Não deixem de rezar em memória de meu pai e também por mim. Para todos vocês, meus últimos beijos e shalom. Eli Cohen, 18 de maio de 1965”.

Eli subiu as escadas do cadafalso, dispensando a escolta militar. Estava calmo e pálido. O carrasco ofereceu uma venda para os olhos, que recusou. O alçapão foi aberto às  3 horas e 35 minutos. Eli Cohen estava morto. Nádia Cohen nunca mais se casou.

Numa rara entrevista, aqui resumida, concedida a uma publicação israelense, ela revelou alguns aspectos de sua vida ao lado de Eli Cohen.

“Nasci no Iraque em uma família educada. Vivíamos em uma área muito bonita. Éramos oito filhos. Estivemos entre os primeiros judeus do Iraque que desejaram ir para Israel. Deixamos uma vida confortável e viemos para uma maabarah, um campo de absorção para novos imigrantes. Assim vivemos durante seis anos. Havia alegria em nossos corações porque era o nosso país, era o nosso povo.”

E prossegue: “Assim que melhor nos instalamos, conheci Eli porque ele morava em frente à nossa casa. Vi um jovem tímido e modesto. Senti que era uma pessoa excepcional. Foi amor à primeira vista, tivemos uma conexão imediata. Nós nos casamos em uma sinagoga. Eli trabalhava como contador, mas para ele, era um trabalho tedioso. Não era onde queria estar. Eu estava feliz, ele era meu apoio porque sendo onze anos mais velho, era um marido e também meio pai. Eu estava grávida da nossa primeira filha quando Eli me contou que havia sido demitido. Depois de um tempo, disse que tinha encontrado um emprego interessante, mas não me contou toda a verdade. Quatro meses depois de eu dar a luz à Sophie, ele disse, sem ser muito preciso, que estava envolvido na compra de peças de reposição para armas numa indústria que servia à segurança de Israel. Depois, disse que estava se preparando para uma missão muito mais séria para a segurança do país. Na época, eu ainda não imaginava que meu marido seria um espião profissional”.

Mais adiante: “Após longa ausência, quando voltou pela primeira vez estava diferente. Tinha engordado uns quatro quilos, deixou crescer um bigode tipo turco, indicando condição de rico e exibia um anel. Não era Eli, era uma pessoa muito diferente, mas estava feliz, demonstrava uma autoconfiança incomum. Depois que Eli entrou na Síria, mudou completamente. Claro, ele era um espião competente, levava seu trabalho muito a sério, mas não podia compartilhar comigo e me confiar o que de fato estava fazendo. Eu ficava preocupada com sua segurança. No Mossad, constataram que Eli era um gênio. Nos curtos períodos em que voltava para casa, queria absorver todo o amor dos filhos, queria dar todo o seu amor de pai. Quando Eli saiu de casa pela última vez, nosso filho tinha apenas três semanas. Ele não o viu engatinhar e começar a andar. Normalmente, a primeira palavra que as crianças dizem é aba (pai). Com meus filhos, a primeira palavra também foi aba, embora eles não tivessem jamais conhecido o pai”.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.