Um novo ramo de estudo conhecido como microarqueologia possibilitou um feito inédito: o desenvolvimento de uma cronologia absoluta de Jerusalém no período do Primeiro Templo, durante a Idade do Ferro, entre 770 e 420 a.E.C. As descobertas dessa disciplina recente corroboram acontecimentos descritos no Tanach1 e, assim, confirmam a veracidade de narrativas históricas e bíblicas. […]
Um novo ramo de estudo conhecido como microarqueologia possibilitou um feito inédito: o desenvolvimento de uma cronologia absoluta de Jerusalém no período do Primeiro Templo, durante a Idade do Ferro, entre 770 e 420 a.E.C. As descobertas dessa disciplina recente corroboram acontecimentos descritos no Tanach1 e, assim, confirmam a veracidade de narrativas históricas e bíblicas. Há uma distinção importante entre os dois tipos de cronologia (ou datação): a absoluta2 define épocas ou períodos específicos a que pertencem os vestígios arqueológicos, permitindo um posicionamento preciso no tempo. Já a relativa delineia apenas uma sequência de acontecimentos baseados em semelhanças com evidências arquitetônicas ou cerâmicas encontradas em outros locais, sem definir datas exatas.
É muito imprecisa a datação convencional por radiocarbono 14 de vestígios de um período da Idade do Ferro conhecido como “planalto de Hallstatt”. Por conseguinte, em vez dessa técnica, os arqueólogos baseavam-se mais em textos bíblicos e históricos, além do estudo de cerâmica. É importante ressaltar que, por motivos geopolíticos, há restrições para as escavações na Cidade Sagrada e na região central do antigo Reino de Judá. Ademais, como explica Elisabetta Boaretto, diretora da Unidade de Arqueologia Científica do Instituto Weizmann: “Jerusalém é uma cidade viva, não é como um sítio arqueológico. Foi reconstruída repetidas vezes, ao longo dos tempos, e os vestígios do passado estão espalhados”.
O projeto de datação foi liderado por pesquisadores do Instituto Weizmann de Ciências e da Universidade de Tel Aviv, com a participação de equipes do Departamento de Antiguidades de Israel. As descobertas foram publicadas recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), em um artigo intitulado “A cronologia de radiocarbono de Jerusalém da Idade do Ferro revela compensações de calibração e desenvolvimentos arquitetônicos”.
Para avaliar as descobertas do projeto, que se estendeu por 10 anos, é fundamental ter um conhecimento básico de acontecimentos narrados no Tanach, em particular a História do antigo Reino de Judá e de sua capital, Jerusalém. De acordo com o Tanach, constituiu-se no século 9 a.E.C. o “Reino Unido de Israel”, no qual as Doze Tribos viviam unidas sob um único monarca, o primeiro dos quais foi Saul. Foi seu sucessor, o Rei David, que, conforme relata o “Livro de Samuel”, fundou e nomeou Jerusalém, além de estabelecê-la como sua capital e lá reinar por 33 anos. De acordo com o “Livro dos Reis”, seu filho, Salomão, fez construir o Primeiro Templo Sagrado, um enorme projeto em que 150 mil homens trabalharam por sete anos. O majestoso edifício permaneceu de pé por mais de quatro séculos.
Por volta de 975 a.E.C., após o falecimento do Rei Salomão, o país dividiu-se em dois: o Reino de Israel (Malchut Israel), que compreendia as Dez Tribos posteriormente perdidas após a derrota para o Império Assírio, e o de Judá (Malchut Yehudá), que abrangia os territórios das Tribos de Yehudá e Binyamin.
O projeto da cronologia absoluta revelou que Jerusalém foi estabelecida no século 12 a.E.C., mas, até agora, para alguns estudiosos, a cidade só se tornou um centro administrativo importante no fim do século 8 a.E.C. Essa opinião baseava-se em vestígios arqueológicos segundo os quais a população local ainda era muito pequena, até essa época. As novas descobertas refutam essas suposições anteriores sobre o tamanho e o grau de urbanização de Jerusalém. Revelam, ao contrário, que, na época do Primeiro Templo, a cidade era mais desenvolvida e maior do que se pensava, indicando um crescimento e prosperidade contínuos até sua destruição, em 586 a.E.C. Identificaram-se ainda áreas de intensa atividade humana e militar sob o domínio dos reis de Judá.
Entre as descobertas mais importantes, estão as evidências do crescimento de Jerusalém, já no século 10 a.E.C., sob o Rei David. Ao contrário de suposições anteriores, a expansão urbana em direção ao Monte Tsion começou em 9 a.E.C., durante o governo de Yehoash em Judá, de 836 a 796 a.E.C.
Segundo o professor Joe Uziel, do Departamento de Antiguidades de Israel, a nova cronologia também esclareceu as origens das estruturas defensivas de Jerusalém.
A construção das muralhas, especificamente a fortificação da cidade, era atribuída ao Rei Chizkiahu, que governou de 562 a 533 a.E.C. O estudo contraria essa hipótese ao revelar que, como ensina o Tanach, as obras datam do período do Rei Uzziah, de 631 a 594 a.E.C. Segundo o Tanach, “Uzziah edificou torres em Jerusalém, à porta da esquina, à porta do vale e ao ângulo do muro, e as fortificou” (2 Crônicas 26:9). O monarca empreendeu o projeto após um grande terremoto na região.
Os pesquisadores também identificaram o grande incêndio de 586 a.E.C., resultante da ação militar do Império Neobabilônico que levou à destruição da cidade e do Primeiro Templo, acontecimentos descritos tanto no Tanach quanto nos registros da potência invasora.
Para desvendar a “cronologia absoluta” de Jerusalém durante o período em questão, os pesquisadores israelenses usaram técnicas de microarqueologia, um ramo de estudo que se concentra em vestígios microscópicos para entender melhor as interações humanas com o ambiente. Relativamente nova, essa disciplina investiga resquícios do passado invisíveis a olho nu, ao contrário da arqueologia convencional, que estuda aqueles de maiores dimensões. Foram analisadas sementes carbonizadas de uvas, caroços de tâmaras e até esqueletos de morcegos da era do Primeiro Templo. As amostras de achados orgânicos foram recolhidas em quatro áreas diferentes do Parque Nacional da Cidade de David, um importante sítio arqueológico em Jerusalém.
1 Os 24 livros que englobam a Torá, os Livros dos Profetas e as Escrituras Sagradas.
2 Alguns cientistas preferem o termo “datação cronométrica”, pois consideram que o uso da palavra “absoluta” pode implicar uma certeza de precisão que nem sempre é justificada.