Embora tenha encontrado sua expressão mais devastadora no Holocausto, o antissemitismo não se iniciou nem tampouco lá terminou. O preconceito contra os judeus existe desde a antiguidade. Como um vírus maligno e mutante, ao longo dos séculos mudou sua forma de atuação e roupagem, mas não desapareceu, e continua a proliferar pelo mundo. Combater esse mal tem sido um dos grandes desafios de todos os tempos.
Atualmente o antijudaísmo se manifesta de várias formas, entre outras através do antissionismo, do ressurgimento da negação e distorção do Holocausto e do fortalecimento de grupos neonazistas. O crescimento das mídias sociais e a fragmentação da mídia tradicional têm contribuído para esta situação. Na Europa, nos Estados Unidos e em outros lugares as ideias de supremacistas brancos estão ganhando força, e extremistas e radicais usam as mídias sociais para disseminar propaganda e semear mentiras, medo e ódio. Neonazistas organizam e recrutam além de suas fronteiras, exibindo símbolos nazistas e suas ambições assassinas. Nos países islâmicos, o antissemitismo assumiu a forma de antissionismo e tornou-se uma bandeira nacionalista. E é essencial destacar que o ódio a Israel é uma das principais facetas do moderno antissemitismo.
O próprio termo “antissemitismo” que atualmente usamos com referência ao antijudaísmo, ao ódio aos judeus, é um termo traiçoeiro, pois dá a entender que é um sentimento contra todos os semitas, os diferentes povos que teriam surgido na Arábia 3.500 anos antes da Era Comum. No entanto, o termo somente é utilizado para descrever o antijudaísmo, tendo sido cunhado no final do século 19 por um antissemita declarado, Wilmer Marr, fundador da famosa Liga Antissemita. A palavra “antissemitismo”, com suas conotações raciais embutidas, prontamente se tornou de uso corrente e todos os postulados “científicos” do termo foram avidamente aceitos por determinados segmentos da ideologia nacionalista patriótica.
O atual crescimento do antissemitismo deve ser visto como uma das facetas de um ataque global à verdade. Tornam-se corriqueiros ataques que reduzem o papel da ciência, ignoram fatos comprovados empiricamente e se baseiam em absurdas teorias conspiratórias. Quando a verdade é apenas uma “versão” entre muitas, a mentira se normaliza e a História pode ser distorcida e reescrita, tornando mais fácil para determinados grupos explorar diferenças e atribuir culpas a bodes expiatórios.
Antijudaísmo religioso
O ódio aos judeus é milenar; tal qual um vírus, se adapta e se transforma ao longo dos séculos. Ainda que frequentemente vinculada ao Cristianismo, a discriminação aos judeus já existia na Grécia antiga e no período romano, anterior ao nascimento e pregação de Jesus. Porém, somente após a legalização do Cristianismo através do Edito de Constantino, em 313, e sua declaração como religião oficial do Império Romano em 380, o antissemitismo, nesse período de cunho religioso, iria assumir proporções maiores.
O Cristianismo construiu o ódio aos judeus sobre uma base contraditória, que, no entanto, prevaleceria por quase dois milênios. Por um lado, o judeu devia ser punido por negar que Jesus era o Messias, mas, por outro, devia ser preservado para, no futuro, testemunhar a Segunda Vinda, pois, de acordo com a tradição cristã, Jesus prometera aos seus discípulos regressar numa era futura.
Ao longo dos séculos, após o progressivo fortalecimento do poder da Igreja, os judeus foram sendo cada vez mais discriminados e segregados, e suas liberdades e atividades econômicas cerceadas através de leis religiosas e civis. À campanha sistemática da Igreja para denegrir o Judaísmo, bem como seus seguidores, vão ser agregadas acusações como de profanação da hóstia, assassinato ritual e envenenamento dos poços d’água.
Essa vertente religiosa do antissemitismo, que permeou a sociedade ocidental por quase dois milênios, resultou em segregações, massacres, torturas, pogroms e expulsões, e acabou gerando espaços geográficos “livres” de judeus, como na Inglaterra (1290) e na Espanha (1492), onde foram promulgados decretos de expulsão de toda a população judaica do país.
Antissemitismo e emancipação
Em 1789 a Revolução Francesa sacudia a Europa com os seus ideais de liberdade e igualdade. A emancipação dos judeus franceses percorre todo o continente europeu como um raio de esperança. As conquistas napoleônicas levaram até a Europa Central os ideais franceses de igualdade e liberdade, sendo instaurada, nas áreas conquistadas pelos exércitos franceses, a igualdade civil para todos os habitantes, inclusive os judeus.
Mas, enquanto na Europa Ocidental a emancipação judaica era baseada no princípio da igualdade civil para todos os homens, na Europa Central era entendida como “uma troca”. Para serem emancipados os judeus teriam que provar serem “merecedores” de tal ação através da total assimilação, ou melhor ainda, da conversão ao Cristianismo. Em 1812, os judeus da Prússia haviam sido emancipados, mas era uma “concessão” parcial, pois ainda recaía sobre eles a suspeita de deslealdade, não importando o fato de terem participado da campanha militar contra os franceses.
Após a derrota de Napoleão, em 1815, e a criação da Confederação Germânica sob hegemonia austríaca, a situação civil dos judeus passou a variar de estado a estado. Alguns revogaram os editais da emancipação judaica, ao passo que outros, apesar de os manterem oficialmente, na prática os ignoravam. A situação da população judaica nos estados germânicos iria piorar em decorrência do crescimento de um movimento conservador, nacionalista, romântico e cristão que idealizava a superioridade da nação alemã e do destino germânico.
Os judeus continuavam a ser vistos como “estrangeiros obscurantistas, que não compartilhavam das tradições germânicas e cristãs”. Assim, apesar da assimilação já estar ocorrendo em grande escala, os judeus alemães ainda vivenciavam uma intensificação do antissemitismo, endossado tanto pelo romantismo teórico – que pregava que o pertencimento à nação germânica era determinado pelo “compartilhamento do sangue e do solo” – como pelo racionalismo intelectual.
As circunstâncias econômicas e sociais da época também conspiraram para potencializar ainda mais a rejeição aos judeus. Proibidos de atuar em vários setores da vida econômica, estavam perfeitamente posicionados para se beneficiar do crescimento da economia em áreas como comércio, finanças, indústria leve e transportes. Muitos se tornaram extremamente bem-sucedidos. A sociedade em geral passou a identificá-los com o liberalismo e a economia capitalista. Quando, no final do século 19, crescem os movimentos contra o liberalismo e a modernidade, os judeus tornam-se o bode expiatório ideal.
Na Europa Oriental, então dominada pela Rússia Imperial, o ódio aos judeus era milenar, virulento e endêmico. A discriminação e violência contra eles eram uma constante, pois tanto os Czares como a Igreja russo-ortodoxa as tinham incorporado em seu âmago. No século 19 vão engrossar o caldo antissemita clássico os conflitos no âmbito econômico. À medida que o Império Russo entra num período de certa industrialização e modernização econômica, os empresários judeus passam a se destacar no comércio, no sistema bancário, na construção de ferrovias. Mas a modernização se choca com o protecionismo de uma sociedade agrária arcaica, dominada por uma nobreza feudal, e a vida da população judaica volta piorar quando o Czar Alexandre II dá uma guinada reacionária. Este último adota as ideias do nacionalismo eslavo – uma nova corrente de pensamento reacionário que pregava uma volta aos valores russos e desprezava qualquer ideia liberal. Foi ainda nesse período, em 1895, que os agentes da Okhrana, a polícia secreta do czar, criaram um famigerado panfleto: Os Protocolos dos Sábios de Sião, sobre uma suposta conspiração judaica para dominar o mundo. Uma mentira cujas terríveis repercussões chegaram aos nossos dias.
No final do século 19 e início do século 20, a Rússia czarista é palco de pogroms sanguinários. Por conta do intenso sofrimento que lhes é imputado, cerca de 2,5 milhões de judeus abandonam a Rússia entre 1881 e 1914. Os que lá permanecem, desiludidos em sua maioria, são identificados como capitalistas ou se engajam nos movimentos de esquerda.
Em 1917 a Revolução Bolchevista pôs fim ao regime czarista. O fato de haver inúmeros judeus entre as lideranças revolucionárias bolcheviques vai repercutir negativamente no futuro, criando novos elementos para alimentar o vírus do antissemitismo. E, após a Revolução de 1917, os Protocolos dos Sábios de Sion adquirem vida própria. Quando a elite russa foge para outros países da Europa, leva consigo o panfleto, apresentado como “prova” de que a Revolução Bolchevique era parte de uma suposta conspiração judaica mundial. A partir desse período, os judeus passam a ser acusados, absurdamente, de serem capitalistas e comunistas.
Antissemitismo racial
Nos séculos 19 e 20 o antissemitismo assumiu uma nova modalidade – a racial. O problema judaico deixara de ser da alçada da religião cristã, não adiantando mais buscar refúgio no batismo uma vez que a “natureza racial, inata” de um judeu não podia ser mudada. O que os arianos não podiam permitir era que a “mácula” do “sangue judaico” contaminasse a “pureza do sangue germânico”. A disseminação dessas ideias, que incluíam o apoio à eugenia, alimentaram o antissemitismo e pavimentaram o caminho em direção ao Holocausto.
A 1a Guerra Mundial eclodiu em agosto de 1914 na Europa. Além da Alemanha, o conflito envolveu a França, Inglaterra, o Império Austro-Húngaro, Sérvia, Itália, o Império Russo e Otomano e os Estados Unidos. Havia judeus lutando em todos os exércitos. O início dessa guerra levou a uma breve integração dos judeus nos países centro-europeus, que viviam uma onda de solidariedade nacional e uma “pasteurização” das identidades. Na Alemanha era grande o apoio público à guerra e todos, judeus e não-judeus, engajados no esforço militar das Potências Centrais– coligação formada entre a Alemanha e a Áustria-Hungria – eram vistos sob a ótica do nacionalismo. Mas, à medida que foi-se arrastando o conflito – que os alemães haviam previsto vencer em alguns meses – eles começaram a procurar “culpados”. Surgiram rumores de que a culpa era dos judeus. A frustração com a derrota causa amplas tensões na Alemanha e Áustria, criando, assim, um terreno ainda mais fértil para a busca de culpados.
A derrota das Potências Centrais, aliada à presença de judeus entre as principais lideranças revolucionárias bolcheviques que derrubaram o Czar, alimentaria o mito da existência de uma “conspiração judaico-bolchevique”. A destacada atuação de políticos judeus nos governos da República de Weimar e da Áustria iria reforçar ainda mais as acusações de serem os responsáveis pela “covarde rendição” frente à França e Inglaterra e às condições impostas pelo Tratado de Versalhes.
O caldo antissemita nesse período foi ainda mais alimentado pela crise econômica que se seguiria à 1a Guerra Mundial, bem como pela humilhação imposta aos perdedores e pelas tensões oriundas da criação de uma infinidade de novos estados fundamentados na identidade nacional de cada povo. A ascensão do partido nazista, na Alemanha, e a eleição de Hitler, em 1933, deram início a uma nova etapa na história do antissemitismo e de nosso povo. Ao ser adotado pelo Nazismo, o antissemitismo racial gerou a maior catástrofe que já se abatera sobre os judeus da Europa. Os nazistas adotaram a deplorável “teoria” de que “ser judeu” era uma característica racial, sendo assim, a solução para resolver a “questão judaica” deixava de ser o clássico binômio “conversão ou expulsão”. Mesmo convertido ao Cristianismo, um judeu não mudaria suas características raciais. Portanto, a “questão judaica” só poderia ser resolvida de uma forma mais drástica – mediante uma “Solução Final”.
As lições incorporadas em dois mil anos de perseguições, expropriações e os incontáveis massacres não seriam capazes de preparar os judeus para o que estava por vir. De forma progressiva, através de medidas legais e com a conivência e apoio da maioria da população alemã, os judeus foram sendo segregados, destituídos de cidadania, obrigados a emigrar e, finalmente, marcados para o extermínio.
A mesma política antissemita foi implantada nos demais países da Europa ocupados pelos exércitos de Hitler. As medidas mais mortais foram implantadas nos países da Europa Oriental, onde vivia a maior parte da população judaica do mundo, à época. Mais de seis milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas e seus comparsas durante a 2a Guerra Mundial. O Holocausto, termo adotado para definir o extermínio dos judeus europeus, foi o ápice de um processo, mas infelizmente não o seu final.
Antissemitismo pós-Segunda Guerra
Nos anos que se seguiram ao final da 2a Guerra, o mundo se viu obrigado a reconhecer a enormidade do crime cometido contra nosso povo, bem como contra outros grupos discriminados pelos nazistas, como o povo Romani1 e os homossexuais. Foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e criada a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. E, em 1947, as Nações Unidas votaram a Partilha da Palestina, então sob Mandato Britânico, criando um Estado Judeu, Israel.
No início da década de 1960, a Igreja Católica deu os primeiros passos em direção a nosso povo. Em 1959, um documento de iniciativa do Papa João XXIII eliminou a referência a “pérfidos judeus” na liturgia da Sexta-feira Santa, dando início a um processo para revisar os ensinamentos católicos sobre o Judaísmo e os judeus. O Concílio Vaticano II, com sua encíclica “Nostra Aetate”, mudou a relação da Igreja com os judeus depois de séculos de antijudaísmo e acusações de sermos o povo responsável pela morte de Jesus.
Mas, após a pausa provocada pelo impacto do Holocausto, que exterminou os judeus europeus, ressurgiram as antigas acusações contra nosso povo. Muitas delas são baseadas nas fabricações encontradas nos Protocolos dos Sábios de Sião: o judeu como elemento egoísta, avarento, manipulador, a personificação do mal.
Agora, quase 80 anos após o final da 2ª Guerra Mundial, podemos identificar uma clara mudança na forma como se expressa o antissemitismo, que deixou de ser baseado na etnicidade e nas teorias científicas raciais que pregavam a melhoria da raça humana.
Na União Soviética, após um breve flerte com o recém-criado Estado Judeu, o antissionismo se estabeleceria como a nova face do antissemitismo. Nos Estados Unidos, os judeus passaram a ser identificados com o liberalismo e o radicalismo políticos, alinhados com a esquerda. Na década de 1960, houve um forte engajamento de judeus liberais na luta contra a discriminação dos afro-americanos, que, infelizmente, foi apagado da memória dos afro-americanos.
Pois, apesar dessa luta e dos esforços promovidos por Martin Luther King, parte da liderança negra identifica os judeus como membros da elite branca. E, no contexto do conflito no Oriente Médio, a liderança negra assumiu uma posição contra os supostos “opressores colonialistas brancos”, esquecendo-se de que em Israel vivem judeus negros, e declaradamente a favor dos árabes e palestinos.
As limitações morais impostas pelo Holocausto às manifestações de antissemitismo geraram um novo instrumento utilizado por todo antissemita que se preze: a negação do Holocausto. A ideia de que o antissemitismo, quando não combatido, pode provocar um genocídio como o Holocausto ficou tão enraizada na sociedade ocidental que, apenas através da negação desse extermínio, ou de suas terríveis proporções, os antissemitas contemporâneos são capazes de fazer qualquer acusação contra os judeus. Mas o sistema judicial de muitos países tem estado alerta e em vários, inclusive no Brasil, a negação do Holocausto tem sido condenada nos tribunais.
Na Ásia surgiu uma forma curiosa de antissemitismo, caracterizada pela ausência de judeus e, portanto, baseada na sua imagem. Reflete a crença no suposto poderio judaico, seu domínio das finanças e da mídia, mas também demonstra uma admiração pela forma como um grupo, numericamente tão reduzido, foi capaz de alcançar resultados tão significativos.
Nos países islâmicos sempre houve um antijudaísmo. Os judeus, assim como outros não muçulmanos, eram considerados pelo Islã cidadãos de 2ª classe, e sua vida ficava à mercê dos governantes. Apesar de viveram melhor de que seus irmãos na Europa, os judeus nos países islâmicos também vivenciaram períodos de tolerância, seguidos de outros de humilhações, perseguições e destruição.
No século 19 o antissemitismo cristão alastrou-se pelo Oriente Médio e, com o fortalecimento do nacionalismo árabe, a vida dos judeus nos países muçulmanos piorou sensivelmente. Os países árabes não se envolveram no massacre europeu, mas houve casos de atrocidades com ranço nazista perpetradas contra comunidades judaicas, como o pogrom no Iraque, em 1941.
Após a aprovação da Partilha da Palestina em 1947, a situação das comunidades judaicas nos países árabes tornou-se insustentável e, nos anos seguintes, cerca de 900 mil judeus tiveram que abandonar os países onde viviam. Comunidades que existiam por mais de dois milênios simplesmente desapareceram.
Nos países árabes o antissemitismo assumiu a roupagem do confronto contra Israel, transformando-se em antissionismo. E lá o fenômeno tem que ser denominado de antijudaísmo, porque em teoria o termo antissemitismo deveria incluí-los – apesar do fato desse termo só ser usado em relação aos judeus. Com o surgimento do Estado de Israel, em 1948, a expressão de rejeição aos judeus foi transferida das sociedades das quais faziam parte, como minorias, para a condenação das ações do Estado Judeu, Israel, ou a negação de seu direito à existência. Os inimigos agora são Israel – e os sionistas, seus defensores.
O Neo-antissemitismo
Ataques ao conceito do Sionismo como movimento de autodeterminação do Povo Judeu e sua definição como uma suposta “guerra de extermínio” contra os árabes são meramente um reforço do conceito tradicional de antissemitismo, expresso através de uma nova ótica. Esta postura anti-israelense poderia ser denominada de “neo-antissemitismo”, para diferenciá-la do antissemitismo tradicional, milenar, religioso e racial.
Esta modalidade caracteriza-se pela demonização, deslegitimação e difamação de Israel como Lar Nacional do Povo Judeu. Acusações absurdas de genocídio contra o povo palestino (uma das populações que mais crescem no Oriente Médio) e ofensivas equiparações com as ações dos nazistas compõem alguns dos mais sórdidos instrumentos desta política deste novo antissemitismo.
Essa nova versão de ódio contra os judeus identifica Israel e a disputa com os palestinos como a origem de todos os males no Oriente Médio, e ignora a miríade de conflitos que assolam a região desde antes da criação dos estados nacionais, após a 1a Guerra Mundial.
Uma das mais sérias facetas do neo-antissemitismo é a negação ao direito de existência do Estado Judeu, Israel, único entre as quase 200 nações do mundo, e a utilização de critérios desproporcionais na crítica contra este país. Prova da existência dessa nova modalidade são as infindáveis condenações de que Israel é alvo na ONU e em outros organismos internacionais. E, mesmo após o desaparecimento da União Soviética e do bloco de esquerda, essas contínuas condenações representam um sintoma da resiliência do antissemitismo nesses organismos.
Outra faceta do antissemitismo contemporâneo está representada pelo ressentimento de certas camadas da sociedade contra o “bom desempenho profissional” dos judeus e suas inúmeras contribuições em diferentes áreas.
No Brasil
A preocupante multiplicação de eventos antissemitas em nosso entorno nos leva a abordar mais uma vez um tema pouco discutido, mas sempre presente, de forma subliminar, na sociedade brasileira.
Vivemos em uma sociedade que foi fundada e subsistiu muito tempo sob o mito do caldeirão racial, da democracia racial, do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. E, assim como o racismo tem sido negado ao longo dos séculos, também o antissemitismo se manteve como um “tabu”, até que estudos mais recentes demonstraram a realidade da política migratória do governo Vargas e as mudanças na política externa brasileira destacaram a ligação entre o antissemitismo contemporâneo e o antissionismo.
A pandemia levou ao aumento do antissemitismo no Brasil, mostrando que temos que permanecer vigilantes contra essa forma persistente e insidiosa de discriminação.
Um importante texto que está sendo agora publicado no Brasil, A Face Mutável do Antissemitismo, de autoria de Walter Laqueur, nos deixa uma importante mensagem:
“Por mais que tentem disfarçá-lo ou justificá-lo, o antissemitismo é algo que tem que ser reconhecido e combatido, pois os judeus servirão sempre de ‘canário na mina de carvão’, o sinal de alerta. Nos países onde forem discriminados e perseguidos serão, invariavelmente, as vítimas precursoras de uma ação mais ampla contra minorias vulneráveis e desprotegidas”.
1 O endônimo “rom” foi adotado pela União Romani Internacional e pelas Nações Unidas após o ano de 1971. O primeiro Congresso Mundial Romani, em 1971, rejeitou todos os exônimos do povo Romani, incluindo “ciganos”, por suas conotações negativas e estereotipadas.
Samuel Felberg é Diretor Acadêmico do StandWithUs Brasil, Doutor em Ciência Política pela USP, Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv