Adversários de Israel encontraram em estruturas da ONU espaço propício para implementar a sua estratégia, em ações reforçadas sobretudo depois da Guerra do Yom Kipur, em 1973, e que ganharam ainda mais intensidade nos últimos meses. Por exemplo, a 9 de novembro de 2023, a Assembleia Geral da ONU, que reúne os 193 integrantes, aprovou, […]

Adversários de Israel encontraram em estruturas da ONU espaço propício para implementar a sua estratégia, em ações reforçadas sobretudo depois da Guerra do Yom Kipur, em 1973, e que ganharam ainda mais intensidade nos últimos meses.

Por exemplo, a 9 de novembro de 2023, a Assembleia Geral da ONU, que reúne os 193 integrantes, aprovou, por meio de dois comitês, oito resoluções a condenar e a criticar Israel, sem nenhuma menção a outras questões do cenário internacional. “A ofensiva da ONU contra Israel com uma torrente de resoluções enviesadas, apenas um mês após o maior massacre de judeus desde o Holocausto, e no 85º aniversário da Kristallnacht (Noite dos Cristais) é surreal”, declarou Hillel Neuer, diretor-executivo da UN Watch. “O único objetivo dessas condenações desequilibradas é demonizar o Estado Judeu. O mundo não deveria ser enganado de que tais resoluções avancem a causa da paz ou dos direitos humanos de nenhuma maneira”.

Neuer, um advogado canadense, comanda uma organização não-governamental baseada em Genebra e criada em 1993, com o objetivo de monitorar e promover a imparcialidade da ONU em temas globais, como direitos humanos e democracia e, em particular, no conflito israelo-palestino.

Nas declarações de novembro de 2023, sobre as ações realizadas sob guarda-chuva da ONU, prosseguiu Neuer: “A ofensiva desproporcional contra o Estado Judeu mina a credibilidade institucional do que seja, supostamente, um organismo internacional imparcial. Politização e seletividade ferem sua missão original, erodem a promessa da carta da ONU de tratamento equânime a todas as nações, grandes ou pequenas”.

A UN Watch também faz denúncias contra a UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos. Em 29 de janeiro de 2024, o jornal norte-americano The Wall Street Journal publicou reportagem sobre relatórios de inteligência indicando conexões de, ao menos, 12 funcionários da UNRWA com os ataques terroristas de 7 de outubro.

No campo das iniciativas políticas, já em 2017, a representante dos EUA no Conselho de Direitos Humanos, a diplomata Erin Barclay, criticava o foco desproporcional da instituição em Israel. “Lamentavelmente, muitas ações deste conselho não apoiam os princípios universais. Na verdade, elas os contradizem”, declarou, segundo o jornal The Times of Israel. “Nenhuma outra nação é o foco de um item inteiro da agenda... A obsessão com Israel é a maior ameaça à credibilidade do Conselho”, prosseguiu ela. “Os Estados Unidos vão se opor a qualquer esforço para deslegitimar ou isolar Israel”.

A UN Watch mostrou também que, em 2022, a Assembleia Geral aprovou mais resoluções contra Israel do que a soma de críticas aprovadas a outros países. Foram 15 votações anti-israelenses, contra 13 voltadas a outros países das quais seis contra a Rússia, e uma contra Coreia do Norte, Afeganistão, Mianmar, Síria, Irã e Estados Unidos.

As ações diplomáticas de Israel se demonstram incapazes de evitar a avalanche de iniciativas distribuídas por inúmeras organizações de natureza política ou jurídica, que formam um labirinto burocrático sob o guarda-chuva da ONU. Ações podem vir, por exemplo, da Assembleia Geral, da Corte Internacional de Justiça, em Haia, do Conselho de Direitos Humanos, entre outras estruturas.

A Assembleia Geral protagonizou, em novembro de 1975, um dos momentos mais lamentáveis da transformação de estruturas das Nações Unidas em palco para investidas contra Israel. Por 72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções, aprovou a infame resolução 3379, que definia Sionismo como “uma forma de racismo”. O texto ainda mencionou uma declaração política adotada pela Conferência de Ministros das Relações Exteriores dos Países Não-alinhados, realizado em agosto daquele ano e que definiu o movimento nacionalista do Povo Judeu como “ameaça à paz mundial” e “uma ideologia racista e imperialista”. Em 1991, em meio ao derretimento da Guerra Fria e da URSS, a resolução foi revogada em votação na Assembleia Geral.

Na década de 1970, prevalecia ainda a lógica maniqueísta da Guerra Fria, e o movimento dos países não-alinhados, apesar do nome, se inclinava a fazer o jogo do chamado “terceiro-mundismo” e da União Soviética, no cenário de disputa entre Washington e Moscou. E, no final dos anos 1960, o Kremlin, após a derrota de seus aliados Egito e Síria na Guerra dos Seis Dias, rompeu laços diplomáticos com Israel e passou a patrocinar uma estratégia de deslegitimação do Estado Judeu, cuja criação havia apoiado intensamente em 1948.

“A solução da questão da Palestina baseada na partilha da Palestina em dois Estados separados será de significado histórico profundo, porque tal decisão vai ao encontro das legítimas demandas do Povo Judeu”, discurso, segundo site Jewish Virtual Library, do chanceler soviético Andrei Gromiko na ONU em 1947, na defesa da resolução 181. O texto, aprovado por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções, definiu a criação de dois países, cenário rejeitado pelas nações árabes, o que culminou com o ataque militar a Israel logo após sua independência, a 14 de maio de 1948.

A União Soviética, movida pelo interesse de contar com um eventual aliado no Sionismo, à época liderado por socialistas, protagonizou importante papel na criação do Estado de Israel, trabalhando então, no reconhecimento do Estado Judeu, na mesma direção do arquirrival Estados Unidos. Anos depois, cálculos geopolíticos e diferenças ideológicas levaram ao afastamento entre Israel e a URSS, numa fratura que se consumou com a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

A partir de então, o Kremlin colocou a questão israelo-palestina como prioritária em sua agenda global, de olho no enfraquecimento da posição dos EUA no estratégico Oriente Médio. O discurso do “terceiro-mundismo e anti-imperialismo” emanado de Moscou era então dirigido intensamente contra Israel e virou uma espécie de bússola para a esquerda global.

Depois do triunfo israelense na Guerra do Yom Kipur, em 1973, os inimigos do Estado Judeu passaram a intensificar investidas também por um outro caminho, além da esfera militar: o da demonização e da deslegitimação de Israel perante a opinião pública internacional, em busca de isolá-lo e desgastá-lo política e diplomaticamente.

Nesse contexto e nessa estratégia, espaços da ONU se encaixaram como uma valiosa caixa de ressonância. Na fundação, em 1945, havia 51 integrantes e, hoje, 193, com expressivo aumento de países integrantes do bloco chamado de “terceiro-mundistas” em décadas passadas, e parte significativa deles alinhados a discursos, em pleno século 21, ainda contaminados por retóricas e visões disseminadas pelo Kremlin nos idos da Guerra Fria.

A ONU carrega um papel histórico pela aprovação da resolução 181, em 1947, e a tentativa de construção de um cenário de dois Estados, vivendo lado a lado, em segurança e em harmonia. Décadas depois, infelizmente, estruturas da organização são, com frequência, usadas para minar e impedir um cenário que ela mesmo aprovou.

Jaime Spitzcovsky colaborador da Folha de S.Paulo, foi correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.