Os primeiros judeus chegaram, no início do século 8 a.E.C. – antes da Era Comum – ao planalto iraniano, região já habitada por tribos indo-europeias arianas (medos, ao norte; persas, ao sul, e partos a leste). Foram levados para “cidades da Média”1 (II Reis 17:6) pelos exércitos dos assírios, que, após derrotarem o Reino de Israel, espalharam a população das Dez Tribos pelos quatro cantos de seus domínios.
Uma segunda leva de judeus, originária do Reino de Judá, estabeleceu-se na Média e na Pérsia no fim do século 6 a.E.C.. Em 586 a.E.C., as tropas de Nabucodonosor II invadiram Jerusalém, destruíram o Primeiro Templo e levaram muitos judeus cativos para a Babilônia. No entanto, parte deles se assentaram em outras regiões, incluindo terras iranianas.
Coube a Ciro, o Grande, soberano de um pequeno reino no sudoeste do atual Irã, derrubar o Império Neobabilônico, em 539 a.E.C.. Por meio do chamado “Édito de Ciro” (538 a.E.C.), mencionado no Livro de Esdras, o monarca permitiu a volta dos judeus à Terra de Israel. No entanto, alguns permaneceram na Babilônia, enquanto outros, entre os quais o profeta Daniel, acompanharam Ciro e sua corte até Susa, na Pérsia.
Durante o reinado de Dario I, o Grande, o Império Persa atingiu esplendor e opulência sem precedentes. Nesse período, a população judaica local teve grande desenvolvimento, prosperando e alcançando considerável influência política.
O soberano foi sucedido por seu filho Xerxes – a quem a Meguilat Esther se refere como o Rei Achashverosh –, que governou entre 486 e 465 a.E.C.. Havia então comunidades judaicas “em todas as províncias do rei...” (Esther 3:8). A maioria, no entanto, vivia em Susa, Shiraz, Hamadan e Isfahan. De acordo com o historiador judeu-iraniano Habib Levy2, a saga da rainha Esther, relatada na Meguilá, é um episódio histórico narrado em estilo bíblico.
O Segundo e o Terceiro Império Persa
Em seu apogeu, o Império Parta, segundo Império Persa (entre 247 a.E.C. e 224 Era Comum - E.C.), estendia-se das margens setentrionais do Eufrates até o leste do atual Irã. Durante o domínio parta, os judeus persas viviam em segurança e conforto, desempenhando um papel importante no comércio internacional e no controle da Rota da Seda. Após 70 E.C., quando as legiões romanas destruíram Jerusalém, eles se uniram aos partas na luta contra Roma.
Em 224 E.C., a dinastia Sassânida tomou o poder e estabeleceu o terceiro grande Império Persa. Seu fundador, Ardashir I, tornou o Zoroastrismo a religião oficial em seus domínios e concedeu grande poder aos seus sacerdotes. Baseava-se nos ensinamentos de Zoroastro (ou Zaratustra), que viveu entre os séculos 7 e 6 a.E.C. na Pérsia. O Zoroastrismo é uma doutrina dualista que acredita na existência de dois deuses, um do bem e outro do mal, que vivem em constante luta. Acredita que, no final dos tempos, haverá a vitória do bem. Para os zoroastristas, os seguidores de outras religiões, entre eles judeus e cristãos, “poluíam o mundo”, sendo assim lhes cabia combater os “não crentes”. Essa ideia é de importância fundamental para entender a História Judaica na Pérsia, pois enraizou-se profundamente na cultura persa, com consequências nefastas para os judeus, que persistem até os dias de hoje.
As perseguições contra os “não crentes” atingiram proporções e violência sem precedentes, em meados do século 5. Em 451, por exemplo, os judeus foram proibidos de guardar o Shabat, e suas lideranças religiosas, executadas. Em 469, mais da metade da comunidade de Isfahan foi massacrada, e os sacerdotes zoroastristas levaram, à força, crianças judias para servir em seus templos.
Primeiro período islâmico
Em 642, os invasores árabes derrotaram os sassânidas, e a Pérsia tornou-se uma província de seu império. O Islamismo foi instituído como religião de Estado, e a Sharia, o sistema jurídico do Islã, passa a reger a vida de toda a população. Como em outras localidades do Dar al-Islam (em árabe, “território islâmico”), os judeus e cristãos tinham permissão para viver nos domínios islâmicos sob a condição de dhimmis. Considerados cidadãos de segunda classe, eram obrigados a reconhecer a supremacia do Islã e do Estado islâmico, além de cumprir uma série de obrigações e pagar tributos especiais. Em troca, tinham a garantia da vida, da propriedade e do direito de praticar sua religião.
A população iraniana converteu-se gradualmente ao Islamismo, mas manteve o idioma persa. Já em meados do século 9, eram, em sua maioria, muçulmanos sunitas3. Os xiitas constituíam uma minoria inferiorizada.
Nos primeiros 600 anos de domínio islâmico, a população judaica da Pérsia alcançou um crescimento sem precedentes, com Hamadan e Isfahan como seus principais centros. Os judeus tinham uma importante participação na atividade comercial e, a partir do século 10, no setor financeiro. Com a expansão do comércio internacional, surgiu, entre eles, uma próspera classe de comerciantes em Ahwaz, Isfahan e Shiraz.
Graças a relatos de dois viajantes, Benjamin de Tudela e Pethahiah de Regensburg, temos informações sobre as comunidades judaicas da Pérsia no século 12. Segundo o primeiro, havia 30 mil judeus em Hamadan, 15 mil em Isfahan, 10 mil em Shiraz e 7 mil em Susa.
O califado abássida caiu em 1258 diante do imperador mongol Hulagu Khan, neto de Genghis Khan. Como os novos conquistadores aboliram as distinções entre muçulmanos e seguidores de outras religiões, há uma melhora na situação dos judeus, que passam a ter postos governamentais.
Segundo período islâmico
A tomada do poder pela dinastia safávida, no século 16, representou mais um marco importante na História do Judaísmo persa. Na época viviam na região cerca de 30 mil judeus. O fundador da dinastia, xá Ismail I, estabeleceu o Xiismo como religião oficial, obrigando os sunitas a se converterem à mesma. Conhecidas como mulás4, as elites clericais xiitas passaram a deter poder quase ilimitado. Os ulemas (estudiosos das leis religiosas) tornaram-se a única fonte legítima de autoridade, tanto que seus fatwas (decretos) se impunham a todo o povo, até mesmo aos xás. Vale ressaltar que as elites clericais xiitas mantêm essa supremacia até hoje no Irã. Como veremos no artigo Judeus do Irã: ascensão e queda, só foram afastados do poder entre 1925 e 1979, quando o país foi governado pela dinastia Pahlavi5. Após a Revolução Islâmica de 1979 retomaram o poder absoluto.
Ao contrário do Sunismo, o Xiismo iraniano acreditava que o muçulmano se torna “impuro” ao entrar em contato com “infiéis”, principalmente judeus, considerados “najas” (poluidores). A essa crença se deve a maior parte das humilhações e perseguições contra nosso povo na Pérsia. Os ulemas pregavam a necessidade de evitar o contato físico com adeptos de outras religiões, assim como o consumo de alimentos que preparavam ou o uso de utensílios por eles utilizados.
O século 17 foi um período de intenso sofrimento para a população judaica do país. Ketab e-anusi, crônica em judeu-persa de Babai ben Lotf, descreve as perseguições e conversões forçadas ao Islamismo entre 1617 e 1662. Em Isfahan e Kashan, os governantes mandavam os judeus “escolherem” entre serem devorados por animais ou aceitarem o Xiismo. No entanto, muitos “novos muçulmanos” (jadid al-Islam) continuaram a praticar o Judaísmo em segredo. Só puderam retornar publicamente sua religião com a ascensão ao poder do novo xá Safi I. O neto de ben Lotf, Babai ben Farhad, escreveu outra crônica, entre 1721 e 1731, Katab-e sargozasht-e kashan dar bab-e ibri va-guyimi-ye-sani (“O Livro dos eventos em Kashan”), em que relatou a conversão forçada dos judeus dessa cidade.
A partir do fim do século 18, a Pérsia, embora não tenha sido propriamente invadida, foi alvo da expansão dos Impérios Russo, na Ásia Central, e Britânico, na Índia, e acabou por perder partes de seu território.
Século 19
No início do 19, viviam cerca de 30 mil judeus na Pérsia, sobretudo em grandes cidades como Teerã, Isfahan, Shiraz, Hamadan e Kermanshah. Isolados e desprezados, não tinham quase nenhum contato com judeus de outros países. A grande maioria levava uma vida bem modesta, não havendo uma classe que dispusesse de poder econômico ou influência política. Devido à crença em sua “impureza” (juhud-e najas), a população judaica estava sujeita a uma legislação humilhante e, a partir do século 17,deixou de ter qualquer proteção legal.
Nas primeiras décadas do século 19, intensificaram-se as perseguições, os massacres e conversões forçadas. Em Teerã, eram constantes os abusos. Em Tabriz, a violência foi tão extrema que os judeus abandonaram a cidade. Em Mashhad, em março de 1839, ocorreram conversões forçadas em massa, no episódio conhecido como “Incidente Allahdad”. Em um feriado religioso islâmico, durante um ataque ao bairro judaico, foram depredadas e incendiadas casas e sinagogas. Houve 40 assassinatos, estupros e casamentos forçados de meninas com muçulmanos. A violência levou a uma intervenção das autoridades locais, que prometeram para a população muçulmana a conversão dos cerca de 2.400 judeus da cidade. As lideranças judaicas locais concordaram com essa decisão com o intuito de salvar vidas judaicas. Boa parte desses jadid al-Islam (“novos muçulmanos”) permaneceu, em segredo, fiel ao Judaísmo, ao qual só puderam retornar abertamente quase um século mais tarde, com a ascensão da dinastia Pahlavi ao poder.
Com a intensificação do contato da Pérsia com o Ocidente, surgiram novas oportunidades de negócios, e os comerciantes judeus voltam a prosperar. Os mulás, que se preocupavam com o avanço econômico da população judaica, instituíram mais de cinquenta restrições destinadas a segregá-la, rebaixá-la e humilhá-la. Algumas leis buscavam garantir a superioridade dos muçulmanos. Nas questões econômicas, os judeus foram proibidos, por exemplo, de abrir lojas nos bazares. Em termos civis eram mantidos sem proteção legal, o que os deixava vulneráveis à violência muçulmana. Mediante o pagamento de uma pequena multa, um muçulmano podia evitar condenação até mesmo por assassinar um judeu. Também as leis incentivavam a conversão ao Xiismo. Por meio dela, um judeu poderia salvar-se de ataques de muçulmanos e, como jadid al-Islam, tinha o direito de reivindicar para si toda a herança familiar, em desfavor de parentes não convertidos.
A crença na “impureza ritual” de qualquer “infiel” em geral, mas, principalmente dos judeus, impunha restrições à vida social da população judaica. Como vimos acima, eles eram proibidos de ter contato físico com muçulmanos ou suas propriedades. Não podiam andar no meio da rua, tocar em mercadorias nas lojas ou entrar em lares islâmicos. Quando chovia, não podiam sair de casa, pois acreditava-se que a chuva que caísse sobre eles transferiria sua impureza aos “fiéis”. Ironicamente, não se considerava “impuro” o dinheiro dos judeus.
As leis também determinavam a aparência e o local de moradia dos judeus. Eram obrigados a trajar-se de forma simples, sem roupas finas ou brancas, além de usar um turbante distinto do restante da população. Eram ainda obrigados a viver em bairros específicos conhecidos como mahallahs, nos quais as casas deviam ser humildes, com portas pequenas e baixas para que fossem obrigados a se curvar ao entrar.
Intervenção do judaísmo europeu
Com a abertura da Pérsia ao Ocidente, as entidades judaicas europeias tomaram conhecimento da terrível situação de seus irmãos no país asiático. Em fevereiro de 1866, durante uma reunião da Alliance Israélite Universelle (AIU), foram lidos os primeiros relatos sobre esses horrores. Em Barforush, por exemplo, 18 judeus haviam sido assassinados e dois, queimados vivos.
Diante desses fatos, o Conselho de Deputados dos Judeus Britânicos e a AIU pressionaram o governo do Reino Unido e da França para que seus embaixadores interviessem em favor das comunidades judaicas da Pérsia. Em 1873, o então xá Nasir al-Din prometeu tratar da questão e aprovou a implantação de escolas da AIU no país. O primeiro desses estabelecimentos foi aberto em Teerã, em 1898, seguido de outros em Hamadan, em 1900; em Isfahan, em 1901; em Shiraz, em Sena, em 1903, e em Kermanshah, em 1904. Nas escolas da AIU dava-se uma educação europeia que abriu novas possibilidades para os jovens estudantes.
Por meio de um édito em 1880, o xá proibiu a expropriação, pelas elites clericais xiitas, de terras e propriedades de judeus falecidos e, três anos mais tarde, revogou algumas leis discriminatórias, entre elas a que permitia aos jadid al-Islam receberem a herança de toda a família.
No entanto, as perseguições voltaram a se intensificar. Os mulás exigiam do xá disposições ainda mais rígidas para dar continuidade à segregação dos judeus. Em 1897, em Teerã, um judeu bebeu água de uma fonte pública, motivo pelo qual a comunidade judaica foi atacada por muçulmanos.
Rumo à emancipação judaica
De acordo com a AIU, no fim do século 19 viviam cerca de 50 mil judeus na Pérsia, a qual se encontrava, então, à beira de um colapso socioeconômico, com protestos contra a opressão e a corrupção por todo o país. Viera a público a venda de concessões, entre as quais a do monopólio do cultivo e comércio de tabaco, a empresas estrangeiras pelo xá Nasir al-Din para financiar suas opulentas viagens à Europa.
Em 1906, o xá, sob pressão política, estabeleceu o constitucionalismo no país, e foi formada uma Assembleia Nacional Constituinte. Pela primeira vez na história da Pérsia, as minorias tiveram representação nacional. Para a população judaica, era o primeiro passo para a igualdade civil, ideia, no entanto, rejeitada com veemência pelas lideranças xiitas. Temerosos da oposição do clero xiita, os constitucionalistas pediram às minorias que renunciassem à participação direta na assembleia. Judeus e cristãos concordaram em ser representados por dois clérigos muçulmanos.
Redigiu-se uma Constituição, que, porém, encontrou forte oposição dos xiitas, que questionavam a “legitimidade islâmica” do documento. A objeção encontrou apoio quando o xá Muhammad Ali Mirza subiu ao trono, em 1907. Em junho do ano seguinte, ele ordenou o bombardeio da Assembleia Nacional. Inúmeros delegados foram presos e enforcados. A lei marcial foi imposta no país.
Essas ações resultaram em uma onda de confrontos sangrentos entre as forças governamentais e os constitucionalistas. Na chamada Revolução Constitucional Iraniana, os rebeldes, que contaram com o apoio de muitos judeus, entraram em Teerã em julho de 1909. Após deporem e exilarem o xá Muhammad Ali Mirza, colocaram no trono o filho dele, Ahmad Shah, de apenas 11 anos. O novo governo afastou os clérigos xiitas e instituiu um tribunal revolucionário. Lideranças anticonstitucionalistas foram julgadas e executadas. Como escreveu Habib Levy em History of the Jews of Iran, com a vitória dos revolucionários, “os judeus acreditavam que o tempo de liberdade finalmente havia chegado”.
No entanto, um ano após a entrada das forças rebeldes em Teerã, já havia um forte descontentamento popular. À medida que se alastrava a insatisfação, os anticonstitucionalistas ganhavam força. O arraigado antissemitismo foi usado para incitar o povo. Houve ataques a bairros de judeus, muitos dos quais foram mortos. Era um claro sinal não só do quanto o ódio aos judeus estava arraigado na Pérsia, mas também de como lhes seria difícil a conquista da plena cidadania nesse país.
BIBLIOGRAFIA
Sarshar, Houman, (editor) Esther’s Children: A Portrait of Iranian Jews, The Center for Iranian Jewish Oral History, 2002
Levy, Habib, Ebrami, Hooshang e Maschke, George W., Comprehensive History of the Jews of Iran: The Outset of the Diaspora, Mazda Pub, 1999
1 A Média foi uma entidade política, do século 7 a.E.C. até meados do 6 a.E.C., que dominou grande parte do planalto iraniano.
2 Autor da obra História dos Judeus no Irã (Tarikh-e-Yahud-e Iran), publicada em 1960 e considerada a mais abrangente sobre a comunidade judaica iraniana.
3 Xiitas e sunitas são duas vertentes distintas dentro do Islamismo, dissidentes de interpretações religiosas e sucessórias conflitantes. A divisão remonta ao início do Islã e a sucessão após a morte do Profeta Muhammad.
4 Mulá é um título honorífico para o clero muçulmano e líderes de mesquitas.
5 A dinastia Pahlavi, a última dinastia real iraniana, que governou o Irã durante quase 54 anos, liderou um processo de ocidentalização e crescimento econômico.