Ao contrário do que muitos acreditam, a guerra que hoje se desenrola em Israel – que eclodiu em 7 de outubro, em resposta à maior matança de judeus desde o Holocausto – não é um conflito territorial, como o que a Rússia atualmente trava contra a Ucrânia. Entre os mortos, gravemente feridos e sequestrados estão pessoas de várias nacionalidades, incluindo brasileiros, e nem todos eram judeus, como muitos pensam.
Algumas das vítimas, assim como vários dos heróis, eram muçulmanos – drusos e árabes. Assim, a guerra que começou em 7 de outubro não é um conflito entre judeus e muçulmanos, ou entre israelenses, árabes e iranianos. É uma luta entre o bem e o mal, semelhante à 2ª Guerra Mundial. Na realidade, trata-se de um conflito que começou há milênios. Os dois lados desse conflito – Israel e Amalek – são antigos inimigos envolvidos em uma luta que já dura mais de três mil anos.
Mais de um ano se passou desde o dia 7 de outubro de 2023 – o dia mais trágico para o Povo Judeu desde o Holocausto. Os eventos daquele dia permanecerão na infâmia, jamais serão esquecidos. Nenhuma vitória militar pode desfazer o sofrimento que milhares de terroristas fortemente armados impuseram aos cidadãos de Israel. Como Israel é um país pequeno, praticamente todo israelense conhece alguém – ou conhece alguém que conhece – que foi vítima, que perdeu entes queridos ou que agora vive em constante temor, sabendo que seus familiares permanecem cativos em Gaza, sujeitos a abusos indescritíveis.
7 de outubro de 2023 – dia sagrado de Shabat que coincidiu com a festa de Shemini Atseret (Simchat Torá), uma das celebrações mais alegres do calendário judaico – marcou um momento decisivo na história tanto do Estado de Israel quanto do Povo Judeu. Esse evento afetará Israel, se não para sempre, certamente por gerações. Existia um Israel antes de 7 de outubro e, depois dessa data, um Israel diferente. Além disso, o impacto daquele dia reverberou muito além das fronteiras do Estado Judeu, abalando o mundo judaico, o Oriente Médio e o mundo inteiro.
Para os cidadãos de Israel, o dia 7 de outubro e a guerra que desencadeou revelaram que o país ainda enfrenta ameaças existenciais. Para os judeus da Diáspora, as reações que se seguiram aos eventos dessa data – uma onda inesperada de ódio contra Israel e os judeus, em vez de uma solidariedade generalizada – despedaçaram a ilusão de que, após o Holocausto, o antissemitismo deixara de ser relevante.
Não há dúvida de que a tragédia de 7 de outubro se deve a uma grande falha de inteligência e erros de cálculo político por parte do Estado de Israel. Mas a raiz do problema é muito mais profunda do que a maioria imagina. Neste ensaio, buscamos argumentar, com base em fontes religiosas judaicas, que a verdadeira causa dessa tragédia está em uma compreensão fundamentalmente equivocada de quem realmente é o inimigo.
A origem do conflito
No Livro do Êxodo, o segundo livro da Torá, lemos que, logo após os Filhos de Israel deixarem o Egito, uma nação chamada Amalek lançou um ataque surpresa contra eles. Esse ataque se destaca porque Amalek escolheu atacar os mais vulneráveis e cansados entre os judeus – aqueles que estavam na retaguarda do acampamento. A escolha desse alvo revela o ataque de Amalek como um ato de covardia e agressão gratuita.
Embora os Filhos de Israel tenham enfrentado muitas batalhas em sua jornada para a Terra Prometida, o confronto com Amalek é distinto por duas razões. Primeiro, foi um ataque gratuito; outras nações lutaram contra o Povo de Israel para defender suas terras ou por medo, enquanto os amalequitas atacaram sem motivo, movidos apenas pelo ódio e pelo desejo de ferir e matar judeus. Segundo, a crueldade de Amalek foi incomparável a qualquer outra por nós vivenciada. O Midrash revela que os amalequitas cometeram atos horríveis de brutalidade contra nosso povo. Por causa dessa crueldade, D’us ordena ao Povo Judeu que “apague a memória de Amalek” (Deuteronômio 25:17-19). Assim, a Torá destaca Amalek entre todos os inimigos do Povo de Israel.
A natureza desse ataque – covarde e cruel – revela sua essência. Amalek não é apenas mais um inimigo do Povo de Israel. Na geopolítica, até um adversário implacável pode, amanhã, tornar-se aliado, caso os interesses mudem. Essa possibilidade não se aplica a Amalek. Ao contrário de outras nações que lutaram contra os Filhos de Israel, esse povo cruel não tinha nenhum motivo para atacar-nos. O antissemitismo dos amalequitas é puro e imutável, movido não por interesses ou circunstâncias, mas por uma hostilidade implacável. A guerra de Amalek contra o Povo de Israel foi e continua sendo arraigada em ódio infundado.
Quando a inimizade entre indivíduos ou nações surge por uma razão específica, ela pode ser resolvida ou atenuada. No entanto, não há solução quando o ódio é sem causa, como no caso de Amalek. Por exemplo, o Faraó do Egito escravizou os Filhos de Israel para lucrar com o trabalho deles, não por um ódio inerente. Da mesma forma, Balak, rei de Moav, contratou o feiticeiro Bilaam para amaldiçoar o Povo de Israel por medo, ao vê-los avançando em direção ao seu território. Faraó e Balak eram inimigos do Povo Judeu, mas sua hostilidade estava enraizada em preocupações práticas. O ódio de Amalek, em contraste, é irracional, absoluto e sem fundamento – um sentimento que não pode ser mitigado ou racionalizado. O objetivo principal de Amalek não é derrotar, expulsar ou subjugar o Povo de Israel, mas exterminá-lo.
Haman, um descendente de Amalek
Na Torá e nos Livros dos Profetas, especialmente no Livro de Samuel, lemos sobre as batalhas travadas entre o Povo de Israel e a nação de Amalek. Mas é somente no Livro de Esther – um dos 24 livros do Tanach – que compreendemos plenamente a profundidade da maldade e do antissemitismo de Amalek. O Livro de Esther, que conta a história de Purim e é lido duas vezes, à noite e pela manhã durante essa festa, relata o plano de Haman, um amalequita, para exterminar o Povo de Israel. Haman torna-se primeiro-ministro do rei Achashverosh, da Pérsia, e logo em seguida planeja um genocídio contra todos os judeus, apenas para ser impedido pelas ações corajosas de Mordechai e da rainha Esther, esposa judia do rei persa.
À primeira vista, a história de Purim parece incompreensível: Haman decreta a destruição de todos os judeus – homens, mulheres e crianças – porque seu líder, Mordechai, se recusa a se curvar perante ele. Mas para nós, judeus, a razão por trás do decreto genocida de Haman é evidente: ele é um descendente de Amalek – o arqui-inimigo do Povo de Israel – e a recusa de Mordechai em se curvar é apenas um pretexto que ele usa para justificar seu plano de exterminá-los da face da Terra.
Ao longo do Livro de Esther, vemos o ódio obsessivo de Haman por Mordechai e sua determinação implacável em executar seu decreto genocida contra os judeus. Nada mais lhe importava. O Midrash revela que ele era extremamente rico, e oLivro de Esther descreve que ele tinha uma esposa, muitos filhos e era a pessoa mais influente do império – primeiro-ministro do reino. No entanto, como ele admite perante sua família, nada o satisfaria enquanto Mordechai estivesse vivo. Para um amalequita como Haman, o antissemitismo é o motivo de sua existência; é tão vital para ele quanto o ar que respira. O ódio dele pelos judeus impulsionava cada uma de suas ações e o consumia por completo. Tudo o mais – família, fortuna e poder – era secundário para Haman.
O Vilão de Purim, Haman personifica a nação à qual pertence: Amalek. Ele é o arquétipo do antissemita que odeia os judeus sem motivo algum, nutrindo um ódio intenso e obsessivo que exige nada menos que a destruição do Povo de Israel. O que diferencia a nação de Amalek de outros inimigos do Povo Judeu é a natureza absoluta e imutável de seu ódio: são impermeáveis a subornos, persuasão ou razão. Enquanto uma nação pode ressentir-se de outra e até travar guerras, é raro ver um povo clamar pela exterminação total de outro. O ódio de Amalek pelo Povo de Israel é exterminador.
Assim como os demais livros que compõem o Tanach, o Livro de Esther traz uma mensagem atemporal. O escritor Mark Twain certa vez afirmou que “a história não se repete, mas frequentemente rima”, uma observação que sugere que, embora os eventos não se repitam de forma idêntica, fenômenos semelhantes reaparecem ao longo dos séculos. Durante a história milenar da nação judaica, surgiram figuras como Haman, amalequitas que nutriam as mesmas intenções genocidas contra o Povo de Israel. No entanto, nenhum deles espelhou Haman tão bem quanto Adolf Hitler – um paralelo que já exploramos em outras edições desta publicação.
Na história de Purim, Mordechai e, especialmente, a rainha Esther frustram os planos genocidas de Haman, garantindo um final feliz. Contudo, quando Adolf Hitler – a reencarnação de Haman e o amalequita mais devastador de todos os tempos – surgiu quase 2.500 anos depois, o desfecho foi tragicamente diferente. Embora as Potências do Eixo, lideradas por Hitler, tenham sido derrotadas pelos Aliados, esse homem – epítome do mal absoluto – e seus colaboradores conseguiram, antes disso, assassinar seis milhões de judeus, incluindo um milhão e meio de crianças. Conseguiram dizimar dois terços dos judeus da Europa e um terço da população judaica mundial.
Há mais de dois mil anos, ano após ano, durante a festa de Purim, o Povo Judeu acompanha a leitura da Meguilat Esther – o Livro de Esther – e comemora o final feliz da história em que é frustrado o plano de genocídio de Haman contra os judeus. Durante a leitura da Meguilá, é comum tratar Haman como uma figura ridícula, fazendo barulho para abafar seu nome cada vez que ele é mencionado. No entanto, embora esse costume tenha um tom de humor, a realidade por trás de Haman e de seu povo, Amalek, está longe de ser cômica. Uma das lições mais cruciais que o Povo Judeu deve tirar do Holocausto é que as ameaças de figuras semelhantes a Haman e Hitler jamais devem ser tratadas como simples bravatas.
A própria história corrobora o ensinamento da Torá de que o principal objetivo de Amalek – sua própria razão de existir – é a aniquilação do Povo Judeu. Nenhuma figura personificou melhor o antissemitismo de natureza exterminadora do que Adolf Hitler – o mais bem-sucedido amaquelita de todos os tempos. Alguns historiadores acreditam que a Alemanha Nazista perdeu a guerra porque dedicou imensos recursos ao extermínio de nosso povo, desviando esforços que poderiam ter sido empregados no campo de batalha. Se Hitler tivesse de escolher entre vencer a guerra e exterminar todos os judeus, pode-se conjecturar com certa segurança que ele teria optado pela segunda alternativa. Provavelmente teria preferido erradicar cada judeu da face da Terra a conquistar a vitória em uma guerra mundial. E o motivo disso é que para Amalek, a destruição do Povo Judeu é o objetivo máximo, acima de qualquer outra prioridade maligna. Os amalequitas estão dispostos até mesmo a sacrificar a própria vida, desde que, nesse processo, possam infligir grande sofrimento ao Povo de Israel.
Esse ódio obsessivo e genocida é o que distingue Amalek de qualquer outro tipo de antissemita. Mas há outra característica singular de Amalek que deve preocupar todos os seres humanos lúcidos e morais: o impacto devastador que ele traz ao mundo – afetando não apenas o Povo de Israel, mas também a humanidade como um todo, incluindo as próprias nações onde atuam os amalequitas. Hitler desencadeou uma guerra mundial que tirou a vida de mais de 60 milhões de pessoas e deixou a Alemanha em ruínas. Assim, Amalek representa um inimigo não apenas de Israel, mas de toda a humanidade.
Uma questão crucial surge ao estudarmos a história de Purim, bem como o período da Alemanha Nazista e do Holocausto: como foi possível que os amalequitas obtivessem tanto apoio para seus planos genocidas contra o Povo Judeu? Como Haman conseguiu convencer o rei Achashverosh a aprovar o extermínio de todos os judeus? E como Hitler persuadiu milhões de pessoas a colaborar, ou ao menos apoiar sua campanha de assassinato em massa contra os judeus? As respostas a essas perguntas são fundamentais para se compreender as forças que alimentam o antissemitismo disseminado atualmente. Uma das respostas – talvez a mais esclarecedora – se encontra em uma passagem do Midrash Rabá, que revela os métodos utilizados por aqueles que buscaram destruir o Povo Judeu.
Purim: compreendendo como se espalha o antissemitismo
A história de Purim – possivelmente o relato mais flagrante de antissemitismo aberto e violento em todo o Tanach – traz ensinamentos valiosos sobre o ódio mais antigo dirigido contra um povo inteiro.
O Midrash Rabá, em seu comentário sobre a Meguilat Esther, oferece ensinamentos atemporais sobre as origens e a disseminação do antissemitismo. Para aqueles que se perguntam como o ódio violento ao Estado de Israel e aos judeus se espalhou tão amplamente nos dias de hoje, o Midrash Rabá fornece uma visão esclarecedora. Em uma passagem especialmente reveladora, o Midrash explica como Haman conseguiu mobilizar um império inteiro com o objetivo de aniquilar o Povo Judeu.
Ao ler a história de Purim, aprendemos que Haman oferece ao rei Achashverosh uma quantia exorbitante em troca da permissão para exterminar os judeus do império. No entanto, fica claro que não seria o exército do rei a executar o plano de Haman. Ele ofereceu dinheiro ao rei em troca da permissão para matar todos os judeus, mas não para mobilizar as forças armadas de Achashverosh para realizar o genocídio. A intenção de Haman era que os próprios cidadãos do império – incluindo as diversas nações sob o reinado de Achashverosh – se tornassem os executores. Para que seu plano genocida fosse bem-sucedido, Haman precisava de um grande número de carrascos e colaboradores dispostos a executar seu plano, da mesma forma que os nazistas precisaram do povo para exterminar seis milhões de judeus.
Como Haman conseguiu mobilizar um império inteiro, incluindo cidadãos comuns, a cometer o genocídio? O Midrash nos oferece uma explicação, relatando que Haman reuniu os homens mais sábios de diversas partes do mundo e os instruiu a escrever uma carta, que foi então distribuída entre todas as nações sob o domínio do rei Achashverosh. O Midrash revela o conteúdo dessa longa carta e incluiremos aqui suas partes mais relevantes para nossa análise.
A carta começa: “Saibam todos que há entre nós um certo homem... um descendente de Amalek. Ele é um dos grandes homens desta geração e se chama Haman. Ele fez um pedido simples e razoável em relação a uma certa nação entre nós – uma nação desprezível como nenhuma outra, conhecida por sua arrogância e má índole... E, pior ainda, seus integrantes são ingratos para com seus benfeitores. Basta pensar no pobre Faraó.”
A carta prossegue: “Moshe tinha um discípulo chamado Yehoshua bin Nun, que era excepcionalmente cruel e impiedoso. Moshe lhe ordenou: ‘Escolha homens para nós e vá lutar contra Amalek’ ” (Êxodo 17:9).
A carta descreve como Yehoshua bin Nun derrotou Amalek em batalha sob a liderança de Moshe. Em seguida, relata as vitórias do Povo de Israel em várias guerras: “O Povo de Israel atacou Sihon e Og, os mais poderosos reis de nossas terras. Depois, eles atacaram os reis de Midian. E o que mais fez aquele homem, Yehoshua, discípulo de Moshe? Ele trouxe o Povo de Israel para a Terra de Canaan. E como se não bastasse tomar a terra dos cananeus, ele também matou trinta e um de seus reis e dividiu a terra entre o Povo de Israel, sem mostrar compaixão pelos cananeus. Aqueles que ele não matou tornaram-se seus escravos… Então, o Povo de Israel teve seu primeiro rei, chamado Shaul, que lutou nas terras de meu ancestral Amalek e matou cem mil de seus cavaleiros em um só dia, sem mostrar compaixão por homem, mulher, criança ou bebê… E depois dele, tiveram um rei chamado David, filho de Yishai, que destruía e aniquilava todos os reinos ao seu redor, sem lhes mostrar misericórdia.”
A conclusão arrepiante da carta diz: “E agora, quando esta carta chegar até vocês, estejam prontos, naquele dia, para destruir e matar todos os judeus entre vocês – jovens e velhos, crianças e mulheres, em um único dia – sem deixar vestígio ou sobrevivente entre eles”.
O que torna extraordinária a carta encomendada por Haman é sua engenhosidade malévola e sua atemporalidade. Sua mensagem permanece tão relevante hoje quanto na antiguidade. A forma como o Povo Judeu e a pátria judaica são retratados nessa carta se assemelha profundamente à retórica que ouvimos atualmente. Essa carta representa um dos primeiros exemplos de fake news, distorcendo a realidade e invertendo completamente a narrativa.
A representação do Povo Judeu nessa carta reflete as narrativas que vemos hoje na mídia – tanto nos meios tradicionais quanto nas redes sociais – sobre o Estado de Israel. Naquela época, como agora, os judeus são apresentados como “vilões”, enquanto seus opressores assumem o papel de “vítimas”. As acusações dessa antiga carta ecoam nos contextos modernos, desde veículos de mídia e universidades até as Nações Unidas e as ruas da Europa e dos EUA, onde persiste a afirmação de que os “sionistas” são violentos, opressores e cruéis, que tomaram terras de outro povo para fundar um país; que cometem genocídio, matam inocentes e lançam ataques sem provocação.
A estratégia que Haman empregou há mais de dois mil anos tem sido repetidamente adotada por aqueles que seguiram e, ainda hoje, seguem seus passos. Ele entendeu que, para justificar um assassinato em massa, era necessário primeiro construir uma narrativa convincente que persuadisse as pessoas de que essa era a ação certa e nobre. Seguindo o exemplo de Haman, os inimigos atuais do Povo Judeu compreendem que, ao demonizar o Povo de Israel – retratando-o, como descreve a carta, como “o mais desprezível de todos, conhecido por sua arrogância e má índole... e, pior, ingrato com seus benfeitores” – é possível influenciar a pessoa comum a cometer atos impensáveis contra os judeus.
Todos os anos, em Purim, celebramos como Mordechai e Esther frustraram o plano de Haman de exterminar o Povo Judeu. Haman morreu na mesma forca que havia construído para enforcar Mordechai, mas sua guerra contra os judeus sobreviveu a ele. A carta que ele encomendou permanece, quase 2.500 anos após ser redigida, como um modelo seguido por antissemitas para justificar seu ódio e disseminar o antissemitismo entre as massas. Todo antissemita recorre a descrições semelhantes sobre os judeus: arrogantes, egoístas, cruéis, uma quinta coluna, desleais ao país onde vivem, manipuladores, tentando controlar políticos em benefício próprio ou do Estado de Israel, e preocupados apenas consigo mesmos.
Hitler usou uma linguagem semelhante, se não pior, para descrever o Povo Judeu. Ao retratá-los como o mal encarnado, inimigos do povo e responsáveis por todos os problemas da Alemanha, ele conseguiu mobilizar milhões para realizar o genocídio ou, no mínimo, permanecerem em silêncio. Assim como Haman disse ao rei Achashverosh que exterminar os judeus seria um favor ao rei – um “trabalho sujo” feito em seu nome – , Hitler enquadrou suas ações como “um serviço à humanidade”.
A Torá, por meio do Midrash, nos alertou, milhares de anos atrás, sobre a estratégia que inimigos como Haman adotariam para incitar o mundo contra nós: espalhar fake news e teorias da conspiração sobre o Povo Judeu, preparando o terreno para suas intenções maliciosas e genocidas. Muitos se perguntam como é possível que, após o dia 7 de outubro, tantas pessoas vejam o Estado de Israel como o agressor e os terroristas, que cometeram atrocidades e crimes indescritíveis contra a humanidade, como vítimas ou lutadores pela liberdade.
A resposta está em reconhecer que o antissemitismo e a oposição à existência de Israel não começaram no dia 7 de outubro. Pelo contrário, são o resultado de calúnias e difamações disseminadas contra o Povo Judeu e, hoje, especialmente, contra seu país. Mesmo antes do renascimento do Estado de Israel, e particularmente nas últimas duas décadas, aqueles que personificam o espírito de Haman comparam os israelenses aos nazistas e equiparam Israel – a única democracia no Oriente Médio – ao regime de apartheid racista da África do Sul. Em todo o mundo – seja online, na grande mídia, nas universidades americanas ou nas ruas da Europa e dos Estados Unidos – temos visto pessoas não apenas justificando, mas, em alguns casos, celebrando os horrores de 7 de outubro. A estratégia de Haman para promover o genocídio mostrou-se eficaz há milênios e permanece assim até hoje: retratar o Povo Judeu como inerentemente maligno e seu país, o Estado de Israel, como ilegítimo, violento e cruel, permitindo que qualquer tragédia que os acometa seja justificada sob o argumento de que eles mesmos a provocaram.
Amalek e 7 de outubro de 2023
Em 28 de outubro de 2023, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu fez referência ao mandamento da Torá de “lembrar o que Amalek fez a você” (Deuteronômio 25:17) ao anunciar a segunda fase da guerra de Israel em Gaza, que incluía uma invasão terrestre objetivando derrotar os terroristas e resgatar os reféns. A menção a Amalek é profundamente significativa e ressoou intensamente entre israelenses e judeus ao redor do mundo, que ainda estão tentando se recuperar das consequências e dos traumas resultantes dos ataques desse dia. A referência do primeiro-ministro de Israel a Amalek destaca a percepção de que esta guerra não é apenas mais um episódio na longa sequência de violência no Oriente Médio, mas sim um confronto com um inimigo que encarna o mal absoluto e representa uma ameaça existencial ao Povo Judeu.
A razão pela qual o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se referiu aos terroristas como “Amalek” é evidente: o dia 7 de outubro foi muito mais do que um dia trágico na história judaica e israelense. Foi, em certo sentido, uma revivência do Holocausto, embora em uma escala incomparavelmente menor. Mesmo a Guerra do Yom Kipur de 1973, que tirou mais vidas israelenses, não provocou a mesma sensação de ameaça existencial. A brutalidade de 7 de outubro fez com que os israelenses percebessem o ataque como algo fundamentalmente diferente de todas as guerras e campanhas terroristas que o país já enfrentou. Diferente da Guerra do Yom Kipur, em que os soldados foram os principais alvos, em 7 de outubro os terroristas mataram deliberadamente os civis, incluindo mulheres, crianças e idosos, e as atrocidades cometidas trouxeram à memória os horrores nazistas. Nada se compara ao Holocausto, é claro, mas o dia 7 de outubro foi um sombrio lembrete desses horrores e, portanto, muito mais traumático do que qualquer outra tragédia enfrentada pelo Povo Judeu, desde então.
Não fossem as Forças de Defesa de Israel, aqueles que invadiram Israel em 7 de outubro teriam executado seus planos brutais contra toda a população judaica do país. A crueldade selvagem que infligiram – assassinatos sádicos, pessoas queimadas vivas, violência sexual horrenda contra mulheres, crianças e homens, além de mutilações direcionadas especificamente aos órgãos genitais – é um eco aterrorizante das ações de Amalek contra os vulneráveis e indefesos entre os judeus no deserto. Como declarou o presidente americano Joe Biden: “Sabe, há momentos nesta vida – e quero dizer isso literalmente – em que o mal puro e sem disfarces é liberado no mundo. O povo de Israel viveu um desses momentos neste fim de semana. As mãos ensanguentadas da organização terrorista Hamas – um grupo cujo propósito declarado é matar judeus. Esse foi um ato de pura maldade”. De fato, foi. O mal absoluto é a marca registrada e a essência de Amalek.
A guerra que se iniciou em 7 de outubro é de natureza existencial para Israel e o Povo Judeu. Os inimigos que Israel enfrenta hoje são amalequitas, assim como foram Haman e Hitler. Mas, diferente dos eventos celebrados em Purim ou durante a 2ª Guerra Mundial, hoje o Povo Judeu não está indefeso. Os judeus não mais dependem das manobras políticas de uma rainha judia casada com um rei estrangeiro, nem estão sendo exterminados enquanto aguardam que líderes de outras nações derrotem os amalequitas. Hoje, Am Yisrael, o Povo de Israel, tem a força para confrontar e derrotar Amalek, e até mesmo os Estados Unidos, supostamente a maior potência militar do mundo, têm-se impressionado com as conquistas militares israelenses.
Hoje, grande parte da mídia, juntamente com líderes políticos de muitos países e a ONU, adotaram a “narrativa amalequita” sobre a guerra, retratando o Estado de Israel como agressor e os terroristas como vítimas. Essa tática de difamar o Povo Judeu é muito antiga: por milhares de anos, espalharam-se mentiras sobre nós, judeus; agora, fazem o mesmo em relação ao Estado de Israel.
Essa tática milenar antissemita não impedirá o Estado de Israel de derrotar os amalequitas de forma decisiva para garantir que jamais se repita outro 7 de outubro. Para aqueles que buscam a verdade sobre a guerra atual que Israel enfrenta, basta inverter a narrativa que Amalek e seus “idiotas úteis”, como são chamados, estão disseminando. A realidade é que os soldados das Forças de Defesa de Israel – centenas dos quais já sacrificaram suas vidas – estão lutando não apenas pelo Estado de Israel e pelo Povo Judeu, mas por toda a humanidade. Devemos a eles nossa eterna gratidão. E um dia, historiadores honestos relatarão como um pequeno país judeu no Oriente Médio, cercado por inimigos, lutou em nome da humanidade para derrotar o mal e trazer verdadeira paz e segurança ao mundo.
Bibliografia
The Midrash, Midrash Rabbah - Ruth / Esther, Kleinman Edition, Artscroll Mesorah
Por Tev Djmal