Ao analisar as circunstâncias que permitiram o extermínio de seis milhões de judeus, entre os quais 1,5 milhão de crianças, além de milhões de outras pessoas, todos assassinados em massa nas “fábricas de morte” da Alemanha nazista, surge a questão: onde estava o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) - a principal organização humanitária do mundo?

Isto porque o CICV nada fez para ajudar os judeus durante o Holocausto e permaneceu calado quando teve ciência da decisão de Hitler de exterminar todos os judeus. Antes, durante e depois da guerra, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha mostrou-se indiferente ao sofrimento do Povo Judeu.

A organização, cuja missão é conter a barbárie da guerra e proteger e assistir suas vítimas, não se sensibilizou quando as vítimas eram judias. No entanto, suas ações não se limitaram à omissão. Em alguns momentos, o CICV chegou a ser cúmplice, contribuindo para a propaganda nazista e simpatizando com os nazistas durante e após a guerra.

Em 1996, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha disponibilizou cópias de seus arquivos da 2a Guerra Mundial; 25 mil páginas microfilmadas de arquivos secretos foram entregues ao Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Historiadores analisaram esses documentos e publicaram algumas de suas conclusões.

Em 2015, Peter Maurer, presidente do CICV, ao discursar em Genebra na comemoração dos 70 anos da libertação dos campos de extermínio nazistas, criticou o histórico de sua própria organização durante a 2a Guerra Mundial. Maurer afirmou que o CICV “falhou em proteger os civis e, mais notavelmente, os judeus perseguidos e assassinados pelo regime nazista”. Ele reconheceu que o grupo “falhou como organização humanitária porque perdeu seu compasso moral”.

A Organização

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é uma das organizações de ajuda humanitária mais antigas, proeminentes e respeitadas no mundo. Fundado em 1863 e com sede em Genebra, é uma organização humanitária não governamental dedicada a garantir proteção e assistência às vítimas de guerra. O CICV deu origem a diversas organizações da Cruz Vermelha ao redor do mundo.

O CICV e os Nazistas

Durante a década de 1930, líderes do CICV viam o nazismo alemão como um pilar da civilização e um mal necessário na luta contra o comunismo. Carl Jacob Burckhardt, vice-presidente do CICV e figura-chave na organização, demostrava uma afinidade com o governo de Hitler. Em 1936, assistiu aos Jogos Olímpicos em Berlim. No ano seguinte, Burckhardt foi convidado para o comício anual do Partido Nazista em Nuremberg. Após a guerra, Burckhardt se torna presidente do CICV, ocupando o cargo de 1945 a 1948.

Burckhardt não simpatizava com os judeus. Em 1933, antes do início da guerra, ele dizia em uma carta particular a um amigo que “há um certo aspecto do Judaísmo que um povo saudável precisa combater”. Suas declarações antissemitas continuaram até bem depois do fim da guerra. Em 1959, em uma versão preliminar de suas memórias, ele ainda afirmava que os judeus haviam declarado uma luta até a morte contra o fascismo e, portanto, eram eles, os judeus, quem havia desejado a 2a Guerra Mundial.

Campos de Concentração

Ao longo da década de 1930, quando o assunto se tratava dos judeus, o CICV delegava o assunto à Cruz Vermelha Alemã mesmo sabendo que a a mesma estava “profundamente nazificada” e seus líderes participavam da perseguição e genocídio. Quando o sistema de campos de concentração de Hitler foi inicialmente implementado, a Cruz Vermelha Alemã assegurou ao CICV que “o padrão de vida nos campos [de concentração] era mais alto do que aquele ao qual a maioria dos prisioneiros estava acostumada”.

Já em abril de 1933, o CICV recebia cartas desesperadas de prisioneiros em campos de concentração alemães. Recebeu cartas de Dachau, incluindo uma de um prisioneiro judeu que dizia: “Imploro novamente em nome dos prisioneiros - Ajuda! Ajuda!”. Dachau foi primeiro campo de concentração estabelecido pelo governo nazista. Inicialmente, eram enviados para lá prisioneiros políticos, opositores ao regime nazista.

Em 19 de agosto de 1938, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha inspecionou o campo de concentração de Dachau. Burckhardt o inspecionou pessoalmente. A missão do CICV era tranquilizar a opinião pública sobre as condições de vida e o tratamento dado às pessoas mantidas nos campos. Em uma declaração oficial, o CICV elogiou o comandante de Dachau por sua “disciplina e decência”, dizendo:“Temos que reconhecer, com toda objetividade, que o campo de Dachau é um modelo do seu tipo no que diz respeito à forma como é construído e administrado”. Com isso, o CICV ajudava a propaganda nazista. O ministro da Propaganda Joseph Goebbels elogiou Burckhardt ao escrever em seu diário: “Esse homem pode ser útil um dia. É uma pena que não tenhamos diplomatas como ele”.

A 2ª Guerra Mundial começou em 1º de setembro de 1939. Em dezembro de 1939, o presidente do CICV tentou organizar, junto à Cruz Vermelha Alemã, a visita de delegados do CICV aos judeus de Viena que haviam sido deportados para a Polônia. O pedido foi recusado. A partir de então, o CICV optou por não mais abordar diretamente a questão dos judeus. Embora o Comitê Internacional da Cruz Vermelha tenha fornecido assistência e proteção aos prisioneiros de guerra aliados mantidos pela Alemanha nazista, não fez o mesmo pelos deportados judeus. Repetidamente, quando as vítimas eram judias e uma atitude era demandada da Cruz Vermelha, a organização respondia com silêncio ou encaminhava a questão a outras organizações.

A Cruz Vermelha justificou suas ações afirmando que o trabalho do CICV era baseado na Convenção de Genebra, e que a Convenção de 1929 fora projetada para prisioneiros de guerra, sendo assim o CICV não tinha autoridade em casos de prisioneiros “civis” em campos de concentração. Alegavam que o encarceramento em massa de judeus era um assunto interno da Alemanha.

Caso houvesse um ímpeto em ajudar, o CICV poderia ter classificado os judeus que foram extirpados de seus países como “prisioneiros de guerra” ou ampliar o escopo de sua missão humanitária. Durante e após a guerra, o CICV se envolveu em diversas atividades que não se limitavam aos prisioneiros de guerra. A Cruz Vermelha se orgulhava de moldar o Direito Internacional em vez de depender apenas das leis existentes, muitas vezes intervindo em situações além de seu escopo, afirmando que aliviar o sofrimento humano em tempos de guerra era a prioridade. No entanto, quando se tratava do sofrimento dos judeus, a organização optava por se esconder atrás de detalhes técnicos.

Conhecimento da Solução Final

Em 20 de janeiro de 1942, na Conferência de Wannsee, um elegante castelo nos arredores de Berlim, os líderes do Terceiro Reich optaram pela “Solução Final da Questão Judaica”, ou seja, o extermínio em massa dos judeus europeus. Todos os países sob ocupação nazista eram obrigados a aderir a essa política. O encontro deveria ser mantido em sigilo, pois a Alemanha de Hitler não queria que se tornasse pública a sua “política” em relação aos judeus.

Após examinar os documentos da Cruz Vermelha, os historiadores concluíram que a organização humanitária internacional tinha conhecimento sobre a “Solução Final da Questão Judaica” desde a primavera de 1942. Mesmo assim, falhou em alertar o mundo, ajudar e proteger milhões de vítimas.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha nada fez para intervir, não condenou publicamente a existência dos campos de extermínio ou a decisão de exterminar todos os judeus, nem pediu ao governo alemão que respeitasse os direitos humanos que o CICV supostamente defendia.

Em 7 de novembro de 1942, quando questionado por Paul Squire, cônsul dos Estados Unidos, Carl Burckhardt confirmou a existência de uma ordem emitida por Hitler para tornar o Reich “Judenfrei” ou “livre de judeus”. Burckhardt acrescentou que, como não havia um lugar para onde os judeus pudessem ir, isso só poderia significar “uma coisa”.

O CICV se justificou, dizendo que permaneceu em silêncio porque divulgar os campos de extermínio não mudaria nada. E se tivessem levado a público o que sabiam, perderiam a capacidade de inspecionar campos de prisioneiros de guerra em ambos os lados do front. No entanto, se uma organização tão respeitada tivesse se manifestado bem no início do Holocausto, talvez milhões de vidas pudessem ter sido salvas.

Theresienstadt

Em 1941, Theresienstadt foi estabelecido na cidade de Terezín, na Checoslováquia, como um gueto e campo de trânsito para judeus a caminho dos campos de concentração. Theresienstadt foi usado como ferramenta de propaganda para disfarçar a deportação dos judeus para campos de concentração e campos de extermínio. Como justificar a deportação de judeus idosos que já não conseguiriam fazer trabalho braçal? E para onde eram enviados os judeus mais proeminentes – os intelectuais e os artistas? Os nazistas alegavam que esses judeus estavam sendo enviados para a “cidade termal” de Terezín para se “aposentarem” em “segurança”.

Em novembro de 1942, muitos jornais americanos publicaram relatos de que dois milhões de judeus já haviam sido assassinados. O genocídio dos judeus era grande demais para ser mantido em segredo. Após a deportação de 476 judeus dinamarqueses para Theresienstadt, em outubro de 1943, o governo dinamarquês – incluindo o rei Christian – pressionou os nazistas para permitir que a Cruz Vermelha Dinamarquesa visitasse os deportados dinamarqueses para verificar como estavam sendo tratados e inspecionasse o gueto. Os diplomatas alemães queriam manter um bom relacionamento com a Dinamarca. Eles também queriam refutar os relatos que haviam vazado sobre as verdadeiras condições e funções dos campos e guetos que iam sendo estabelecidos em toda a Europa.

No final de 1943, os alemães autorizaram uma visita da Cruz Vermelha Dinamarquesa e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e ordenaram à equipe da SS, em Theresienstadt, que se “preparasse” para a visita. Após muita procrastinação, os nazistas marcaram a visita para 23 de junho de 1944. Dois delegados do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e um da Cruz Vermelha Dinamarquesa visitaram o gueto.

Foi tudo uma grande farsa. Antes da visita da Cruz Vermelha, 7.503 judeus – os fracos e doentes – foram deportados para reduzir o número de pessoas no campo, que estava superlotado. O gueto foi reformado para retratar uma atmosfera de normalidade. Os prisioneiros foram postos para trabalhar no “embelezamento” do gueto; plantaram jardins, pintaram complexos habitacionais e renovaram barracões. Sob ordens, os prisioneiros desenvolveram e praticaram programas culturais para entreter os visitantes e convencê-los de que a “Colônia de Idosos” era real. Os delegados assistiram a um jogo de futebol, a uma apresentação de teatro infantil e se encontraram com prisioneiros que haviam sido instruídos sobre como agir e o que dizer. Após a visita, as deportações para Auschwitz e outros campos de extermínio foram retomadas. Os prisioneiros que se encontraram com a Cruz Vermelha foram deportados para Auschwitz em tentativas de remover qualquer evidência da farsa.

Após a visita, a Cruz Vermelha escreveu “relatórios positivos” sobre o campo de concentração em Terezín, citando o bom tratamento dos judeus nos campos alemães. Como o mundo já sabia a verdade sobre os campos de concentração e guetos, o CICV acabou sendo visto como ingênuo ou cúmplice na cruel ficção.

Um dos delegados do CICV em Theresienstadt, Maurice Rossel, continuou a defender suas opiniões muitas décadas depois. Em 1979, Rossel foi entrevistado por Claude Lanzmann para seu épico documentário Shoah, onde voltou a afirmar que havia confirmado as excelentes condições no campo e provavelmente o faria novamente hoje. Após sua visita a Theresienstadt, Rossel visitou Auschwitz e disse que não percebeu que era um centro de extermínio.

Dos aproximadamente 140 mil judeus transferidos para Theresienstadt, 88 mil foram deportados para campos de concentração, onde enfrentaram uma morte quase certa. As péssimas condições no gueto aceleraram a morte de muitos em Theresienstadt; 35.440 judeus morreram no gueto devido a doenças e fome. Em 1942, a taxa de mortalidade dentro do gueto era tão alta que os alemães construíram um crematório com a capacidade de cremar aproximadamente 200 corpos por dia. 15 mil crianças passaram por Theresienstadt. Aproximadamente 90% dessas crianças morreram em centros de extermínio.

No final da Guerra

O CICV começou a ajudar os judeus quando ficou evidente que a maré havia mudado e que os Aliados estavam vencendo a guerra. Em julho de 1944, o assassinato em massa de judeus estava sendo noticiado nas páginas do The New York Times, e o governo dos EUA pressionava a organização, deixando claro que não toleraria a falta de ação do CICV.

A ajuda humanitária aos judeus permaneceu limitada e constituía principalmente de envio de pacotes de alimentos para alguns campos e guetos. Esses pacotes eram financiados por organizações judaicas e entregues pela Cruz Vermelha. Eventualmente, 12 mil pacotes de alimentos foram entregues aos judeus, especialmente nos últimos meses da guerra.

Em maio de 1944, o CICV finalmente interveio em favor dos judeus húngaros – a última grande população judaica a ser deportada para os campos de extermínio. Uma pequena delegação do CICV chegou tardiamente a Budapeste, onde se juntou a outros humanitários – mais notavelmente, o diplomata sueco Raoul Wallenberg – em um esforço para salvar os poucos que ainda permaneciam vivos.

Embora o governo húngaro tivesse introduzido leis antissemitas e convocado jovens judeus para trabalho escravo, o governo não havia cedido às demandas alemãs para a deportação de sua população judaica. Em março de 1944, tropas alemãs ocuparam a Hungria e logo começou a deportação da maioria dos 800 mil judeus do país para Auschwitz.

O CICV em Budapeste logo seguiu o exemplo sueco e distribuiu cartas de proteção para os judeus, colocando hospitais, clínicas, albergues e cozinhas comunitárias judaicas sob a proteção da organização. Em junho de 1944, o CICV finalmente quebrou seu silêncio escrevendo uma carta ao ditador húngaro Miklós Horthy, que intercedia em favor dos judeus. Naquele momento, 400 mil judeus húngaros já haviam sido assassinados. Os beneficiários da intervenção tardia do CICV foram relativamente poucos em comparação com os milhões que morreram nos campos.

Após a Guerra

O viés antissemita e o fracasso moral do Comitê Internacional da Cruz Vermelha continuaram após a guerra. A organização que deveria ser a guardiã da humanidade falhara com os judeus e com o mundo livre. O CICV começou a sentir a pressão. “Os judeus nos causarão problemas. Sua influência é grande nos países anglo-saxões”, dizia um memorando do CICV preparado para uma conferência em Londres, no verão de 1946, na qual se esperava a participação de organizações humanitárias judaicas.

A fuga dos Nazistas

Depois da guerra, centenas de milhares de pessoas se encontraram sem documentos de viagem válidos e, muitas delas, sem meios de identificação pessoal. Para lidar com essa questão, as Nações Unidas criaram a Organização Internacional para Refugiados (OIR). A OIR atendia apenas a quem considerava refugiados “genuínos”, recusando-se a ajudar aqueles que poderiam ter cometido crimes de guerra ou colaborado com os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão.

A Organização Internacional para Refugiados apoiava e protegia os cidadãos dos países aliados, os judeus e as vítimas do regime nazista, independentemente de sua nacionalidade. Usava métodos de triagem rigorosos para eliminar colaboradores e criminosos que tentavam falsificar suas identidades e históricos de guerra. Evidências de colaboração eram frequentemente fáceis de encontrar e, às vezes, podiam ser identificadas nos próprios corpos dos requerentes – como as tatuagens da SS, por exemplo.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, inicialmente sem um mandato internacional, começou a emitir seus próprios documentos de viagem para ajudar aqueles excluídos pela OIR. Decidiu intervir no que considerava uma “emergência humanitária” em relação aos refugiados não reconhecidos pelos aliados. Muitos alemães e outros refugiados “não reconhecidos” estavam tentando sair da Europa e não tinham documentos de viagem.

O CICV praticamente não conduzia procedimentos de triagem e disponibilizava seus documentos de viagem para praticamente qualquer requerente. Esses documentos possibilitaram que um grande número de nazistas, criminosos de guerra e colaboradores emigrassem e nunca tivessem que responder por suas ações durante a guerra. Os nomes nos passaportes eram invariavelmente fictícios e uma pessoa podia obter vários documentos de viagem com diferentes pseudônimos.

A posição do CICV era a de que “convicção política” não era motivo para excluir ninguém; portanto, nazistas obtinham os documentos tão facilmente quanto qualquer outro. Um ex-oficial do CICV em Roma declarou: “Afinal, éramos uma organização de ‘ajuda’, não detetives”. O vice-presidente do CICV, Jean Pictet, declarou inequivocamente: “Pessoas culpadas não são excluídas dessa assistência, caso tenham  necessidade”.

A política de refugiados do CICV foi constantemente atacada pela imprensa e pelos governos aliados. Em agosto de 1946, o CICV já estava sendo acusado de ajudar nazistas. Evidências de fraudes nos documentos de viagem vazaram através dos canais internos do CICV e de reuniões diplomáticas confidenciais.

Várias agências governamentais, especialmente o Departamento de Estado dos EUA, pressionaram os líderes do CICV para retificar a situação, alertando que a reputação da organização poderia ser comprometida. Os Estados Unidos, ao contrário da maioria dos países, não reconheciam os documentos de viagem do CICV como válidos para adentrar em seu país.

Não foi surpreendente descobrir que esses documentos foram usados na fuga de milhares de ex-colaboradores nazistas e membros da SS, incluindo grandes algozes nazistas como Adolf Eichmann, Josef Mengele e Klaus Barbie.

Em 2007, a Argentina entregou ao Museu do Holocausto em Buenos Aires o documento de viagem usado por Adolf Eichmann – um dos principais artífices da “Solução Final” – para fugir da Europa e entrar na Argentina, após a 2a Guerra Mundial. Uma juiza encontrou o documento em um arquivo judicial empoeirado. O documento havia sido emitido pelo CICV.

A Cruz Vermelha afirma que os documentos foram fornecidos inadvertidamente aos nazistas em meio às dezenas de milhares de pessoas que receberam documentos de viagem da organização. No entanto, correspondência interna entre as delegações da Cruz Vermelha em Gênova, Roma e Genebra mostram que a organização estava bem ciente de que os nazistas estavam se aproveitando desses documentos.

Julgamentos em Nuremberg

Os mesmos “humanitários” que se calaram diante do genocídio, se manifestaram aberta e publicamente em defesa de nazistas. Quando a guerra terminou, os Aliados decidiram responsabilizar os líderes nazistas pela guerra e pelo Holocausto. No dia 20 de novembro de 1945, foi instalado na cidade de Nuremberg, Alemanha, o tribunal aliado que, ao fim do conflito mundial, julgou os líderes nazistas por seus crimes de guerra e contra a humanidade, com ênfase no assassinato de milhões de judeus. Os criminosos de guerra nazistas tiveram um direito que eles próprios jamais concederam a suas vítimas: o direito à defesa.

A liderança do CICV foi altamente crítica em relação aos julgamentos em Nuremberg. Burckhardt, por exemplo, chamou esses julgamentos de “vingança judaica” disfarçada em justiça dos Aliados. Para muitos no CICV, os julgamentos em Nuremberg poderiam questionar tanto suas alianças pessoais quanto a neutralidade da organização humanitária.

Em agosto de 1949, Burckhardt e Max Huber enviaram uma carta ao presidente dos EUA, Harry S. Truman, pedindo-lhe para anular ou suspender a condenação de Ernst von Weizsäcker, em Nuremberg. O ex-presidente e o atual presidente da Cruz Vermelha alegaram que Weizsäcker havia auxiliado o CICV em várias ocasiões durante a guerra. Weizsäcker foi um diplomata nazista de alto escalão que atuou como secretário de Estado do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha nazista, entre 1938 e 1943.

No caso de Joachim von Ribbentrop, Burckhardt afirmou que um estadista em grande perigo merecia ajuda. Ribbentrop foi um político alemão, ministro das Relações Exteriores da Alemanha nazista entre 1933 e 1945 e uma das principais figuras do Terceiro Reich.

Nazistas buscando e obtendo testemunhos de oficiais do CICV novamente demonstravam a estreita relação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha com o Terceiro Reich.

Maguen David Adom

Fundada em 1930, em Tel Aviv, a Maguen David Adom (Estrela de David Vermelha) é o serviço nacional de emergência médica e desastres de Israel. Até 2006, a Maguen David Adom tinha apenas o status de “observador” dentro do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

Por décadas, a adesão da Maguen David Adom ao Movimento Internacional da Cruz Vermelha foi negada. A Cruz Vermelha não aceitava acrescentar a Estrela de David vermelha aos símbolos que representam a assistência e o socorro aos feridos e aos doentes em situações de emergência. E a Maguen David Adom se recusava a substituir a estrela pela cruz. Esses símbolos são usados para proteger tanto as vítimas quanto aqueles que vêm ao seu socorro. A Cruz Vermelha afirmava que acrescentar mais símbolos levaria à confusão sobre quais emblemas protegem os trabalhadores humanitários.

Além do símbolo da Cruz Vermelha, em 1929, a organização aprovou o uso de dois símbolos adicionais – o crescente vermelho, usado pelos países muçulmanos, e o leão e sol vermelhos, símbolo usado pelo Irã até 1980. O crescente vermelho foi introduzido pelo Império Otomano alegando que uma cruz poderia ofender a sensibilidade dos muçulmanos. Uma limitação foi então imposta à aceitação de quaisquer outros emblemas.

A mudança em relação ao Maguen David Adom veio quando a Cruz Vermelha Americana começou a pressionar a organização internacional, chegando a reter suas contribuições anuais. Em 2000, a Dra. Bernadine Healy, então presidente da Cruz Vermelha Americana, fez um discurso em Genebra denunciando “uma traição aos princípios sagrados deste movimento” em sua política em relação a Israel. “Isso é algo que devemos corrigir, para que a exclusão da Maguen David Adom não seja percebida como parcial, tendenciosa, discriminatória ou politicamente motivada”, disse ela. Healy também se encontrou em particular com Cornelio Sommaruga, na época presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Como Healy recorda, Sommaruga disse: “Vamos esquecer as delicadezas. Isso é terrível. É uma questão delicada e complicada que você não entende. Se eu tiver que admitir a Estrela de David, então terei que admitir a suástica!”

Em 2006, a Maguen David Adom foi finalmente reconhecida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha como uma sociedade de ajuda nacional do Estado de Israel sob as Convenções de Genebra e se tornou membro da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

7 de Outubro

No dia do pogrom de 7 de outubro, após o Hamas invadir Israel e assassinar aproximadamente 1.200 pessoas, sequestrar cerca de 250 pessoas, incluindo mulheres, crianças, um bebê e idosos, estuprar e mutilar mulheres, decapitar pessoas e queimar bebês, o CICV emitiu um comunicado à imprensa pedindo “a todas as partes que respeitem suas obrigações legais segundo o direito internacional. Civis e profissionais da área de saúde devem ser respeitados e protegidos em todos os momentos”. Isso foi tudo o que a Cruz Vermelha pôde dizer sobre o pior massacre de judeus desde o Holocausto. O comunicado também incluiu “todas as partes” mesmo antes que Israel pudesse responder aos ataques. O CICV falhou em condenar um grupo terrorista que sistematicamente viola as Convenções de Genebra e os princípios do direito internacional humanitário. No entanto, logo as notas de imprensa, que não demonstraram empatia pelas vítimas judias, citando novamente neutralidade, se manifestaram a favor dos palestinos.

De acordo com um relatório do UN Watch, organização não-governamental com sede em Genebra, cuja missão é monitorar o desempenho das Nações Unidas, e do Instituto de Justiça de Jerusalém, a Cruz Vermelha Internacional adotou uma abordagem extremamente tendenciosa em relação à guerra Hamas-Israel em suas redes sociais. De 7 de outubro a 28 de novembro de 2023, dos 187 tweets publicados pelas principais contas da Cruz Vermelha no X (Twitter), incluindo os da presidente do CICV, Mirjana Spoljaric Egger, e do diretor-geral, Robert Mardini, 77% estavam focados em criticar Israel, explicita ou implicitamente. Vinte e nove tweets (16%) criticaram ambos os lados e apenas 7% dos tweets criticaram o Hamas.

As publicações falam sobre o sofrimento dos palestinos, mas não mencionam o sofrimento dos civis israelenses no dia 7 de outubro ou depois. Não há postagens, imagens, gráficos ou vídeos destacando os danos sofridos por Israel em 7 de outubro, nem há postagens sobre as dezenas de milhares de foguetes lançados em direção a Israel. Houve algumas referências à tomada de reféns. O viés desse conteúdo alimenta a narrativa antissemita, distorce os fatos e influencia a percepção pública.

Se tudo isso não bastasse, o CICV falhou por completo em sua missão central, que deveria ser garantir a libertação dos reféns. A Cruz Vermelha não conseguiu nem mesmo visitá-los ou fornecer-lhes os medicamentos necessários. A inação continuou mesmo após relatos de tortura, abuso sexual, falta de comida e cuidados médicos. Em 23 de dezembro de 2023, a presidente do CICV, Mirjana Spoljaric, chegou ao ponto de culpar Israel, dizendo ao Canal 12 que “ambos” Hamas e Israel eram responsáveis pelo fracasso do CICV em obter acesso aos reféns.

Desde a captura de reféns pelos terroristas que invadiram Israel no dia 7 de outubro, seus familiares têm apelado incessantemente à Cruz Vermelha para ajudá-los de alguma forma. No entanto, quando se trata de vítimas judias e do Estado de Israel, parece que o CICV novamente escolheu o silêncio.

Bibliografia

Steinacher, Gerald, Humanitarians at War: The Red Cross in the Shadow of the Holocaust

‘Overwhelmingly’ Biased Against Israel, artigo publicado em 11 de dezembro de 2023 no site https://unwatch.org

Fallout at the Red Cross, artigo publicado em 24 de dezembro de 2001 no site da revista do jornal The New Yorker,
https://newyorker.com/magazine