O renascimento da Língua Hebraica e sua transformação em língua moderna devem-se aos intelectuais judeus, escritores e filósofos da Diáspora que participaram do movimento do Iluminismo Judaico (Haskalá), iniciado no século 19, na Europa Ocidental.

Esses homens contribuíram de forma significativa para dar à língua hebraica o status de língua nacional moderna. A língua sagrada, Lashon Hakodesh, que, durante séculos, serviu ao Povo Judeu em suas preces e orações, foi laicizada e passou a ser usada como língua “cultural secular”, antes mesmo de se tornar a língua de uso diário do empreendimento sionista.

A fase decisiva do Renascimento da Língua Hebraica foi sua transformação em Low-language, isto é, sua penetração e seu uso em todas as atividades da linguagem do homem em sua rotina diária – no seio da família, no trabalho, no consumo cultural, social e público. Esta fase, entretanto, só pôde ser concretizada graças à determinação dos grupos sionistas seculares. 

Em Israel, a língua hebraica passou a ser a língua dominante em todos os setores da vida diária, absorvendo influências de várias outras línguas tais como iídiche, russo e árabe, estas responsáveis pelas modificações que foram introduzidas inicialmente não somente em seu léxico, como também na fonologia e na sintaxe da língua. Nesse sentido, como as demais línguas modernas vivas e em uso são sujeitas a infinitos contatos com outras línguas nacionais, a língua hebraica até os dias de hoje encontra-se em um constante processo de hibridização.

O Renascimento Nacional Judaico e o Idioma Nacional

Por cerca de 1300 anos, desde que os judeus conquistaram a Terra de Israel até após a revolta de Bar-Kochba (131-134, E.C.) os judeus falaram hebraico. Durante o exílio, vivendo na Diáspora por cerca de dezessete séculos, passaram a falar outras línguas até o renascimento da língua hebraica, há cerca de 140 anos (1880). O renascimento da Língua Hebraica implica em sua ressurreição como língua falada e em uso, tanto na vida pública e na administração comunitária, como na esfera privada e familiar. 

O movimento que se desenvolve em torno do propósito de regenerar a vida do Povo Judeu, restabelecer o hebraico como língua corrente e renovar a nacionalidade judaica em Israel tem expoentes como Leon Pinsker (1821-1891), Eliezer Ben Yehuda (1863-1932), Itzhak Peretz (1851-1915) e, em especial, Haim Nachman Bialik (1873-1934) e Saul Tchernikhovski (1875-1943). Enquanto o primeiro enalteceu o despertar coletivo do sentimento e da consciência nacional do judeu, o último destacou o judeu como indivíduo.

A mudança no estilo do hebraico produziu-se de acordo com as tendências de todas as línguas mais importantes, que, na segunda metade do século 19, relegaram a um segundo plano o classicismo e aceitaram elementos provenientes de dialetos e dos novos idiomas coloquiais urbanos de jargões técnicos e da conversação. No caso específico do hebraico, o estilo de um idioma mais flexível e aberto ou “hebraico total” já havia sido adotado pelos escritores judeus do Leste Europeu, acostumados com o iídiche e com a literatura clássica do Judaísmo da Mishná.

O centro de gravidade desta literatura deslocou-se gradativamente para a Terra de Israel, a partir do início do século 20, mas somente depois de 1918 esse fato se tornou mais palpável, não apenas porque os principais autores judeus emigraram para lá, por força das tendências e circunstâncias políticas reinantes na Europa, mas também porque a crescente comunidade judaica na Palestina sob Mandato Britânico passou a desempenhar um papel cada vez mais importante na vida dos judeus da Diáspora.

Expoente principal do renascimento da língua hebraica na Terra de Israel, Eliezer Ben Yehuda emigrou para a Palestina na época do Império Otomano, em 1881. Antes, porém, em 1879, em Viena, publicou no “Hashachar” um artigo intitulado “Um problema importante” no qual apresentava a questão do nacionalismo moderno (“leumiut”) como modular e o reassentamento dos judeus na Palestina Otomana como a única solução para todos os problemas do Povo Judeu. “Os judeus evidentemente não poderiam sobreviver como nação sem retornar à terra de seus antepassados, mas tampouco sobreviveriam como entidade nacional definida sem um idioma próprio, sem a língua de seus progenitores, a qual deveria ser utilizada não somente na sinagoga e nas revistas literárias, mas também para fins de comunicação cotidiana em todos os assuntos, a qualquer hora do dia ou da noite” (segundo Sivan, R., 1970).

Em sua visão linguística, Ben Yehuda introduziu o uso do hebraico falado não somente no âmbito familiar e entre amigos, mas também iniciou o ensino da língua hebraica nas escolas, sobretudo comoidioma exclusivo nas salas de aula em que as demais matérias eram ensinadas. 

Ben Yehuda lecionou na primeira escola hebraica em Jerusalém e atuou como assistente de diretor de um jornal jerosolimitano. Antes de divulgar o hebraico vernáculo e cunhar novas palavras e conceitos que se faziam necessários à nova realidade, examinava as fontes clássicas do hebraico: o Tanach, a Mishná, o Talmud, os Midrashim e a Literatura Medieval, com o objetivo de descobrir termos abandonados e esquecidos.

O grupo de jovens que aderiu prontamente à ideia de falar hebraico em todas as situações da vida moderna era composto de jovens intelectuais vindos do Leste Europeu, em consequência da onda de pogroms que havia assolado a Rússia, e que desejavam construir uma vida nova tão diferente quanto possível da que haviam conhecido na Europa. Os jovens se estabeleceram em colônias agrícolas e, posteriormente, em Tel-Aviv, que viria a ser a primeira cidade exclusivamente judaica do país. A fim de garantir e promover a modernização da língua, foram fundadas sucessivas associações e, em 1890, finalmente, se criou o “Vaad Halashon” – Conselho da Língua Hebraica – presidido por Ben Yehuda até o seu falecimento, em 1922. Em 1948, com a criação do Estado de Israel, o Conselho converteu-se na Academia da Língua Hebraica. 

O processo de revitalização do hebraico, sua transformação efetiva em língua de comunicação e de uso diário, foi realizado por intelectuais e escritores de uma ampla e rica cultura judaica. Eles próprios se consideravam “revitalizadores” da língua hebraica, até então utilizada como “língua sagrada”. A tarefa de “renascimento” foi empreendida por esses intelectuais de forma cuidadosa e sob uma profunda reflexão. Esta concepção, entretanto, modificou-se radicalmente com a geração dos “sabras” (filhos dos imigrantes nascidos na Terra de Israel), cuja língua materna era o hebraico secular desprovido totalmente de qualquer conotação de língua religioso-secular.

Esta primeira geração impregnada de sua privilegiada posição de judeus não diaspóricos, nascidos em Israel sob a égide da ideologia sionista do “novo judeu”, cunhou um estilo peculiar de conversação, de gramática e de vocabulário. O hebraico dessa geração caracterizou-se por um estilo de fala informal, ríspido e econômico, avesso às formas de tratamento consideradas civilizadas e educadas e à arte da retórica. Seu objetivo maior na fala era ressaltar o aspecto coletivo e a eficácia na comunicação intergrupal.

A mistura de códigos linguísticos proposta por Ben Yehuda e pelos demais intelectuais pertencentes à sua geração, em oposição às gerações de sabras, somada às ondas sucessivas de imigrantes que chegam a Israel e o processo da globalização com a predominância da língua inglesa hegemônica no mundo atual, vêm produzindo em Israel uma tendência de constantes inovações na língua hebraica. Isso é resultado de múltiplos estratos de diferentes camadas de conversação e de diferentes grupos sociais. Esses fenômenos refletem a complexidade que envolve as transformações ocorridas na língua hebraica, em Israel e na Diáspora.

Entre Israel e a Diáspora

Passadas algumas décadas após o restabelecimento do Estado Judeu em Israel, o hebraico se tornou a principal língua judaica e, sobretudo, a principal língua a ser estudada nas escolas da Diáspora. Desde então, passou a gozar de um status peculiar e singular em todas as coletividades judaicas.

De fato, o hebraico que sempre prevaleceu na Diáspora, quer como uma língua sagrada ou literária, sofreu transformações semânticas morfológicas e sintáticas em consequência da nova realidade israelense. Em Israel, o hebraico-israelense foi amplamente reconhecido pela sociedade como língua de prestígio, tornando-se sinônimo do “novo judeu”, cujo falar expressava a condição dos sabras, geração nascida em Israel, em oposição aos judeus da Diáspora. Na condição de judeus nascidos em Israel os sabras sentiram-se à vontade para usar a língua à sua maneira, uma vez que para eles o hebraico era a língua nacional – língua materna – desprovida do carisma de língua “sagrada-secularizada”. 

O Holocausto dizimou a maioria dos judeus falantes do iídiche, que perdurou durante um longo período como o centro da autêntica cultura judaica ashquenazita. Os judeus pós-1945, encabeçados pelo Judaísmo americano, começam a experimentar um novo estilo de vida. Apesar do antissemitismo velado, viviam em modernos países democráticos, com plenos direitos como cidadãos, sendo-lhes permitida a manutenção e preservação de sua singularidade cultural e religiosa. 

Nesse novo contexto, abriu-se para esses judeus – e não são poucos os que o quiseram – a possibilidade de se assimilar cultural e socialmente e, sobretudo, imprimir uma nova identidade coletiva. Dado ao afastamento que ocorreu com o enfraquecimento das raízes culturais judaicas entre os imigrantes e o aumento dos casamentos entre judeus e não judeus, o número de judeus diminuiu consideravelmente fora de Israel e, particularmente, em alguns países. Nessa realidade em que judeus e não judeus convivem lado a lado, diminuíram e se desgastaram as línguas judaicas que, durante centenas de anos, haviam perdurado como línguas de criatividade cultural e instrumentos de comunicação.

O inglês tornou-se a língua franca no mundo atual e imprimiu de forma marcante sua influência tanto em Israel como no mundo judaico. Somados, os judeus dos Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia, que representam aproximadamente 60% do total dos judeus de todo o mundo, é notável o número de intelectuais judeus de Israel e outros países e, sobretudo, cidadãos israelenses provenientes de todas as camadas sociais, que falam e estudam inglês com fins acadêmicos e profissionais, desde o jardim de infância até a universidade. De fato, em Israel, a língua inglesa adquiriu, embora não oficialmente, um status extremamente poderoso como segunda língua, e vem influenciando de forma significativa a língua hebraica.

Cabe lembrar, entretanto, que mesmo sendo o inglês a língua franca e hegemônica no mundo, esta não é reconhecida como uma língua judaica. Este lugar é reservado à língua hebraica.

Para Ben Rafael, o status adquirido pela língua hebraica no mundo judaico deve ser atribuído, sobretudo, à relação paradoxal que se estabeleceu entre Israel e a atual Diáspora designada como transnacional. Nesse contexto, a língua hebraica passou a desempenhar uma função exclusiva, peculiar, entre o Povo Judeu.

Já há vários anos os judeus em Israel representam uma parte importante do Judaísmo mundial. Atualmente, com seus aproximadamente 6,5 milhões, ocupam a maior concentração de judeus do mundo, superior aos seis milhões que moram nos Estados Unidos. Sob este aspecto, a relação que se mantinha com Israel e com os judeus de Israel não depende mais do Sionismo, mas da própria existência do Estado de Israel e da solidariedade coletiva que se criou entre todo o Povo Judeu (לארשי ללכ).

Israel e, anteriormente ao ano de 1948, a Eretz Israel, a Terra de Israel, era um dos destinos dentre outros da imigração judaica na história moderna. Isso se deve a fatores religioso-culturais atribuídos no Judaísmo à Terra de Israel e, mais recentemente, na contemporaneidade, à concepção nacional-sionista judaica. São precisamente estes fatores os responsáveis pelo envolvimento da comunidade judaica mundial na construção de Eretz Israel e do Estado de Israel.

De uma forma ou de outra a comunidade judaica mundial prestou contribuições às ieshivot (academias rabínicas). Várias instituições filantrópicas lideradas pelo Barão Rothschild ajudaram a primeira Aliá (primeira onda migratória), na antiga comunidade de Eretz Israel, e a Agência Judaica Mundial apoiou as Aliot (imigrações) dos pioneiros. Da mesma forma, outras organizações de apoio ligadas aos acontecimentos da sociedade israelense, tais como “Hadassah”, “Wizo” e “Amigos da Universidade de Jerusalém”, vêm contribuindo até os dias de hoje à sociedade israelense e ilustram aspectos da inter-relação e interface do mundo globalizado na era das Diásporas transnacionais. Essa relação nos ilustra a definição do Estado de Israel como um “Estado Judeu” e como um Estado para o “Povo Judeu”, ou seja, a concepção que prevalece para a grande maioria na Diáspora de que o Estado de Israel é parte integrante do Povo Judeu. 

É precisamente esta relação que torna a língua hebraica complexa e multifacetada, na atual realidade judaica na Diáspora. Por um lado, o permanente apoio oferecido pelos judeus da Diáspora a Israel e suas instituições cria uma dependência com a Diáspora. Por outro lado, Israel ocupa um lugar significativo na vida judaica da Diáspora, considerada como central na abordagem, interesse e ligação da existência coletiva judaica na atualidade. Essencialmente, a natureza dessa relação poderia ser definida como um círculo em permanente estado de mudança. 

Israel se tornou atualmente um repositório de onde a Diáspora absorve seu manancial de símbolos para representar o seu Judaísmo como parte do mundo judaico. Pratos típicos israelenses, música e dança se tornaram símbolos judaicos em seus eventos comemorativos. Da mesma forma, a literatura israelense atualmente traduzida ao francês, inglês e demais línguas estrangeiras vem ocupando um lugar de destaque no mundo, tendo sido concedido à língua hebraica um status e reconhecimento como sendo a principal língua judaica na atualidade.

Após a criação do Estado de Israel, a língua hebraica ensinada na Diáspora, quer seja como língua sagrada ou literária, em instituições religiosas ou laicas sionistas e não sionistas, passou a ser adotada em todas as instituições judaicas como a principal língua judaica, sendo ensinada segundo o padrão de língua hebraico-israelense dominante em Israel em todas as escolas judaicas da Diáspora. Este também é o hebraico ensinado nas diversas universidades, mundo afora, nos departamentos de Estudos Judaicos e ainda é estudada e ensinada nas instituições do movimento religioso Chabad Lubavitch1. Cabe mencionar, ainda, o uso da língua hebraica nas orações nas sinagogas, em cerimônias comunitárias nas datas ligadas ao calendário judaico ou em eventos cívicos do Estado de Israel, bem como nos festivais de filmes israelenses. De fato, a língua hebraica israelense é a principal língua judaica na atualidade.

Ainda assim, entretanto, é muito limitado o conhecimento da língua hebraica no mundo judaico. O tema do ensino e a aprendizagem desse idioma na Diáspora tem sido um desafio para todos aqueles que trabalham com a educação judaica. Normalmente apresentam um conhecimento maior os ativistas de instituições comunitárias, professores, rabinos ou pessoas que permaneceram certo tempo em Israel; jovens que passaram por escolas judaicas, movimentos juvenis ou pelos diversos programas oferecidos pela Agência Judaica em Israel. Entre esses encontramos uma porcentagem razoável dos que adquiriram a língua e a falam com certa fluência por certo período, após sair das escolas ou dos movimentos juvenis. 

De forma paradoxal, o segmento que tem melhor conhecimento da língua hebraica é justamente o dos haredim – judeus ortodoxos. Este grupo argumenta em favor da preservação do iídiche como língua de comunicação e, em favor de adotar o inglês, francês ou russo como língua oficial, para facilitar o relacionamento de Israel com o mundo não judaico. A língua sagrada estudada nesses segmentos religiosos aproxima-se cada vez mais da língua falada pelos ortodoxos que vivem em Israel e tem sido usada, de forma recorrente, pelos grupos ortodoxos que, na condição de turistas, estudam nas ieshivot de Jerusalém ou de Bnei Brak. Sem esquecer, certamente, do movimento Chabad, que a adotou como língua de comunicação por seus emissários tanto em Israel como na Diáspora. 

O segmento que vem contribuindo de forma significativa para a presença da língua hebraica na Diáspora é, sobretudo, o da “Diáspora israelense”, que, atualmente, é parte integrante do Judaísmo mundial. Este grupo certamente fala o hebraico como os demais israelenses, sendo que seus filhos não necessariamente dominam a língua. O grupo majoritário não israelense e não ortodoxo contenta-se com palavras e expressões hebraicas retiradas da cultura judaica e, quando necessário, expressa seu Judaísmo em uma língua estrangeira. 

Dessa forma podemos reiterar que, na atual realidade social-histórica, a língua hebraica se tornou a principal “língua judaica” na Diáspora, mas, ao mesmo tempo, um vetor não homogêneo de identificação linguístico-cultural e, consequentemente, de identidade judaica. 

BIBLIOGRAFIA

AGNON, S. I. La Lengua Sagrada como um Idioma Escrito (p.17-21) in Ariel Revista de Artes Y Ciencias de Israel - número 19 - ano 1970.

BEN-RAFAEL, Eliezer. Identity and Language in Transnational Diasporas: New Horizons for Hebrew. In: The Hebrew Language in the Era of Globalization. Editors Nava Nevo & Elite Olshtain. The Hebrew University Magnes Press, Jerusalem, 2007.

GUINSBRUG, J. Guia Histórico da Literatura Hebraica. Editora Perspectiva S.A. São Paulo, 1977.

IUSSIM, Henrique: El renacimimiento de la Lengua Hebrea. In: Ariel Revista de Artes y Ciências de Israel. Jerusalém. Número 19. Ano 1970.

SIVAN, Reuvén. Ben Yehuda y el Renacimento de la Lengua Hebrea. In: Ariel Revista de Artes y Ciências de Israel. Jerusalém. Número 19. Ano 1970.

Bibliografia na íntegra disponível no site www.morasha.com.br

Esther Szuchman  é Professora Doutora em Língua Hebraica, Cultura E Literatura judaica. UNiversidade Hebraica de Jerusalém e USP.