Há 70 anos, uma lei do Knesset criava o Memorial Yad Vashem. Primeiro museu no mundo dedicado ao Holocausto, recebeu uma missão sagrada: documentar a história dos judeus durante a Shoá, preservando a memória de cada uma das mais de seis milhões de vítimas. Liskor veló Lishkoach, “Lembrar e não Esquecer”, é um mandamento para a nossa geração e para todas as futuras gerações de nosso povo – manter a Shoá viva em nossa memória.
Erguido no topo do Monte da Recordação (Har Hazikaron), em Jerusalém, Yad Vashem, o Centro Mundial da Memória da Shoá, preserva e divulga os fatos históricos sobre a enormidade e singularidade da tragédia sofrida por nosso povo. Hoje, praticamente oito décadas após o fim da 2ª Guerra, são poucos os sobreviventes da Shoá ainda vivos, testemunhas do mal absoluto que tomou conta da Europa durante 12 longos e intermináveis anos. Perante o negacionismo da Shoá, a forte onda de antissemitismo e a indevida e repugnante utilização do termo “Holocausto” e “nazistas” em discursos políticos, torna-se cada vez mais importante disseminar o conhecimento e informações historicamente corretas sobre esse terrível capítulo da história da humanidade.
Anualmente, mais de um milhão de pessoas, de diferentes religiões e nacionalidades, visitam Yad Vashem. Depois do Muro das Lamentações (o Kotel Hamaaravi), o memorial é o lugar mais procurado de Jerusalém. Desde sua fundação, Yad Vashemampliou seu espaço físico, ocupando atualmente 182.000 m2 no Har Hazikaron. O Complexo Yad Vashem é constituído por vários museus, centros de educação e pesquisa, monumentos e memoriais. Destacam-se, dentre estes, o “Museu Histórico”, o “Centro da Lembrança”, o “Vale das Comunidades” e o “Memorial das Crianças”. Suas áreas de atuação hoje englobam: Recordação, Documentação, Educação, Pesquisa, Páginas de Testemunhos, Banco de Dados de Nomes de Vítimas da Shoá e Conexões e Descobertas.
A era da Shoá
Historiadores consideram que a era do Holocausto ou Shoá, palavra hebraica que significa “catástrofe”, foi iniciada em janeiro de 1933, com a chegada de Hitler ao poder na Alemanha, e terminou em 7 de maio de 1945, quando a Alemanha nazista, derrotada, rendeu-se incondicionalmente aos Aliados.
O Terceiro Reich declarara uma guerra sem fronteiras contra o nosso povo, visando sua total aniquilação. Os judeus, uma minoria civil desarmada, disseminada pela Europa e no Norte da África, encontravam-se numa situação extremamente difícil. Não possuíam um Estado, tampouco forças de combate, muito menos aliados. Nenhum país estava disposto a abrir suas portas para nossos irmãos e a Grã-Bretanha, potência mandatária na então Palestina, restringira ao máximo a imigração de judeus a Eretz Israel. A guerra do Terceiro Reich contra nosso povo continuou até o dia da rendição alemã. Dois terços dos judeus da Europa, representando mais de seis milhões de seres humanos – um milhão e meio dos quais, crianças – haviam sido assassinados e milhares de comunidades judaicas, completamente arrasadas.
Elie Wiesel, a contundente voz da memória da Shoá, não cansava de repetir que o mundo tem a obrigação moral de lembrar as vítimas. Um trágico pedido foi encontrado em inúmeras mensagens rabiscadas por judeus que sabiam que os nazistas estavam cada vez mais perto e seu fim era próximo: “Peço que meu nome seja lembrado”. Wiesel afirmava: “Esquecer as vítimas é o mesmo que matá-las uma segunda vez”.
Yad Vashem, no entanto, é um memorial não apenas para os milhões de judeus que foram mortos, mas também para o heroísmo e a bravura dos partisans judeus e dos combatentes nas revoltas nos guetos, bem como pelos atos dos não judeus que salvaram a vida de nossos irmãos – estes são os conhecidos como os “Justos entre as Nações”.
Yad Vashem, nome escolhido para o Centro da Memória da Shoá, reflete sua missão. Foi retirado do livro do profeta Isaías (56:5): “Em Minha casa e no recinto de Meus muros (no original, em hebraico, aqui constam as palavras Yad Vashem), E a eles Eu darei um lugar de honra e de destaque ....; um nome Eu lhes darei, que para sempre há de perdurar”. O versículo deve ser entendido como “Darei a eles, em Minha casa e entre Minhas paredes, um lugar que perdure (um memorial) para nele guardar seus feitos, e assim seu nome (shem) há de perdurar”.
Um importante parêntese: a linguagem determina a maneira como pensamos. Portanto, é fundamental esclarecer o significado de dois termos: “Holocausto” e “Shoá”, que, apesar de serem usados como sinônimos, transmitem ideias diferentes.
O mais utilizado dos termos, “Holocausto”, deriva do grego holokauston, que significa “oferta, a uma divindade de um sacrifício totalmente queimado”. Ao usar esse termo quando nos referirmos ao extermínio de mais de seis milhões de judeus, estamos verbalmente associando os que foram assassinados pelos nazistas a “vítimas de sacrifício”, e os nazistas, autores da matança, a “oficiantes sacerdotais”. É uma ideia absurdamente grotesca a imagem de nazistas queimando milhões de judeus como se fossem “oficiantes envolvidos em atos de propiciação divina”. A palavra “Shoá”, por outro lado, tem sua raiz bíblica no termo “shoah u-meshoah” (devastação e desolação) que aparece no Tanach tanto no Livro de Sofonias (1:15) quanto no Livro de Jó (30:3). Esse termo se refere a uma catástrofe ou destruição em larga escala, e é usado para enfatizar a magnitude e o horror da calamidade que se abateu sobre nosso povo, na Europa e no Norte da África, no período de 1933 a 1945.
A ideia de um memorial
A ideia de estabelecer, em Eretz Israel, um memorial para as vítimas da Shoá surgiu quando começaram a circular os relatos sobre o assassinato em massa dos judeus nos países ocupados pelos alemães. Em setembro de 1942, durante uma reunião do Fundo Nacional Judaico – Keren Kayemet Le Israel (KKL), Mordecai Shenhavi levantou a ideia de erguer um memorial na Terra de Israel que servisse de “testemunho do sofrimento e bravura de nossos irmãos; uma evidência do destino de uma nação sem pátria; um memorial para as comunidades de Am Israel, o Povo Judeu, que foram totalmente arrasadas”. Foi o rabino Moshe Burstein, quem, no final de 1942, sugeriu o nome “Yad Vashem – um monumento aos assassinados”.
Após o término da 2ª Guerra, face à extensão da catástrofe, tornou-se imperativo criar um memorial em honra dos milhões de judeus mortos.
Uma intensa experiência
O primeiro edifício do museu foi inaugurado em 1957. Em 1994 foi aprovado o projeto “Yad Vashem 2001”, cujo objetivo era criar um museu mais moderno. A idealização do projeto ficou a cargo do renomado arquiteto israelense Moshe Safdie, internacionalmente consagrado. A realização da ampliação, bem como a de outros projetos, foi totalmente financiada por doações. O novo complexo foi construído como uma extensão da estrutura existente e, em março de 2005, inauguravam-se as novas instalações.
O Museu Histórico do Holocausto é o componente central do Complexo Yad Vashem. A coluna vertebral do atual complexo é um prisma triangular que corta a encosta, penetrando pelo Sul e emergindo ao Norte, em direção a Jerusalém. Uma rede de galerias subterrâneas iluminadas por luz natural alinha os dois lados do prisma.
Ao adentrar o Museu Histórico penetra-se no mundo criado pela Alemanha Nazista para desmoralizar, torturar e eliminar fisicamente outros seres humanos, principalmente judeus, aos quais reservava um “tratamento especial”.
Chega-se ao Museu por uma trilha formada por mais de duas mil árvores. É a “Avenida dos Justos entre as Nações”. No início, cada árvore foi plantada em homenagem a um “Justo”, como são chamados os não judeus que arriscaram sua vida e a de sua família para salvar nossos irmãos durante os anos da Shoá. Com os anos, seus nomes passaram a ser inscritos em paredes de pedra cercadas por árvores plantadas em sua memória. Até janeiro de 2022, 28.217 pessoas foram reconhecidas com o título de “Justo entre as Nações”.
A estrutura idealizada pelo arquiteto Safdie faz com que os visitantes passem do ambiente da Jerusalém urbana, da qual vieram, para o verde vale do Yad Vashem, levando-os gradativamente a uma retrospectiva da Alemanha e da Europa das décadas de 1930 e 40, retratadas nas diferentes alas do Museu. O objetivo é despertar a mente dos visitantes para a extensão da tragédia.
No primeiro espaço são retratadas as políticas antijudaicas na Alemanha no período de 1933 a 1939: a ascensão do Partido Nacional Socialista ao poder, a indicação de Adolf Hitler como chanceler, a aprovação das Leis de Nuremberg, a Noite dos Cristais, a Conferência de Evian e a eclosão da 2a Guerra Mundial. Passa-se, em seguida, por diferentes alas divididas cronologicamente. Uma delas mostra o estabelecimento pelos nazistas dos guetos na Polônia, ressaltando o Gueto de Varsóvia. Um espaço foi dedicado ao início dos assassinatos em massa, a partir de junho de 1941, com a invasão da então União Soviética pelos exércitos alemães e o início da implementação pelo Terceiro Reich da chamada “Solução Final para a Questão Judaica”, com a criação dos campos de morte. Destes, o maior foi o complexo Auschwitz-Birkenau. Uma ala foi dedicada à Resistência Judaica e aos levantes armados durante a Shoá.
As últimas galerias narram a libertação dos campos de concentração e extermínio pelos aliados, a rendição da Alemanha, e o período após 1945. E ainda, o Julgamento de Nüremberg, quando criminosos de guerra nazistas foram julgados e condenados.
Há ainda outros pavilhões que integram o complexo. Uma sinagoga que funciona como lugar de orações públicas ou privadas, bem como serviços in memoriam pelas comunidades judaicas dizimadas. A sinagoga inclui uma mostra permanente de arcas da Torá (Aron HaKodesh ou Echal) e outras peças de culto recuperadas nas sinagogas destruídas pela Europa.
O Museu de Arte do Holocausto, contém cerca de 10 mil trabalhos, a maioria dos quais do período da Shoá. Expressam um tremendo poder de criação dos artistas, a maioria dos quais estavam à beira do colapso, fisico e mental quando criaram o objeto de arte. Objetos esses que, às vezes, conseguiam sobreviver – mesmo quando o artista não conseguia.
Uma experiência intensa
Impossível visitar Yad Vashem e não ficar abalado e envergonhado de pertencer à mesma humanidade que perpetrou ou permitiu tamanha monstruosidade.
No “Hall dos Nomes”, inaugurado em 1968, estão registrados os nomes dos judeus assassinados pelos nazistas. Milhões de nomes têm sido inscritos desde sua criação. O “Memorial das Crianças”, aberto em 1987, é dedicado ao milhão e meio de crianças judias assassinadas.
O “Vale das Comunidades”, inaugurado no início da década de 1990, traz um mapa da Europa com o nome de cerca de cinco mil comunidades judaicas destruídas durante a Shoá. Às vésperas da 2ª Guerra, cerca de dez milhões de judeus viviam na Europa, dois terços dos quais foram assassinados e grande parte desse mundo desapareceu. O Vale é um testemunho dessas comunidades antes do advento da Shoá.
No “Hall da Recordação” há uma luz que arde incessantemente. É a chama da Luz Eterna (Ner Tamid) que brilha em memória dos milhões de judeus exterminados. Ao redor da chama, estão inscritos na parede os nomes dos 22 campos nazistas e demais locais de matança. Esta área foi criada pelos artistas plásticos israelenses David Palombo e Boris Schatz.
Áreas de atuação
O desenvolvimento tecnológico em diferentes áreas tem sido fundamental para que Yad Vashem ampliasse seu alcance, atingindo um número cada vez maior de pessoas e garantindo a difusão de informações historicamente corretas sobre a Shoá.
Desde sua criação, Yad Vashem vem coletando material para documentar os eventos das décadas de 1930 e 1940. Um de seus processos constantes e ininterruptos é a transferência à instituição de documentos provenientes da Europa e Norte da África, bem como a documentação em filmes do testemunho dos sobreviventes, permitindo, assim, a criação do maior repositório, no mundo, e mais abrangente sobre a Shoá. A instituição tem, atualmente, a maior e mais completa coleção de material sobre esse período, possuindo mais de 220 milhões de páginas de documentação, 520 mil fotografias e 133 mil depoimentos em vídeo, áudio e por escrito.
Há um esforço contínuo para recolher os nomes e histórias de cada judeu assassinado. Hoje, são mais de 4.850.000 os nomes na Base Central de Dados dos Nomes de Vítimas da Shoá.
O Centro Visual, principal recurso de trabalho cinematográfico relacionado à Shoá, permite o acesso a testemunhos dos sobreviventes. Abertas ao público, as informações têm ajudado os sobreviventes a reencontrarem seus familiares e amigos com os quais haviam perdido contato desde os fatídicos acontecimentos. Têm permitido, também, aos descendentes das vítimas, reconstituir a trajetória de suas famílias.
Entre tantas áreas importantes, dois dos grandes projetos de Yad Vashem são a Escola Internacional de Estudos e o Instituto Internacional para a Pesquisa sobre a Shoá. A Escola, criada em 1999, oferece atividades na área da educação sobre esse importante tema. Todos os anos, centenas de milhares de professores e estudantes participam dos programas educacionais, palestras e seminários intensivos em Yad Vashem, tanto online quanto presencialmente. O Instituto Internacional para a Pesquisa, por sua vez, estimula, apoia e oferece estudos avançados sobre o tema. Ano após ano, milhões de pessoas visitam o website do Instituto, agora disponível em oito idiomas. Aproveitando recursos de tecnologia de ponta, a digitalização sistemática de documentos, depoimentos, fotografias, material de arquivo e outros itens de suas vastas coleções realizada pelo Yad Vashem disponibiliza ao público anualmente milhões páginas de conteúdo – incluindo a Base Central de Dados dos Nomes de Vítimas da Shoá, o arquivo fotográfico, a coleção de documentos e o Banco de Dados de Deportações.
Livro dos Nomes
No início deste ano de 2023, Yad Vashem lançou o “Novo Livro de Nomes de Vítimas da Shoá”. Presentes ao ato o presidente de Israel, Isaac Herzog, o presidente do Museu, Dani Dayan, o presidente do Conselho do Museu e sobrevivente do Holocausto, Rabino Israel Meir Lau, além de muitos outros sobreviventes cujos familiares têm seu nome no livro. São mais de 4.850.000 nomes que até, então, estavam disponíveis apenas na Base de Dados dos Nomes de Vítimas da Shoá e que, agora, estarão permanentemente expostos numa ala específica do Museu, sob o título de “Livro dos Nomes”. Foram inseridos, também, data e local de nascimento e de morte das pessoas incluídas, dando, dessa forma, uma identidade e uma história àqueles que, durante uma época de sua vida, eram identificados apenas por números tatuados em seus corpos. Em 2022, foram incluídos cerca de 40 mil novos nomes.
Um vídeo com depoimentos de sobreviventes completa a ala, enfatizando a importância de não deixar desaparecerem os nomes das vítimas. “Cada judeu assassinado durante a Shoá tinha um nome, um rosto e uma história de vida únicos”, disse Dani Dayan, presidente de Yad Vashem. “Eles não eram vítimas anônimas, como os alemães nazistas queriam retratar. Setenta anos depois, continua sendo nosso dever vasculhar todos os arquivos, pesquisar todas as fontes de documentação e revirar todas as pedras para recuperar todos os nomes que possam ser resgatados do esquecimento. A exposição do ‘Livro dos Nomes’ vem restaurar em preto e branco a identidade daqueles judeus assassinados e permitir que toda a humanidade perceba que eles não eram apenas vítimas – mas também seres humanos, como você e eu...”.
Os Comitês de Amigos de Yad Vashem
Através dos anos foram criados em países da Diáspora os Comitês de Amigos de Yad Vashem. Seus membros trabalham na qualidade de emissários de Yad Vashem permitindo que o Memorial preserve e mantenha viva a chama da memória, e que a voz dos judeus assassinados durante a Shoá e o testemunho dos sobreviventes ressoem pelas gerações futuras.
A missão desses comitês é trabalhar para concretização de novos projetos e para desenvolver programas. Também organizam eventos para divulgar o trabalho de Yad Vashem mundo afora. Realizam exposições itinerantes sobre a Shoá nas instituições de ensino e prefeituras pelo mundo. Os Comitês pró Yad Vashem também buscam e coletam informações sobre os não judeus que salvaram nossos irmãos naqueles anos trágicos.
Graças à parceria que o Memorial tem com seus Comitês de Amigos, estão sendo erguidas pontes para fortalecer a tolerância e o respeito mútuo entre os povos e assegurar a transmissão da história dos judeus durante a Shoá.
Apesar de haver Associações de Amigos de Yad Vashem em numerosos países de língua espanhola e portuguesa, até este ano de 2023 nunca houve um comitê no Brasil. Temos a grata satisfação de comunicar que o mesmo se tornou realidade em junho deste ano, quando a Vicky Safra aceitou o convite do presidente de Yad Vashem, Dani Dayan, para presidir a Associação de Amigos de Yad Vashem no Brasil. Ao aceitar, Vicky Safra disse estar ciente da grande responsabilidade que lhe foi conferida e que se empenhará para manter viva a lembrança da Shoá e lutar contra a desinformação sobre o Holocausto no Brasil. “Vou trabalhar para que o lema ‘Lembrar e não esquecer’... se torne uma realidade no Brasil”.
Maiores informações sobre a Associação de Amigos – com Marcelo.Goldin@yadvashem.org.il