Oração central do Judaísmo, a Amidá é recitada em pé e em voz baixa três vezes ao dia: durante as preces de Shacharit (matinais), Minchá (vespertinas) e Arvit (noturnas). Profere-se uma adicional, denominada Mussaf, no Shabat, em Rosh Chodesh (início do mês) e nas Festas Judaicas.

De acordo com o Talmud(Bavli, Berachot 26b), as três orações diárias do Judaísmo estão associadas a rituais religiosos, em especial aos sacrifícios realizados pelos Cohanim (sacerdotes) no Templo Sagrado de Jerusalém. Após a destruição do Templo, instituíram-se as preces em lugar desses rituais, conforme proclamou o profeta Hoshea: “Substituiremos os touros pelos nossos lábios” (Hoshea 14:3). O Mussaf, que se traduz por “adicional” ou “suplementar”, está relacionado aos sacrifícios adicionais oferecidos durante o Shabat, Rosh Chodesh e as Festas Judaicas (Yamim Tovim e Chol HaMoed).

Em Rosh Hashaná, o Mussaf assume uma importância central. Minucioso e poético nessa ocasião, é uma das orações mais extensas e comoventes da liturgia judaica. Aborda os principais temas da festa, descreve eventos decisivos da História humana e judaica, além de incorporar o som do Shofar, tocado pelo Chazan (cantor).

Em geral, o Mussaf é composto por sete bênçãos, seis que, como padrão, estão presentes em todas as Amidot e uma adicional chamada Kedushat HaYom (Santificação do Dia). Esta última realça a singularidade da ocasião, seja Shabat, Rosh Chodesh ou uma Festa Judaica, e descreve os sacrifícios adicionais realizados na ocasião no Templo Sagrado de Jerusalém.

O Mussaf singularde Rosh Hashaná inclui nove bênçãos, entre as quais três suplementares ligadas aos temas essenciais da festividade: Malchuyot (Reinado ou Soberania), Zichronot (Recordações) e Shofarot (Sons do Shofar). Estas são apresentadas, conforme esclarecido pelo Midrash, em uma sequência específica: Malchuyot, que simboliza a aceitação da soberania de D’us; Zichronot, que representa a súplica para que Ele Se “lembre”, isto é, considere nossos méritos e os de nossos antepassados em Seu julgamento; e Shofarot, que alude ao toque do Shofar como um chamado à misericórdia Divina. Como reforça o Midrash: “Primeiro, reconheça-O como seu Rei e, depois, rogue por misericórdia para que Ele Se lembre de você. Como fazer isso? Por meio do Shofar” (Sifrei, Bamidbar 77). De acordo com o Talmud(Mishná, Rosh Hashaná 32b), cada uma das três bênçãos deve incluir dez versículos do Tanach. Esses trechos específicos foram selecionados devido à sua relação com o tema da respectiva bênção.

A bênção de Malchuyot

Rosh Hashaná tem como tema central Malchuyot, que simboliza o Reinado e a Soberania Divina. Essa festa religiosa de dois dias, que marca o início do Ano Judaico, é a ocasião na qual simbolicamente coroamos D’us como nosso Rei, em claro reconhecimento e submissão à indiscutível primazia de D’us. A imagem metafórica do Altíssimo como o Rei Supremo, que ecoa através do Tanach e da liturgia judaica, constitui um tema recorrente no Judaísmo. Quase todas as bênçãos referem-se a Ele como Melech HaOlam, o Rei do Universo. Aoressaltar Sua autoridade total e absoluta, bem como Seu domínio sobre todos os aspectos da existência, Malchuyot firma-se como a base da nossa fé e prática religiosa.

Por meio do misticismo judaico, compreendemos o porquê de Malchuyot, o Reinado Divino, ser o tema central de Rosh Hashaná. Segundo a Cabalá, a dimensão mística da Torá, há dez emanações ou atributos Divinos, chamados Sefirot, estruturas metafísicas do cosmo que formam um elo entre D’us e os mundos e por meio dos quais o Infinito (Ein Sof) atua e cria continuamente o Universo. A décima e última emanação, Malchut (“Reino”), representa a manifestação de D’us no mundo físico, conhecida como Shechiná, e conclui um processo que começa com a mais elevada, Keter (“Coroa”), e evolui até o plano material. Malchut é, portanto, a Sefirá mais diretamente relacionada ao mundo físico. Ao contrário das demais, que são ativas – atributos emanadores de D’us –, é um aspecto passivo, receptor do Divino. Assim, essa Sefirá estabelece a conexão entre D’us e o mundo físico. Em resumo, simboliza Sua Presença na esfera material uma vez que é a última Sefirá pela qual passa a energia Divina antes de alcançar o nosso plano de existência.

Em Rosh Hashaná, reafirmamos Malchuyot – o Reinado, a Soberania Divina – para fortalecer a Sefirá de Malchut (o Reino de D’us). Sem aquela (isto é, sem um Rei), não poderia haver esta (ou seja, um Reino), pois, cessada a interação Divina com o mundo físico, este deixaria de existir. Portanto, é compreensível que, sobretudo em Rosh Hashaná – o Dia do Julgamento, quando o destino do mundo inteiro está em jogo –, o tema de Malchuyot adquira uma relevância crucial.

Para elucidar a questão de maneira mais profunda: a Cabalá revela que a Criação não foi um acontecimento único, mas, ao contrário, é um ato Divino constante e ininterrupto. Tudo o que existe depende integralmente da vontade de D’us. Assim, a mínima interrupção de Sua participação no processo resultaria na reversão imediata de todo o Universo a seu prévio estado de não-existência. Desse modo, todos os seres, vivos ou não, só se sustentam pela vontade do Criador. Em vista disso, Rosh Hashaná adquire uma relevância incomparável como o momento em que D’us julga a todos e decide se renovará o Seu compromisso com o mundo por mais um ano. Assim, no Ano Novo Judaico, nós O coroamos como nosso Rei e Lhe suplicamos que mantenha Seu Reinado (Malchuyot) sobre nós. Se Ele perdesse o interesse em Seu Reino (Malchut), o mundo cessaria instantaneamente de existir e seria como se nunca tivesse sequer existido. Por isso, as orações e os mandamentos de Rosh Hashaná concentram-se no reconhecimento e aceitação do Todo-Poderoso como Rei. Por exemplo, a principal obrigação da festividade e o tema de uma das bênçãos do Mussaf é ouvir os toques do Shofar. Entre suas diversas interpretações simbólicas, o som anuncia a “coroação”, a proclamação de D’us como nosso Soberano. É uma forma de comunicação com Ele além das palavras, que reforça a Sefirá de Malchut e, por conseguinte, amplia o fluxo de energia Divina para o mundo.

É importante frisar que o tema do Reinado Divino não é exclusivo de Rosh Hashaná. O texto padrão da Amidá, recitado nos dias comuns da semana judaica (em Shabat e nos dias sagrados, proferimos uma versão diferenciada e mais curta), inclui uma bênção na qual solicitamos ao Todo-Poderoso que reine sobre nós. Além disso, todos os serviços de oração realizados todos os dias do ano terminam com o Alenu, que discorre sobre Malchuyot e se encerra com um versículo de um dos livros dos Nevi’im (Profetas) referente à Era Messiânica: “E o Eterno será Rei sobre toda a terra; naquele dia, o Eterno será Um e Seu Nome será Um” (Zacarias 14:9).

Aspiração por um rei pode parecer anacrônico, pois os monarcas passaram a ser associados à tirania e à corrupção. No entanto, ao contrário da maioria dos governantes humanos, sejam os soberanos antigos ou os líderes atuais, muitas vezes indiferentes, imprudentes, negligentes e injustos, D’us é onipresente, onisciente, onipotente, verdadeiro, justo, virtuoso e misericordioso. É o Rei Sagrado, HaMelech HaKadosh, infinitamente poderoso, mas também, conforme lemos no Livro dos Salmos, o Pai dos órfãos e o Defensor das viúvas, que protege os fracos e oprimidos. Ao contrário dos humanos, é um governante infalível, incorruptível e justo que não favorece partidarismos, não Se deixa corromper por subornos e não comete erros ou injustiças.

Malchuyot expressa a aspiração judaica de que todas as pessoas reconheçam D’us como Rei. Dessa forma, a bênção do Mussaf, que a tem como tema, inicia-se com o Alenu, que, como mencionado anteriormente, conclui todos os serviços de oração judaica e remete à Era Messiânica, quando toda a humanidade reconhecerá o reinado de D’us. Prossegue com dez versículos do Tanach: em sequência, três da Torá, três dos Ketuvim (Escritos), três dos Nevi’im (Profetas) e um final novamente da Torá.

O primeiro excerto citado na bênção de Malchuyot, “O Eterno reinará para sempre” (Êxodo 15:18), provém do cântico entoado pelos Filhos de Israel quando D’us milagrosamente abriu o Mar dos Juncos para salvá-los das legiões do faraó após a partida do Egito. Trata-se da primeira declaração do Reinado do Altíssimo pelo Povo de Israel.

O segundo versículo da Torá provém, paradoxalmente, de uma bênção proferida por um arqui-inimigo, Bilaam, profeta não judeu que tentou amaldiçoar os Filhos de Israel, mas acabou por abençoá-los, além de referir-se a D’us como o Rei do Povo de Israel: “Ele não observou iniquidade em Jacob, nem viu perversidade em Israel: o Eterno, seu D’us, está com ele, e o amor do Rei (Teruat HaMelech) está entre eles” (Números 23:21). Vale ressaltar que, nesse versículo, a palavra hebraica traduzida como “amor”, Teruá, também é o nome de um dos sons do Shofar, a série de toques staccato. Esse duplo sentido do vocábulo sugere que, ao ouvirmos o Shofar, se fortalece o vínculo de afeto entre D’us e o Povo Judeu.

O terceiro versículo da Torá vem da sua última Parashá (porção), Vezot HaBerachá: “Ele (D’us) tornou-se Rei em Yeshurun (um dos nomes do Povo Judeu) quando os líderes do povo se reuniram, todas as tribos de Israel unidas” (Deuteronômio 33:5). Alude à entrega da Torá por D’us e destaca a posição do Eterno como Rei do Povo Judeu.

Por sua vez, os três versículos dos Ketuvim (Escritos) retirados do Livro dos Salmos ilustram o Reinado do Todo-Poderoso de uma perspectiva universal. Por exemplo, um deles diz: “Pois a soberania pertence ao Eterno e Ele governa sobre as nações” (Salmos 22:29). Esses excertos representam a Soberania Divina que transcende o Povo de Israel e abrange todas as nações. Realçam a autoridade universal e domínio de D’us como Rei.

Já dos três versículos dos Nevi’im (Profetas), os dois primeiros (Isaías 44:6 e Obadias 1:21) fazem referência ao Onipotente como o Soberano de Israel. O terceiro (Zacarias 14:9) constitui uma profecia sobre uma época, a Era Messiânica, quando Ele governará como Rei sobre toda a terra.

O décimo e último versículo na bênção de Malchuyot é talvez o mais célebre da Torá: “Shemá Israel (‘Ouve, ó Israel’), o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um” (Deuteronômio 6:4). Constitui a declaração fundamental do Judaísmo: a existência de apenas um Ser Supremo e, portanto, um verdadeiro Rei no Universo.

A benção de Zichronot

O tema da segunda bênção adicional do Mussaf, Zichronot (Recordações), requer elucidação. Como D’us é atemporal, ilimitado e onisciente, qualquer conceito de tempo, incluindo esquecimento e memória, não se aplica a Ele. Seria um grave equívoco não acreditar que o Altíssimo esteja permanentemente ciente de todos os acontecimentos passados, presentes e futuros, entre os quais os pensamentos mais íntimos de cada indivíduo. De fato, a bênção de Zichronot começa com o reconhecimento da memória de D’us de todas as ações pretéritas de todo ser humano e, em seguida, descreve Rosh Hashaná como o Dia do Julgamento, o momento do ano em que Ele avalia todos os seres humanos com base em suas ações passadas. A ideia de que “Pois és Tu quem eternamente lembra todas as coisas esquecidas, e não há esquecimento diante do Teu Trono de Glória” é um tema recorrente nas orações do Ano Novo Judaico.

O tema de Zichronot, as Recordações Divinas, não sugere nem que D’us precise recordar, nem que devamos lembrá-Lo de algo que Ele possa ter esquecido. Em vez disso, a metáfora de Sua memória indica que, ao proferir um julgamento, Ele considera acontecimentos ou fenômenos passados. Por exemplo, quando em nossas orações, pedimos a D’us que lembre os Patriarcas, isso não significa que Ele os tenha esquecido. Na verdade, pedimos a Ele que atente para os méritos deles ao julgar a nós, seus descendentes. Por outro lado, o esquecimento Divino sugere que D’us deliberadamente desconsidera algo, geralmente erros e transgressões, para que Seu veredito seja favorável. Por exemplo, a ideia de que a Teshuvá apaga os pecados não significa que D’us os esquece, mas sim, que pode ignorá-los ao emitir Seu juízo. Ele Se lembra de tudo e de nada Se esquece, mas Seus vereditos dependem do que decide considerar ou não ao julgar indivíduos e nações. Assim, na bênção de Zichronot, pedimos a D’us que, quando nos julga e determina nosso destino individual e coletivo para o próximo ano, “lembre”, ou seja, leve em conta, acontecimentos e fenômenos meritórios em nossa História como povo.

A bênção de Zichronot inclui três versículos da Torá, cada um dos quais ressalta momentos em que D’us “recordou”, ou seja, considerou e proporcionou salvação àqueles em dificuldade. O primeiro refere-se à lembrança de Noé durante o Dilúvio. Como todas as pessoas e animais descendem daqueles que se abrigaram na famosa arca, essa passagem revela o amor e o cuidado Divino por todos os habitantes da Terra.

Por sua vez, o segundo versículo da Torá refere-se especificamente aos Filhos de Israel. Descreve sua escravidão no Egito e a lembrança do Altíssimo da aliança com Avraham, Yitzhak e Yaakov, que resultou no Êxodo: “D’us ouviu os seus gemidos, e D’us recordou-Se da Sua aliança com Avraham, com Yitzhak e com Yaakov” (Êxodo 2:24). Esse trecho realça Sua resposta ao sofrimento dos Filhos de Israel e Sua fidelidade às promessas feitas aos Patriarcas.

O terceiro versículo provém de um trecho da Torá no qual D’us admoesta os judeus, porém assegura-lhes que jamais renegará Sua aliança com Seu Povo e, no final das contas, trará todos de volta à Terra de Israel: “Recordar-Me-ei da Minha aliança com Yaakov, e também da Minha aliança com Yitzhak, e também da Minha aliança com Avraham recordar-Me-ei, e recordar-Me-ei da Terra” (Levítico 26:42). Esse versículo manifesta o compromisso inabalável de D’us com Sua aliança com os três Patriarcas, que garante a continuidade de seus descendentes, os judeus, e a eterna dádiva da Terra Prometida ao Povo de Israel.

Esses três versículos da Torá exemplificam, em conjunto, a memória de D’us como fonte de consolo, redenção e segurança. Demonstram Seu amor, compromisso contínuo e preocupação com todos os seres vivos.

A bênção de Zichronot inclui três versículos do Livro dos Salmos (Salmos 111:4, 111:5, 106:45) que associam a memória de D’us a manifestações de Sua compaixão e benevolência. As citações dos Livros dos Profetas – Jeremias 2:2, Ezequiel 16:60 e Jeremias 31:19 – evocam a lembrança do Altíssimo dos primeiros anos dos Filhos de Israel como nação, uma época marcada pelo amor intenso e pela lealdade do Povo Judeu a Ele.

O décimo e último versículo da bênção de Zichronot afirma: “E lembrar-Me-ei para eles da aliança dos primeiros, aos quais retirei da terra do Egito diante dos olhos das nações, para ser seu D’us; Eu sou o Eterno” (Levítico 26:45). Esse trecho, que relembra o mérito de nossos Patriarcas (“os primeiros”), remete ao tema principal da bênção de Zichronot: Akedat Yitzhak, o sacrifício de Yitzhak (literalmente, a “amarração de Yitzhak”). Em uma das passagens mais dramáticas, a Torá narra como nosso primeiro Patriarca, Avraham, em obediência à ordem Divina, estava disposto a sacrificar o próprio filho, que, por sua vez, estava preparado para a suprema renúncia. Akedat Yitzhak foi um marco na História do nosso povo, pois, superada essa prova, D’us fez uma aliança com ambos e prometeu que seus descendentes, o Povo Judeu, seriam uma nação eterna e abençoada. Por simbolizar uma fonte inesgotável de mérito para o Povo de Israel perante o Eterno, Akedat Yitzhak é um dos temas principais de Rosh Hashaná. De fato, a passagem é a leitura da Torá no segundo dia dessa festa. Além disso, o toque do Shofar estabelece uma ligação significativa com essa narrativa, pois o instrumento é tradicionalmente feito de um chifre de carneiro, o animal que Avraham, em obediência à ordem de D’us, sacrificou em substituição ao filho, Yitzhak.

Em Rosh Hashaná, a festividade religiosa em que D’us determina o destino de cada indivíduo, suplicamos a Ele que “recorde”, ou seja, considere o supremo ato de devoção demonstrado pelos nossos dois primeiros Patriarcas – Avraham e Yitzhak– em que um pai reprimiu seu imenso amor pelo filho e se prontificou a sacrificá-lo em obediência à ordem de D’us. Da mesma forma, Yitzhak subjugou seu instinto natural de autopreservação e mostrou-se disposto a servir de oferenda em cumprimento à determinação Divina. Em Rosh Hashaná, invocamos Akedat Yitzhak porque pedimos a D’us que suprima Seu atributo de justiça rigorosa (a Sefirá de Guevurá), assim como nosso antepassado Avraham temporariamente reprimiu seu amor (a Sefirá de Chessed) por seu filho para atender a um comando do Todo-Poderoso. Como expresso no Mussaf: “Que apareça diante de Ti a Akedá quando Avraham, nosso pai, amarrou Yitzhak, seu filho, no altar, e ele reprimiu sua misericórdia para cumprir a Tua vontade de todo coração. Assim, que a Tua misericórdia suprima a Tua ira sobre nós.”

A bênção de Zichronot termina com a declaração: “Porque és Tu quem eternamente Se recorda de todas as coisas esquecidas, e não há esquecimento diante do Teu Trono de Glória, e que Tu Te lembres com compaixão hoje da amarração de Yitzhak em benefício de sua descendência. Bendito és Tu, Eterno, que Te lembras da aliança”.

O Rabino Adin Steinsaltz, Zt’’l, explicou que uma aliança, por sua natureza, permanece intacta mesmo quando uma das partes envolvidas não cumpre suas obrigações. Portanto, o objetivo principal da bênção de Zichronot é suplicar a D’us que, ao nos julgar em Rosh Hashaná, considere Sua aliança eterna com o Povo Judeu, bem como as virtudes de nossos Patriarcas e antepassados.

A benção de Shofarot

A bênção de Shofarot (Toques do Shofar), a terceira e última bênção adicional do Mussaf, estabelece uma ligação entre as duas anteriores, Malchuyot e Zichronot. O soar desse instrumento anuncia a coroação do Rei (Malchuyot) e apela para que D’us Se recorde de nós favoravelmente (Zichronot). O Talmud (Rosh Hashaná 34b) ensina que, no Ano Novo Judaico, o Todo-Poderoso manda: “Recitem diante de Mim versos cujos temas são Malchuyot (Soberania), Zichronot (Recordações) e Shofarot: Soberania, para que Me coroem como Rei sobre vocês; Memórias, para que Eu me lembre de vocês para o bem; e com o quê? Com um Shofar”.

O instrumento é tão essencial para a festa que a Torá se refere a essa data sagrada como Yom Teruá – um dia de toque do Shofar (Números 29:1). Rav Saadiah Gaon elenca dez simbolismos associados ao mandamento. Um deles é que, no Monte Sinai, quando D’us Se revelou ao Povo de Israel, “o som do Shofar aumentava constantemente e era muito forte” (Êxodo 33:2-3). De fato, os três versículos da Torá (Êxodo 19:16, 19:19 e 20:15) na bênção de Shofarot fazem referência ao soar do instrumento, Kol Shofar, ouvido durante a Revelação Divina no Sinai. Esse acontecimento, ocorrido 50 dias após o Êxodo do Egito, constitui a base do Judaísmo.

A bênção de Shofarot também inclui versículos de Ketuvim, mais especificamente do Livro dos Salmos, que ressaltam a Realeza de D’us (Salmos 98:6 e 81:4-5), além do Salmo 150, o capítulo final do respectivo livro, que contém dez convocações para exaltar o Onipotente com diversos instrumentos, incluindo o Shofar. Esse Salmo conclui com um apelo para que todos os seres vivos O louvem. Por fim, os versículos de Nevi’im (Isaías 18:3, Isaías 27:13 e Zacarias 9:14-15) antecipam uma futura redenção universal, a Era Messiânica, quando D’us Se revelará ao som do Shofar.

O décimo e último versículo da bênção de Shofarot, também recitado no Kidush durante as duas noites de Rosh Hashaná, é proveniente da Torá: “E no dia de seu regozijo, nas suas festas e em seus inícios de meses, devereis tocar com trombetas sobre seus sacrifícios e sobre suas oferendas de paz; e servirão para vocês, como recordação perante vosso D’us; Eu sou o Eterno, vosso D’us” (Números 10:10). Apesar de não ser mencionado explicitamente nessa passagem, o Shofar é incorporado à bênção, pois, como esclarece o Talmud, era tocado juntamente com as trombetas. A propósito, essa obra (Bavli, Sotah 43a) ensina que a mesma palavra hebraica pode referir-se a ambos os instrumentos.

Ao unir, de forma harmoniosa, os temas de Malchuyot, Zichronot e Shofarot, aquele versículo serve como uma conclusão apropriada para o trio de bênçãos centrais no Mussaf de Rosh Hashaná. Na antiguidade, o soar de trombetas ou de um Shofar era, com frequência, usado para anunciar a sagração de um monarca (vide Reis 1:34). Por isso, esse trecho alude a Malchuyot, a coroação do Todo-Poderoso como Rei. Ademais, afirma que os sons daqueles instrumentos evocam memórias positivas, Zichronot, do Povo Judeu perante o Eterno. Assim, o toque do Shofar, que simboliza tanto a revelação Divina no Monte Sinai quanto a vinda da Era Messiânica, representa nossa aceitação da soberania de D’us e evoca Sua lembrança de nossos méritos, para que Ele possa julgar-nos com misericórdia em Rosh Hashaná, o Dia do Julgamento. Por conseguinte, a bênção de Shofarot conclui: “Pois Tu ouves o som do Shofar e atentas à Teruá, e ninguém se compara a Ti. Bendito és Tu, Eterno, que escutas o som do Shofar de Teu povo Israel com misericórdia”.

 Isaías, um dos maiores profetas do Tanach, previu que a chegada do Mashiach será anunciada pelo toque do Shofar. De fato, em dois versículos de sua autoria citados na bênção de Shofarot, o profeta proclama em nome de D’us: “Todos os habitantes do mundo e os que residem na terra verão (o ajuntamento do Povo de Israel) como se uma bandeira fosse hasteada nos cumes das montanhas e ouvirão como se um Shofar fosse tocado... E será naquele dia que um grande Shofar será tocado; e aqueles que estavam perdidos na terra da Assíria e os dispersos na terra do Egito virão e se prostrarão perante o Eterno no monte sagrado em Jerusalém” (Isaías 18:3, 27:13).

Bibliografia

The Complete Artscroll Machzor - Rosh Hashanah. A new translation and anthologized commentary. Rabbi Nosson Scherman. Mesorah Publications.