No Judaísmo, há quatro inícios de ano distintos: o primeiro de Nissan, mês em que se celebra a festa de Pessach; o primeiro de Tishrei, que marca o começo de Rosh Hashaná; 15 de Shevat, conhecido como o Ano Novo das Árvores; e o primeiro de Elul, considerado para os fins do dízimo dos animais.
Essa multiplicidade não deveria provocar espanto, pois ocorre em muitos países que adotam o calendário gregoriano. Por exemplo, no Brasil, o ano letivo começa em fevereiro e não em primeiro de janeiro. Nos Estados Unidos, o exercício fiscal do governo federal vai de 1º de outubro a 30 de setembro.
Segundo a Torá, o calendário judaico começa em Nissan, mês no início do qual os Filhos de Israel receberam o seu primeiro mandamento Divino como nação (Êxodo 12:2). Exatamente um ano depois, inaugurou-se o Mishkan (o Tabernáculo). No entanto, a celebração mais reconhecida como Ano Novo Judaico é Rosh Hashaná, que ocorre seis meses depois e durante a qual se trocam votos de um ano bom e doce.
A comemoração sinaliza a transição para um novo ano, sendo que a próxima marcará o início de 5784 na contagem do calendário judaico. Curiosamente, a festa ocorre nos dois primeiros dias de Tishrei, o sétimo mês.
Por mais paradoxal que possa parecer, esse início de ano, com certeza não é acidental. No Judaísmo, o número sete, que aparece com frequência na Torá, é um símbolo de santidade. Por exemplo, Shabat, o dia sagrado, é o sétimo da semana, e Shemitá, o ano sagrado, encerra um ciclo septenal1 na Terra Santa. Da mesma forma, Tishrei, o sétimo mês do calendário judaico, é repleto de dias sagrados e especiais: os Dez Dias de Teshuvá, que começam em Rosh Hashaná, incluem o Shabat Shuvá e culminam em Yom Kipur; a festividade de Sucot, que dura uma semana e termina com Hoshaná Rabá; e, imediatamente após essa comemoração, os dois dias de Shemini Atseret, sendo que, no segundo, ocorre a conhecida festa de Simchat Torá. Por último, vem Shabat Bereshit, um Shabat especial – o primeiro após Shemini Atseret/Simchat Torá –, no qual começa o ciclo anual de leitura da Torá nas sinagogas. Portanto, observa-se que Tishrei, o sétimo mês, está carregado de datas sagradas e repletas de significado.
A Cabalá ensina que o Shabat, o sétimo dia da semana, é fonte de bênçãos para os seis seguintes. De maneira análoga, Tishrei, o sétimo mês do ano, influencia os onze subsequentes, sendo, portanto, o mais determinante no calendário judaico. Sua energia atua sobre nossa vida e a molda, não só ao longo do próprio período, mas também em todos os outros dias do ano.
A fundamental importância de Tishrei reflete-se em sua própria denominação, permutação de Reshit, que, em hebraico, significa “início”, derivado da raiz Rosh – “cabeça”. É interessante observar que a Torá começa com a palavra Bereshit, traduzida como “no princípio”. De fato, os dois primeiros dias de Tishrei constituem Rosh Hashaná, literalmente “cabeça do ano”. Essa parte do corpo, a mais elevada, abriga o cérebro, que controla o sistema nervoso central e, por conseguinte, todas as funções e movimentos físicos. De forma análoga, Tishrei exerce influência sobre todos os meses seguintes.
Além disso, é o período de maior abundância espiritual no calendário judaico. Assim como o sétimo dia da semana – o Shabat – é dedicado à elevação interior, Tishrei é voltado ao sagrado, com poucos dias seculares, pois a maioria possui uma temática religiosa.
Neste ensaio, abordaremos brevemente a sequência de datas únicas desse mês tão especial, além de explorarmos o significado e a interconexão de seus dias santificados.
Rosh Hashaná
A celebração de Rosh Hashaná, que marca o início de um novo ano no calendário judaico, acontece nos dois primeiros dias de Tishrei, os mais relevantes do ciclo que começa. Em hebraico, o nome da festa significa “cabeça do ano”, como vimos acima. Da mesma forma que essa parte do corpo controla e influencia o restante do organismo, Rosh Hashaná impacta e orienta o progresso de todo o período que inaugura. Por essa razão, nossas ações e estado de espírito durante esses dias – nossos atos, palavras, pensamentos e emoções – repercutirão ao longo dos próximos 12 ou 13 meses. Quem celebra a ocasião com bom ânimo, alegria, paz, confiança em D’us e, sobretudo, santidade, rezando e cumprindo o mandamento de ouvir o Shofar, tem maior probabilidade de desfrutar de um ano próspero, feliz e abençoado.
Rosh Hashaná é Yom HaDin – o Dia do Julgamento. Cientes ou não, disso, todos somos analisados pelo Tribunal Celestial durante os dois dias dessa festa religiosa, quando D’us avalia cada ser humano individualmente. Como estamos todos perante HaMelech HaMishpat – o Rei da Justiça – nessa ocasião, dedicamos a maior parte do nosso tempo à oração. Seria uma tremenda negligência de nossa parte agir de maneira displicente ou superficial enquanto D’us julga todos os habitantes da Terra e determina seu destino. Portanto, é um grave equívoco considerar Rosh Hashaná uma versão judaica do primeiro de janeiro. Contudo, é fundamental ressaltar que se trata de uma festa alegre por causa não das fartas refeições, mas do momento oportuno para solicitar a D’us um ano de vida, saúde, paz, prosperidade, sucesso e felicidade.
Rosh Hashaná é uma festa única e propícia. É fundamental manter a alegria e a serenidade durante todo o seu decorrer. Essas emoções refletem a confiança de que D’us nos julgará favoravelmente e nos presenteará com bênçãos para o novo ciclo. As lautas refeições, que incluem alimentos doces, simbolizam nossa convicção de que o Altíssimo, em Sua infinita bondade e generosidade, concederá a todos nós um Shaná Tová Umetucá – um ano bom e doce. De fato, boa parte dos grandes milagres que transformaram a História judaica aconteceram nessa ocasião.
Yom Kipur
Yom Kipur ocorre em 10 de Tishrei. O primeiro terço desse mês, que inicia com Rosh Hashaná e se encerra com o toque único de Shofar marcando o término de Yom Kipur, são conhecidos como Asseret Yemei Teshuvá, ou seja, os Dez Dias de Penitência ou Retorno. Inclui-se, nesse período, o Shabat que cai entre as duas celebrações, designado Shabat Shuvá (ou também Shabat Teshuvá).
Elemento central do Judaísmo, Teshuvá constitui o tema principal de Yom Kipur. Para muitos, o termo é repleto de conotações negativas, como sentimentos de culpa por pecados ou a adesão a um estilo de vida religioso severo. Contudo, na realidade, simboliza a restauração e a cura da alma. Sua verdadeira essência pode ser entendida por meio de sua raiz etimológica do vocábulo, a palavra Shuvá, que significa “retorno”. Teshuvá sugere uma volta ao caminho que nos leva em direção ao Todo-Poderoso.
Em outras palavras, representa o processo de ascensão espiritual. Uma vez que D’us é Infinito, esse retorno constitui uma jornada infinita e universal, aplicável a todos os seres humanos – judeus ou não –, até mesmo aos Sábios e Profetas. De fato, quanto mais elevada a pessoa, maior é o nível de Teshuvá que D’us espera dela. Yom Kipur – o Dia da Expiação, no qual nos abstemos de comer e beber por mais de 25 horas – é o momento mais propício do ano para mergulhar nesse processo, fazer mudanças positivas na vida e, assim, voltar a D’us.
Uma das características únicas de Yom Kipur é ser o único dia do ano em que fazemos cinco orações: Arvit (a da noite), realizada após a cerimônia do Kol Nidrei; Shacharit (a da manhã); Mussaf (prece adicional); Minchá (a da tarde); e Neilá (a de encerramento). Nos dias comuns, rezamos três vezes porque podemos acessar as três dimensões da alma: Nefesh, Ruach e Neshamá. Já nos dias sagrados e especiais, como Shabat, Rosh Chodesh (o novo mês judaico) e as Festas Religiosas, quando é possível acessar um quarto nível – Chayá –, recitamos uma prece adicional, o Mussaf. Yom Kipur é o único dia que inclui uma quinta oração – a Neilá (o “fechamento” dos Portões Celestiais) –, pois somente no Dia da Expiação podemos alcançar a quinta e mais elevada dimensão da alma: Yechidá (unidade).
A santidade é o tema central da celebração. O Maharal de Praga, grande Sábio e Cabalista famoso por ter criado o Golem, ensinou que “todos os mandamentos que D’us nos ordenou em Yom Kipur têm o propósito de minimizar a relação da pessoa com a fisicalidade até que ela se torne realmente como um anjo”. No Dia da Expiação, ao reduzirmos ao máximo a interação com o mundo material, imergimos no sublime. Assim, jejuamos por aproximadamente 25 horas – não consumimos alimentos ou bebidas, nem sequer água – e não temos relações conjugais. Também é proibido tomar banho, ungir-se com cremes ou perfumes e usar sapatos de couro. Passamos quase o dia todo na sinagoga em oração.
Yom Kipur constitui o ápice dos Asseret Yemei Teshuvá – dez dias singulares no calendário judaico em que, conforme ensina o profeta Isaías, D’us está mais aberto a preces e pedidos. O Talmud (Bavli, Shabat 153a) encoraja-nos a fazer Teshuvá – a nos aproximarmos de D’us – todos os dias, em um processo contínuo e interminável. No entanto, aquele período é especialmente propício para isso, em especial Yom Kipur, quando os Portões Celestiais estão mais abertos e nos incentivam a ascender constantemente em direção à Divindade.
Sucot
Em 15 de Tishrei – cinco dias após Yom Kipur –, inicia-se a festividade de Sucot, que se estende por sete dias. Na liturgia judaica, é chamada de Z’man Simchatenu, Época da Nossa Alegria.
Para compreender melhor o motivo pelo qual essa celebração ocorre logo após Rosh Hashaná e Yom Kipur, pode-se recorrer a um conceito místico judaico encontrado no Zohar, o texto fundamental da Cabalá. Nele se abordam os dois aspectos fundamentais do serviço Divino: o temor e o amor a D’us.
Segundo a obra, esses sentimentos são comparados às duas asas necessárias para que uma ave consiga alçar voo. Assim, são eles que permitem ao ser humano ascender em direção ao Divino.
O temor (Yirá, em hebraico) a D’us evoca a percepção da grandiosidade e majestade do Todo-Poderoso, bem como um sentimento de reverência e respeito a esses Seus atributos.Significa o reconhecimento do vasto poder e infinitude do Divino, que deve inspirar o ser humano a pautar seu relacionamento com D’us por humildade, obediência e profunda reverência.
Em contrapartida, o amor (Ahavá, em hebraico) a D’us simboliza um forte afeto pelo Divino, assim como o desejo de conexão emocional com Ele. Envolve uma profunda adoração ao Todo-Poderoso, percebendo-O como uma presença misericordiosa e repleta de amor. Esse amor deve impelir o ser humano a buscar proximidade com D’us, devoção a Ele e o desejo de servi-Lo com sincera afeição e gratidão.
De acordo com o Zohar, tanto o temor quanto o amor à D’us são aspectos vitais e complementares da caminhada religiosa. Aquele incita um sentimento de reverência e respeito na presença do Divino enquanto este promove uma intensa e profunda conexão emocional com D’us. Por meio da união harmoniosa dessas duas “asas”, pode-se alcançar um serviço Divino equilibrado e significativo, cujo propósito final, na mística judaica, é a unificação dos atributos da alma, incluindo esses dois sentimentos perante o Criador, ao mesmo tempo em que se busca uma conexão mais profunda com o Altíssimo e um entendimento mais amplo de Seus mistérios.
Os Dez Dias de Teshuvá, que começam com Rosh Hashaná e terminam juntamente com Yom Kipur, também são denominados de HaYamim HaNorayim (os Dias Assombrosos), pois estão associados ao temor a D’us. Embora essas celebrações sejam felizes – de acordo com o Talmud, o Dia da Expiação é a data mais alegre do ano –, também incluem o julgamento Divino. Esse período do calendário judaico, dedicado à oração fervorosa e à introspecção, culmina com o longo jejum e outras restrições de Yom Kipur. Assim, a primeira metade de Tishrei simboliza uma das “asas” do serviço Divino que a Torá requer de nós: o temor a D’us. Contudo, a partir do dia 15, com o início da festa de Sucot, observa-se uma transição, e a segunda “asa” – o amor a D’us – passa a ser o foco.
Por meio de seus dois mandamentos fundamentais – residir em uma Sucá e segurar as Quatro Espécies –, Sucot configura-se como uma celebração cujos temas centrais são o amor, a alegria e a unidade do Povo de Israel. Cabana provisória em que a Torá nos instrui a habitar durante os sete dias da festa, a Sucá tem um significado profundo. Simboliza o Mishkan (Tabernáculo), a morada de D’us na Terra antes do Templo Sagrado de Jerusalém. Nesse período, manifestamos nossa fé na Providência Divina ao nela residirmos.
A Sucá atua como um constante lembrete da proteção de D’us ao Povo de Israel ao longo da jornada de 40 anos pelo deserto em direção à Terra Prometida. Representação do amor infindável entre o Altíssimo e os judeus, essa moradia provisória expressa a constante permanência do Todo-Poderoso a nosso lado, além de assegurar a continuidade de nosso povo mesmo diante das adversidades e desafios da História judaica.
Sucot é caracterizada por uma forma de serviço Divino bem diferente daquela de Rosh Hashaná e Yom Kipur. Nela, o principal mandamento é comer na Sucá enquanto o preceito central deste último é o jejum. O cumprimento da mitzvá de habitar na cabana dá-se ao fazer as refeições dentro dessa morada temporária. De fato, a bênção de “Leshev BaSucá” só é proferida antes desse ato.
Outro mandamento associado a Sucot é segurar as Quatro Espécies: Lulav, Etrog, Hadass e Aravá. Tal como todos os outros preceitos da Torá, essa mitzvá é realizada única e exclusivamente por representar a Vontade de D’us. No entanto, carrega também um profundo simbolismo. As Quatro Espécies representam a unidade judaica – o amor e a união –, elementos cruciais para atrair as bênçãos Divinas.
A Torá ensina que não se pode amar verdadeiramente a D’us sem amar os seres humanos. Dessa forma, a unidade representada pelas Quatro Espécies simboliza não só o amor ao próximo, mas também o profundo vínculo amoroso entre o ser humano e D’us.
Fica claro, portanto, que os dois preceitos centrais de Sucot – residir na Sucá e segurar as Quatro Espécies – transmitem temas de alegria. A cabana simboliza nossa confiança no amor de D’us por nós e firme convicção de que Sua Presença sempre nos acompanha. O mandamento das Quatro Espécies ressalta a importância da união entre os seres humanos, que, assim como a Sucá, reflete o amor entre D’us e o homem.
Sucot é um período de exultação, repleto de amor, e existem outros motivos, além dos já mencionados, para essa alegria. Um aspecto marcante da festividade é o seu propósito universalista. Durante a celebração no Templo Sagrado de Jerusalém, o Povo de Israel oferecia 70 touros em sacrifício em prol das 70 nações do mundo. Essa ação destacava o mandamento da Torá de buscar a proteção, as bênçãos e a paz para todos os povos.
O caráter universal de Sucot é ainda mais evidenciado no livro de Zacarias, no qual consta a profecia de que, no futuro, todos os povos se reunirão para a festa. Essa visão a destaca como um momento em que pessoas de todas as nações se unirão em celebração e devoção a D’us.
Ao incorporar esse elemento universalista, Sucot exemplifica o papel do Povo Judeu como fonte de bênção e conexão espiritual para toda a humanidade. De fato, transmite uma mensagem de amor, respeito e harmonia entre as nações e ressalta a importância de se promover a coexistência pacífica.
No entanto, é importante frisar que, embora seja uma festividade jubilosa cuja forma de serviço Divino é o amor a D’us, Sucot também aborda temas subjacentes ao julgamento do Todo-Poderoso. De fato, assim como um pássaro não pode voar com apenas uma asa, o amor e o temor a D’us devem sempre andar lado a lado. O sétimo e último dia da celebração, conhecido como Hoshaná Rabá, marca o fim daquele julgamento iniciado em Rosh Hashaná, e está, portanto, associado à solenidade e introspecção de Yom Kipur, o Dia da Expiação.
A Cabalá ensina que o signo astrológico associado a Tishrei é Libra, simbolizado por uma balança, que representa o julgamento. Essa ligação reforça a ideia de que, todo ano, durante esse mês, nossas ações e intenções são meticulosamente avaliadas pela Corte Celestial.
Ao longo de todo esse período, realizamos muitos preceitos Divinos – ouvimos o Shofar em Rosh Hashaná, jejuamos e praticamos Teshuvá em Yom Kipur, residimos em uma Sucá e seguramos as Quatro Espécies em Sucot. Essa concentração de mitzvot em um curto intervalo de tempo reflete nosso desejo de obter decretos Celestiais positivos para nós mesmos, para o Povo Judeu e para o mundo. Ao cumprir esses preceitos durante Tishrei, buscamos atrair o favor, a misericórdia e as bênçãos Divinas.
Shemini Atseret/Simchat Torá
Imediatamente após o fim de Sucot, começa uma festa religiosa chamada Shemini Atseret, que, em Israel, é observada em um único dia. Já na Diáspora, estende-se por dois, sendo o segundo comumente conhecido como Simchat Torá.
A expressão Shemini Atseret possui vários significados, um dos quais é “Oitavo Dia de Assembleia”. Então, para muitos, trata-se do oitavo dia de Sucot uma vez que ocorre logo após os sete dias dessa festa. No entanto, é fundamental ressaltar que o Talmud estabelece, de maneira categórica, uma distinção entre ambas as celebrações. Mesmo assim, o próprio sentido do termo que nomeia a comemoração, bem como sua ocorrência logo após a anterior, indica uma ligação entre elas. Em vista disso, é costume continuar a fazer as refeições na Sucá. Contudo, para diferenciar Shemini Atseret de Sucot, aquela não inclui a recitação da bênção de “Leshev BaSucá” e, durante o Kidush que nela proferimos, incluímos a bênção de Shecheyanu, que marca o início de uma nova festa judaica.
Conforme exposto, Sucot contém elementos universalistas. Por outro lado, Shemini Atseret é direcionada especificamente ao Povo de Israel. Uma das razões para isso é que o “Oitavo Dia de Assembleia” simboliza a existência milagrosa do Povo Judeu.
No Judaísmo, o número sete tem um significado muito importante: representa não só o sagrado, como já mencionado, mas também um ciclo natural. De fato, a Torá descreve a Criação do mundo em sete dias. Oito, por sua vez, representa aquilo que excede e transcende o natural, ou seja, o sobrenatural. Shemini Atseret, associado a este número, destaca o caráter milagroso da existência do Povo Judeu. Ensina que seu nascimento, contínua presença no mundo e conquistas extraordinárias ao longo da História estão além das leis naturais e da lógica.
Na liturgia judaica, Shemini Atseret é denominada Z’man Simchatenu – “Época da Nossa Alegria” –, eco da designação dada a Sucot. Celebração final da série de dias sagrados de Tishrei, a festa engloba os temas da singularidade do Povo Judeu e de sua conexão eterna com D’us. É uma conclusão significativa do período especial iniciado três semanas antes, com Rosh Hashaná.
Como vimos acima, na Diáspora, o segundo dia de Shemini Atseret é celebrado como Simchat Torá, um marco importante no calendário judaico. É quando se encerra um ciclo anual de leitura da Torá e outro se inicia. Simboliza o ápice de Tishrei.
Como a última festividade do mês, Simchat Torá concentra a energia espiritual e o poder que permeiam todo esse período. Essa celebração – o segundo dia de Shemini Atseret – engloba o temor a D’us e a introspecção de Rosh Hashaná, a seriedade e a santidade de Yom Kipur, e a unidade e a alegria de Sucot. É o momento da convergência de todos esses elementos, o que gera um profundo sentimento de celebração e júbilo.
Shabat Bereshit
O Shabat que se segue a Simchat Torá é conhecido como Shabat Bereshit. Sua denominação deriva de Bereshit (Gênesis), a primeira Parashá (porção) da Torá, que é lida nessa ocasião. Trata-se de um momento singular, pois assinala o início do ciclo anual de leitura desse Texto Sagrado. Os Mestres Chassídicos ensinam que, à semelhança de Rosh Hashaná, Shabat Bereshit exerce influência sobre todo o ano iniciado em primeiro de Tishrei.
Assim como Rosh Hashaná atua sobre todo o período que inaugura, Shabat Bereshit, como o primeiro Shabat do novo ciclo de leitura da Torá, influencia todos os Shabatot subsequentes ao longo do ano. Assim, é um dia de extrema importância para determinar a trajetória espiritual em todos os meses que se seguem. Esse Shabat singular realça a importância de se iniciar o ano com o propósito de dedicar-se ao estudo da Torá, o núcleo do Judaísmo, que engloba os mandamentos, leis, narrativas e ensinamentos que formam a base da fé e da prática judaica.
A conclusão da leitura anual desse texto basilar em Simchat Torá – a última celebração religiosa de Tishrei – e seu recomeço em Shabat Bereshit simbolizam a natureza cíclica e infinita do estudo da Torá, assim como a contínua relevância dessa prática na vida do Povo Judeu.
Juntos, Simchat Torá e Shabat Bereshit ressaltam a eternidade da Torá e seu papel como ligação sobrenatural entre o ser humano e D’us. Essa obra oferece ao Povo de Israel uma forma de conectar-se ao transcendente e absorver um pouco da Vontade e Sabedoria de D’us. Por meio de seu estudo e observância, o homem aproxima-se de D’us o máximo que lhe é possível. Esse conceito sintetiza e engloba os temas de todas as festas e dias especiais de Tishrei – o mês mais significativo do calendário judaico.
1 Septenal - que acontece de sete em sete anos.
Bibliografia
Jacobson, Simon, 60 Days - A Spiritual Guide to the High Holidays, Meaningful Life Center
The Duality of Jewish Time, artigo publicado no site https://www.rabbisacks.org/covenant-conversation/emor