O dia amanheceu gelado em Flushing Meadows, no bairro de Queens, Nova York. Era um dia comum de fim de semana para os americanos, mas especial para os judeus do mundo todo que celebravam o sábado, o Shabat, no qual um judeu observante se abstém de todo trabalho e renova sua devoção ao Criador. Pouco depois do anoitecer, a Assembleia Geral das Nações Unidas ali adotaria partilhar a Palestina sob Mandato Britânico prenunciando a criação do Estado de Israel.
A reunião da Assembleia deveria acontecer num dos pavilhões remanescentes da Feira Internacional de Nova York, que tinha mobilizado as atenções do mundo em 1939. O pavilhão tinha sido transformado em ringue de patinação e depois adaptado para receber os representantes dos países signatários da fundação das Nações Unidas. Alguns líderes sionistas presentes na ocasião pressentiam um mau agouro porque lhes trazia à lembrança o ano de 1939, um dos mais traumáticos na batalha pela criação de uma pátria judaica soberana na sua terra ancestral. Foi o ano em que o Império Britânico, mandatário na Palestina, editou o White Paper, um documento determinando que a continuação ilimitada da imigração judaica levaria a um desequilíbrio demográfico e ao domínio dos mandatários pela força, e que isso era contrário ao espírito da Liga das Nações.
Em artigo para esta revista (edição Nº 65), o historiador Reuven Faingold explicitou que o governo de Sua Majestade havia decidido estabelecer uma cota de 10 mil imigrantes judeus por ano, mais uma outra cota adicional de 25 mil refugiados. Depois de cinco anos teriam chegado à Palestina sob Mandato Britânico 75 mil judeus, e nenhuma outra imigração judaica seria permitida sem o consentimento árabe. A venda de terras para judeus ficava proibida de imediato. Na verdade, o conteúdo do White Paper (Livro Branco, em tradução livre) impedia o desenvolvimento do Lar Nacional judaico e fechava o território, com exceção de uma insignificante fração de refugiados.
O texto recusava a ideia de dividir o Mandato em dois estados, favorecendo uma Palestina independente governada em comum por árabes e judeus, com os primeiros a manter a maioria demográfica. Em setembro de 1939, quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia, David Ben-Gurion fez uma declaração que ganhou dimensão histórica: “Nós combateremos na guerra como se não houvesse o White Paper e combateremos o White Paper como se não houvesse guerra”.
A rigor, a possibilidade da existência de dois estados, ou seja, partilhar a então Palestina, já tinha sido objeto da atenção inglesa, dois anos antes, quando foi formada em Londres a Comissão Peel. A dita Comissão foi chefiada por Lorde William Peel, importante político e empresário britânico. A Comissão chegou à Palestina sob Mandato Britânico em novembro, já ciente de um comunicado emitido pelo Mufti, líder dos árabes, segundo o qual eles não prestariam à Comissão qualquer forma de colaboração. O Ishuv (comunidade judaica na então Palestina) e o movimento sionista tiveram uma reação oposta. Foi elaborado, para ser entregue à Comissão, um extenso relatório. Primeiro, uma dissertação de caráter histórico, evidenciando a presença judaica naquele território desde a antiguidade. A seguir, uma relação dos sucessos ali obtidos pelos judeus desde o início do século, sobretudo na criação dos kibutzim (colônias agrícolas coletivas) e na recuperação de pantanais e vastas áreas até então desertas.
Entre novembro de 1936 e fevereiro de 1937, David Ben-Gurion, Chaim Weizmann e Zeev Jabotinsky, os mais proeminentes líderes sionistas, prestaram depoimento perante a Comissão Peel e outras autoridades britânicas. Ben-Gurion foi o mais enfático: “Nossos direitos nesta terra não têm como origem o Mandato Britânico, nem a Declaração Balfour de 20 anos atrás. Nossos direitos decorrem da Bíblia que nós mesmos escrevemos, em nosso próprio idioma”.
Em face da positiva repercussão internacional dos três depoimentos, Amin El Husseini, líder árabe radical conhecido como o Mufti de Jerusalém, reconsiderou sua obstrução. Emitiu, então, uma declaração: “Pretendem reconstruir o templo de Salomão em nossas sagradas propriedades. A Palestina está plenamente ocupada e nela não há lugar para dois povos”.
Esta sua posição já era conhecida e até mesmo mais violenta. Uns anos antes da intervenção da Comissão, o jornalista e escritor holandês Pierre Van Passen, autor de um excelente livro sobre a participação da Brigada Judaica na 2ª Guerra Mundial, entrevistou o Mufti em Jerusalém. Este lhe declarou com absoluta tranquilidade: “Nós vamos exterminar os judeus que ocuparam nossas terras”. De fato, a intenção de extermínio tinha tudo a ver com o Mufti, que jamais escondeu seu apoio a Hitler. O ditador nazista o havia recepcionado calorosamente durante a 2ª Guerra e lhe proporcionado um “passeio” por campos de extermínio e de concentração.
No dia 7 de julho de 1937, a Comissão Peel divulgou seu relatório constante de 435 páginas. Este relatório causou espanto ao afirmar que o maior problema não eram os ataques dos árabes contra os judeus, mas dos árabes contra setores árabes que se opunham à tirania do Mufti. Ao fim de tudo, apesar das obviedades que favoreciam o Ishuv, a Comissão Peel apresentou uma proposta desprovida de um mínimo de bom senso no tocante a uma sugerida divisão do território: aos árabes competiria 80% do território, aos judeus 13% e o restante caberia à Inglaterra. Ben-Gurion chegou a cogitar uma aceitação dos 13%, mas foi dissuadido por Weizmann e dez anos transcorreriam até que a partilha voltasse a ser considerada em âmbito internacional.
Após a 2a Guerra Mundial, os ingleses escolheram um novo primeiro-ministro, preterindo Winston Churchill, o grande vencedor do conflito. O eleito foi Clement Atlee, do Partido Trabalhista. Em Jerusalém, os líderes da Agência Judaica, em grande parte socialistas, ficaram otimistas. Julgavam que os entendimentos com os novos governantes em Londres, também socialistas, se tornariam mais flexíveis ou, pelo menos, mais cordiais. Sofreram uma contundente decepção. Além das implicações políticas que consistiam em aceitar as exigências dos árabes, era flagrante que o chanceler britânico, Ernest Bevin, não gostava dos judeus e era hostil à causa sionista. Por sua inspiração e ordens, a Marinha de Guerra inglesa empenhou-se sem cessar na tarefa de interceptar e confiscar, com inusitada ferocidade, os navios que conduziam judeus.
De 63 embarcações clandestinas transportando refugiados, somente cinco conseguiram furar o bloqueio. Os apreendidos foram confinados em acampamentos rudimentares na ilha de Chipre. Embora não sofressem violências, o arame farpado à sua volta, os guardas de fuzis nos portões dos acampamentos, em tudo faziam lembrar os campos de concentração nazistas. Questionado sobre as condições de vida dos judeus ali instalados à força, um oficial inglês declarou: “Está bom demais para eles”.
O White Paper encampado pelo Partido Trabalhista britânico impediu a expansão dos kibutzim implantados pelos pioneiros judeus. Indiferentes à sua condição de esquerda, os socialistas ingleses não se deram conta de que os kibutzim representavam uma forma de vida igualitária, levada com sucesso da teoria para a prática.
No fim de 1946, a Inglaterra se encontrava numa situação insustentável no território sob seu mandato. A organização clandestina Irgun, chefiada por Menachem Begin, era incansável em sua luta contra o Mandato Britânico. Os atentados da Irgun contra alvos militares britânicos haviam se sucedido de forma incessante, culminando com um atentado ao Hotel King David, em Jerusalém, que servia como sede para o alto comando inglês. A bomba fora escondida num latão de leite colocado no porão do hotel. Antes da explosão do petardo, a Irgun telefonou para o King David, advertindo que seus ocupantes deveriam evacuar o prédio. Ao ser informado, o comandante britânico assim reagiu: “Eu não recebo ordens de judeus”. A explosão matou 92 pessoas, entre militares, civis e funcionários do hotel. Os próprios líderes da Agência Judaica repudiaram o atentado porque se empenhavam em atingir somente por vias pacíficas a implementação de um lar nacional judaico na Terra de Israel.
Na verdade, os ingleses estavam perplexos em face do novo tipo de judeu que deviam combater. Assim como os demais europeus ocidentais, estavam habituados à passividade judaica estendida ao longo de aldeias e pequenas cidades da Rússia e da Polônia. Eram judeus que dificilmente reagiam a sangrentos ataques e perseguições. Agora, o poder militar britânico enfrentava uma nova geração de judeus, nascidos na Palestina nas duas primeiras décadas do Século 20. Eram jovens audaciosos e determinados, dispostos a emancipar a terra onde haviam nascido. Muitos recorreram às vias pacíficas. Outros acreditavam na luta armada, tal como a adotada pelo Irgun.
Em 1947, teve início em Londres uma série de conversações entre árabes e judeus, ouvidos separadamente pelas autoridades britânicas. Mas não houve consenso face à proposta britânica de prorrogar o Mandato Britânico por mais quatro anos, depois dos quais seria discutida a divisão da Palestina. Durante esse tempo permaneceria a proibição da entrada de novos imigrantes judeus, uma desumanidade principalmente com os 250 mil sobreviventes do Holocausto que não tinham para onde ir e esperavam uma solução enquanto viviam presos nos campos de pessoas deslocadas na Europa. Diante do fracasso das negociações, Ernest Bevin decidiu entregar às Nações Unidas a solução do problema da então Palestina. Sugeriu a criação de uma comissão, à semelhança da Comissão Peel.
A nova comissão, nominada Unscop, relativa à sigla de United Nations Special Committee on Palestine, apresentaria suas conclusões à Assembleia Geral. Bevin acreditava que poderia manipular o texto final em favor dos árabes e assim se livrar da pressão exercida pelo presidente americano, Harry Truman, que demandava a concessão de 100 mil vistos para os judeus refugiados na Europa. O pavor britânico era que a entrada daqueles 100 mil novos imigrantes, sob bandeira inglesa, arruinasse sua posição geopolítica no Oriente Médio, na qual a adesão dos árabes avultava como o foco central.
A delegação da Agência Judaica incumbida de acompanhar os acontecimentos na ONU, em Flushing Meadows, foi chefiada por Moshe Sharett, que tinha o economista David Horowitz como braço direito. Este mandou chamar em Londres um militante da Agência chamado Audrey Sachs, 32 anos, cuja competente qualidade diplomática ganharia reconhecimento internacional nos anos seguintes com o selo de Abba Eban. Ele escreve em sua autobiografia que, antes de partir para os Estados Unidos, constatou em Londres um enraizado ambiente contrário à causa sionista, a ponto de Bevin ter recusado receber Chaim Weizmann em audiência.
Eban e Horowitz se debruçaram sobre os nomes dos 11 membros da Unscop, comandada por Emil Sandstrom, magistrado da Corte Suprema da Suécia, conhecido por suas ações em causas humanitárias. No âmbito latino havia componentes do Peru, Uruguai e Guatemala. A Unscop chegou à Palestina sob Mandato Britânico em junho, poucas semanas depois de um acontecimento que fez exultar a delegação judaica nas Nações Unidas: um inesperado discurso de Andrei Gromyko, jovem representante da União Soviética.
Gromyko começou com uma crítica violenta à Inglaterra, acentuando que sua incumbência como mandatária havia resultado num enorme fracasso pela incapacidade de obter um mínimo de entendimento entre árabes e judeus. Referiu-se ao horror sofrido pelos judeus no Holocausto e enfatizou que era “hora de o mundo ajudar este povo, não com palavras, mas com iniciativas concretas”.
No final do discurso, ressaltou que os judeus tinham pleno direito à autodeterminação através da divisão da Palestina em dois estados, um árabe e outro judeu. Suas palavras tiveram ampla repercussão internacional e evidenciaram a posição de Stalin. O ditador soviético não tinha especial simpatia pelos judeus, muito pelo contrário, mas julgava que a existência de um Estado Judeu, mesmo em parte do território até então sob Mandato Britânico, seria importante fator para diminuir a influência e a presença da Grã-Bretanha no Oriente Médio.
No dia 19 de julho, enquanto percorria a então Palestina, a Unscop chegou a Haifa e, no porto da cidade, se deparou com um espetáculo deprimente: a apreensão pelas forças britânicas do navio Exodus e a humilhação a que estavam submetidos seus passageiros, homens, mulheres e crianças sobreviventes do Holocausto. No cais, bastava ver a aparência destroçada do Exodus para que se tivesse uma ideia do que havia acontecido. Os refugiados foram descendo sob a mira de fuzis e levados para três navios de guerra britânicos. Apenas uma jornalista, a americana Ruth Gruber, teve permissão de subir ao navio enquanto estava ancorado. Anos mais tarde ela escreveu em seu livro O navio que fundou uma nação: “Centenas e centenas de pessoas seminuas pareciam ter sido jogadas no fundo de um canil. Por um momento, cheguei a ter a horrível impressão de que estavam latindo. Todos gritavam na minha direção nos mais diversos idiomas, vozes cobrindo vozes. Uma jovem mãe aproximou-se de mim e disse: ‘Minha vida acabou’. Respondi-lhe: ‘Não fale assim, você já passou pelo pior’. Ela disse: ‘Tem razão, eu sei que vou acabar chegando à minha terra, eu sei que vou viver’”.
As reportagens escritas por Ruth Gruber e as dramáticas fotografias que tirou correram o mundo e mobilizaram dezenas de opiniões públicas em favor da causa judaica. Numa atitude de incrível insensibilidade, os passageiros do Exodus não foram conduzidos para Chipre, mas para a França, seu ponto de partida. Eles se recusaram a desembarcar e foram levados numa ação de imperdoável crueldade para campos de pessoas deslocadas justamente na Alemanha, a origem de seus carrascos. Um porta-voz do almirantado britânico declarou que aquilo tinha sido feito para “dar um exemplo e dissuadir outros navios que tivessem a audácia de tentar furar o bloqueio”.
Longe de ter sido um fator determinante, não resta dúvida de que o drama do Exodus sensibilizou de forma significativa os componentes da Unscop em favor da implantação de um Estado Judeu.
Semanas depois, em Genebra, a Comissão Especial apresentou seu relatório final do qual constava um mapa com o traçado da Partilha da Palestina com dois países independentes, um abrigando 1 milhão e 250 mil árabes, outro com 570 mil judeus, cabendo a Jerusalém tutela internacional. Aos árabes também competiria a maior parte do território. Este era o relatório que seria levado à apreciação da Assembleia Geral da ONU. Sharett, Horowitz e os demais integrantes da delegação trabalhavam de forma incessante. Disparavam telegramas e telefonemas para os quatro cantos do mundo. Alguém conhecia alguém que conhecia o governante de determinado país? Como apurar qual seria o importante voto da França? Pedir ao diplomata Garcia Granados, embaixador da Guatemala, conhecido apoiador do Sionismo, que influenciasse os representantes de outros países. Abba Eban escreveu em suas memórias: “Nós tínhamos bons aliados. O presidente da Assembleia, Oswaldo Aranha, do Brasil, estava religiosamente devotado ao direito da existência de um estado judaico”.
Nos bastidores da ONU movimentavam-se em favor da partilha líderes judeus da estatura de Nahum Goldman, Moshe Sharett e o Rabi Abba Hillel Silver. Nessa atmosfera foi relembrado, com grandes esperanças, o nome do judeu Eddie Jacobson, com quem Truman tinha afetuosa amizade. Amigo de juventude, haviam servido juntos durante a 1ª Guerra no exército americano. Após o conflito, os dois montaram um negócio chamado Truman & Jacobson Gents’ Furnishing. Jacobson não era sionista, mas mudou de opinião depois do Holocausto.
Quando Truman assumiu a Casa Branca, Jacobson ficou famoso. Centenas de pessoas passaram a procurá-lo, pedindo que ele intermediasse isso ou aquilo com o novo presidente. Ele jamais atendeu quem quer que fosse. O general Marshall, então secretário de Estado, opunha-se à partilha e recomendava que as Nações Unidas instituíssem uma espécie de tutela na então Palestina. Contudo, a decisão de Truman estava assumida: não havia outra solução a não ser a partilha e esta foi a sua ordem expressa ao Departamento de Estado. Mas como tudo estava sendo tratado a portas fechadas, aumentava a pressão externa para que Truman aprovasse o relatório do Unscop.
Truman recebeu, naqueles dias, uma carta de seu velho amigo, Eddie Jacobson: “Faço-lhe um apelo em nome do meu povo. O futuro de um milhão e meio de judeus refugiados na Europa depende do que será aprovado nas Nações Unidas. O inverno está chegando e é preciso aliviar o sofrimento daquela gente. De que maneira eles poderão sobreviver no frio, vai além da minha imaginação. Só há um lugar neste mundo para onde possam ir: a Palestina. Eu e você sabemos disso muito bem. Talvez eu seja um dos poucos americanos que realmente sabe avaliar o enorme peso que agora recai sobre seus ombros. Portanto, eu deveria ser o último a fazê-lo pesar ainda mais. Mas sinto que você me perdoará porque a vida de mais de um milhão de pessoas depende da sua palavra e do seu coração. Harry, meu povo precisa de socorro e eu apelo para que você o ajude”.
Pedindo para guardar confidencialidade, Truman foi conciso na resposta: “Como o assunto depende das Nações Unidas, não será adequado que eu intervenha no processo, mesmo porque são necessários dois terços dos votos da Assembleia para que a partilha seja aprovada. O caso está entregue a Marshall e espero que ao final tudo dê certo”. Dias depois, ainda por interferência de Jacobson, o presidente aceitou receber Chaim Weizmann em audiência.
No dia 19 de novembro, Eliahu Epstein, um dos elementos mais ativos da Agência Judaica, encontrou-se com Weizmann e o juiz Frankfurter no café da manhã. Juntos elaboraram um memorando que seria entregue ao presidente ao cabo da reunião. O documento enfatizava a absoluta necessidade de o deserto do Neguev estar dentro das futuras fronteiras do estado judeu, “porque somente através de Eilat e do Golfo de Akaba teremos acesso à navegação no Mar Vermelho”. O memorando acrescentava: “O próprio relatório do Unscop reconheceu a conexão histórica entre os judeus e aquele pequeno porto no Mar Vermelho”.
Weizmann foi recebido durante meia hora no Salão Oval da Casa Branca e, em vez de entregar o papel, resolveu tratar de tudo que era crucial em viva voz, estendendo um mapa na mesa do presidente. Referiu-se aos tempos de fazendeiro de Truman e, portanto, ele saberia compreender de que maneira os pioneiros judeus estavam fazendo verdadeiros milagres na agricultura, tornando férteis terras que estavam áridas por mais de cem anos. Na questão do acesso ao Mar Vermelho, explicou que se o Neguev não viesse a pertencer a Israel, continuaria relegado à condição de deserto. Weizmann escreveu em suas memórias: “Saí muito feliz daquela reunião. O presidente entendeu rapidamente o que eu lhe apontava no mapa e prometeu que levaria o assunto para a delegação americana nas Nações Unidas. De fato, Truman telefonou para Herschel Johnson, o embaixador americano na ONU, e deu-lhe ordens inamovíveis em favor de um Neguev israelense”.
No dia 27 de novembro, quando a Assembleia Geral se reuniu, Sharett e os demais companheiros estavam a ponto de perder a esperança. A contagem por intuição indicava que não seriam alcançados os 2/3 de votos necessários para a aprovação da partilha. A angustiante solução foi pedir aos embaixadores favoráveis à partilha que ocupassem a tribuna pelo maior tempo possível, fazendo com que a sessão tivesse que ser encerrada sem votação em função do esgotamento do horário. Assim, num gesto de boa vontade para os representantes judeus, Oswaldo Aranha suspendeu os trabalhos e marcou a retomada para dois dias depois, porque o dia seguinte era o do feriado americano de Ação de Graças. Moshe Sharett disse, anos depois, que aquelas 24 horas tinham sido cruciais para a obtenção dos votos ainda duvidosos.
No dia 29 de novembro, na abertura da sessão, o embaixador do Líbano, Camille Chamoun, propôs o adiamento da votação do relatório da Unscop. Foi obstado por Aranha: “Votar ou não votar, eis a questão”. Os países foram chamados para se manifestar por ordem alfabética e o voto favorável da França assegurou a proporção necessária para a aprovação da partilha, com o seguinte resultado final: 33 votos a favor, 13 contra, 10 abstenções e uma ausência.
Quando a partilha foi aprovada, o Times Square e arredores, em Nova York, tornaram-se um pandemônio. Milhares de pessoas cantavam e dançavam nas ruas enquanto eram pronunciados calorosos discursos dos líderes sionistas. Emanuel Neumann, um dos principais ativistas sionistas, falou no microfone: “Devemos essa decisão favorável das Nações Unidas em grande parte, talvez mesmo a maior de todas, aos esforços incansáveis do presidente Harry Truman”. Por causa do fuso horário, era madrugada na Terra de Israel. Milhares de pessoas saíram às ruas de Jerusalém, Tel Aviv, Haifa e outras cidades, onde celebraram até o amanhecer.
Em Jerusalém, na sede da Agência Judaica, Ben-Gurion estava angustiado. Apesar da grande vitória, sabia que esta significava uma guerra desigual porque os árabes, fiéis ao comando do Mufti, jamais aceitariam a partilha, mesmo sendo contemplados com mais vantagem na sua metade de território.
Em Tel Aviv, um jovem corpulento e bem apessoado, saiu da multidão no centro da cidade e caminhou na direção da orla do Mediterrâneo. Olhou para aquele mar que já havia navegado. Era Iossi Harel, 28 anos, nascido em Jerusálem, comandante do Exodus. Ele sentia que uma pequena porção daquela festa, por menor que fosse, ia permanecer para sempre em sua vida.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.
A VOTAÇÃO
Votação referente à Partilha da Palestina na Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 29 de novembro de 1947
A favor: 33 - África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielorrússia, Canadá, Checoslováquia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela.
Contra: 13 - Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia.
Abstenções: 10 - Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras, Iugoslávia, México e Reino Unido.
Ausência: 1 - Tailândia