Os judeus do Líbano, Síria e Egito são os principais componentes da comunidade sefardita do Brasil. Mas como e por que eles chegaram nesse país é um mistério para a maioria dos brasileiros – e também para muitos judeus.
Praticamente a primeira coisa que os visitantes veem no aeroporto de São Paulo é uma filial do Banco Safra, fundado por uma família judaica libanesa de Beirute. Nas décadas de 1950 e 60, muitos judeus se reassentaram em São Paulo, vindos da Síria e da cidade libanesa de Saida (Sidon).
Os judeus do Egito fugiram para o Brasil após o ano de 1956. Eles somavam oito mil pessoas em uma comunidade basicamente ashquenazi de 100 mil pessoas. Eles mereceram apenas um parágrafo de explicação no Museu Judaico de São Paulo. Assim sendo, eles decidiram contar sua própria história.
A exposição Judeus do Egito – 70 Anos, composta por fotografias, documentos e objetos, foi exibida na Hebraica em junho e julho deste ano de 2022 e transferida para a sinagoga da comunidade egípcia Ohel Yaacov em setembro. Seu ponto de partida são os 70 anos desde o Golpe dos Oficiais Livres que depôs o Rei Farouk. Enquanto esteve sendo exibida na Hebraica, tive o privilégio de ser convidada por Nessim Hamaoui para viajar da Inglaterra para o Brasil, conhecer a encantadora comunidade judaico-egípcia e falar sobre meu livro Desenraizados.
Em 1952, o futuro da comunidade judaica local de 80 mil membros era iminente: após a partida de 20 mil judeus na esteira da Guerra da Independência de Israel, em 1948, outros 25 mil foram expulsos após a crise do Suez. Hoje são menos de dez os judeus que ainda vivem no Egito.
Na década de 1950, o Brasil buscava atrair imigrantes. Funcionários judeus de multinacionais americanas conseguiram transferir seus empregos para São Paulo, a capital comercial do país. Outros foram assistidos pela agência de assistência aos refugiados, HIAS (Hebrew Immigrant Aid Agency, a Agência Judaica de Auxílio a Imigrantes), que nunca exigiu devolução do apoio financeiro prestado a judeus refugiados. Algumas crianças foram contempladas com bolsas gratuitas nas escolas judaicas.
A metade do contingente de judeus egípcios chegara ao Brasil como apátridas. Um deles emigrou da França, na década de 1950, mas antes atirou seu passaporte francês no rio Sena ao ser convocado pelo exército para lutar na guerra na Argélia. Conseguiu comprar um passaporte iraniano e partiu para o Brasil.
Os refugiados não tinham permissão de sair do Egito com mais de 20 dinares1. A solução foi encher caixotes de madeira com roupas e, em sua base, esconder suas joias. Também levavam itens estranhos como uma máquina de moer café, um aparato para cortar legumes e ervas para fazer a tradicional sopa molocheya e até um manual da polícia de Primeiros Socorros. Esses caixotes eram depois usados para dormir até que os refugiados tivessem meios de comprar um sofá-cama numa negociação de troca com algum de seus bens.
A história dos judeus exilados do Egito é parte de uma história maior – a epopeia da extinção das comunidades judaicas do mundo árabe. E esta tem sido chamada de a maior história que nunca foi contada...
Mais de 99% dos judeus expatriados fugiram do mundo árabe nos últimos 60 anos. Cerca de 650 mil deles foram para Israel, dobrando, da noite para o dia, a população judaica do país; 200 mil fugiram para o Ocidente, inclusive o Brasil. E hoje, não chega a quatro mil o número de judeus que vivem nos países árabes.
Seu êxodo ocorreu de duas maneiras. Os melhor equipados, que detinham passaportes estrangeiros e conexões no exterior via de regra organizaram de forma independente a sua partida, principalmente para a Europa, Austrália ou as Américas. Ainda que a Diáspora continue sendo majoritariamente ashquenazita, mais de 50% dos judeus de Israel, hoje, são refugiados mizrahim ou sefaradim de países árabes e muçulmanos, ou são seus descendentes. E isso tem sérias implicações para o entendimento do conflito do Oriente Médio, a paz e a reconciliação.
Tais judeus provêm de comunidades que eram efetivamente naturais do Oriente Médio e Norte da África. São anteriores à conquista árabe e ao Islã por cerca de mil anos ou mais, e fizeram enormes e importantes contribuições intelectuais ao Judaísmo. Por exemplo, o Talmud Bavli foi elaborado nas academias judaicas que existiam na então Babilônia, na região que hoje é Iraque, no período anterior à chegada do Islã.
Os deslocamentos em massa de refugiados têm sido uma característica de conflitos na primeira metade do século 20: mais de 52 milhões de pessoas foram desalojadas. O conflito entre árabes e israelenses não é exceção. As trocas de população foram comuns no século 20 – praticamente números iguais de judeus do Oriente Médio e Norte da África e árabes palestinos trocaram de lugar. (Houve, também, troca de refugiados entre Grécia e Turquia, Índia e Paquistão, bem como entre os cipriotas gregos e os cipriotas turcos, sem nos esquecermos da migração em massa dos alemães étnicos e outros na esteira da 2a Guerra Mundial). Ainda assim, há muitos que acreditam que Israel foi criado em resposta ao Holocausto e que os refugiados palestinos foram deslocados para dar lugar aos judeus vindos da Europa.
Há também um mito de que judeus e muçulmanos coexistiram pacificamente durante 13 séculos até que a criação do Estado de Israel arruinasse tal relacionamento. Existia uma simbiose cultural, mas os judeus tinham uma vida precária e um status de dhimmis, de cidadãos inferiores, sob o Islã. Na ausência de direitos, eles eram obrigados a pagar para obter “favorecimentos”. Viviam à mercê – ou sob a “proteção” – do governante da vez, fosse ele benevolente ou malvado com eles.
Essas condições melhoraram durante o período colonial e os judeus puderam se beneficiar de instrução ocidental e maior segurança. E assim, deixaram em seu caminho importantes contribuições à sociedade. Foram grandes mercadores e empresários, proeminentes músicos e atores, chegando mesmo ao cargo de ministros.
No entanto, na década de 1930, o crescente nacionalismo não deixou espaço para ninguém que não fosse árabe ou muçulmano. Os judeus foram marginalizados até serem expulsos. Violentos motins e massacres eclodiram antes ainda da criação de Israel, fazendo os judeus perceberem que não tinham futuro em países árabes.
Após 1948, o movimento sionista underground e o American Joint Distribution Committee, determinados, após o Holocausto, a nunca mais abandonar os judeus da Diáspora à sua sorte, resgataram dezenas de milhares de refugiados em algumas das maiores ponte-aéreas da história. Quando a pressão pela emigração se tornou insuportável, o Iêmen e o Iraque fizeram um acordo como o Mossad israelense para permitir que os judeus partissem.
Os judeus que permaneceram nesses países muito frequentemente se tornaram prisioneiros em seus países de nascimento, onde vigoravam proibições discriminatórias de viagem.
Apesar de que duas populações de refugiados tivessem trocado de lugar, as circunstâncias de seus deslocamentos foram muito diferentes. Os refugiados árabes palestinos se viram em meio a uma zona de guerra, em 1948. Muitos optaram por fugir, mas ocorreram também expulsões, como em Ramle e Lydda. O fato de que 160 mil árabes, dentre um total de cerca de 870 mil, na então Palestina Ocidental, tivessem optado por lá permanecer é uma clara indicação de que o recém-proclamado Estado de Israel não possuía nenhuma política sistemática de “limpeza étnica”.
Enquanto as populações refugiadas do século 20 foram absorvidas em seus novos países, de acordo com a ONU somente os árabes palestinos continuam sendo considerados como refugiados, sendo-lhes permitido passar seu status a sucessivas gerações, ad infinitum. Suas lideranças mantêm constantemente acesa a vã esperança de um “Direito de Retorno” à Palestina, ainda que a maioria deles lá não tenham nascido e outros tantos não viveram lá por mais de dois anos. Provavelmente, esses refugiados foram deliberadamente privados de direitos civis nos países que adotaram de modo a permanecer como uma permanente reprovação a Israel e uma arma na luta árabe e muçulmana de décadas contra o Estado Judeu.
Por outro lado, quase um milhão de judeus do Oriente Médio e Norte da África, centenas ou milhares de quilômetros distantes do teatro de guerra, foram escolhidos para serem perseguidos e destituídos simplesmente pelo fato de serem judeus. Os governos da Liga Árabe adotaram leis fazendo de seus cidadãos judeus bodes expiatórios como “a minoria judaica do estado da Palestina”. O Sionismo virou crime: os pretextos mais frágeis poderiam ser invocados para prender, julgar e, por que não, executar os judeus.
Enquanto os refugiados palestinos foram deslocados internamente apenas alguns quilômetros, ou realocados em países que, em sua grande maioria, eram muçulmanos sunitas de língua árabe, os judeus foram forçados a abandonar sua antiga herança, seu idioma e sua cultura para de novo começar – do zero.
Em 29 de novembro de 1947, as Nações Unidas aprovaram a resolução 181 de sua Assembleia Geral, aprovando a Partilha da Palestina em um Estado Judeu e um Estado Árabe. Os árabes orgulhosamente rejeitaram o plano, sendo que tumultos antijudaicos explodiram na Síria, Bahrein e Aden, e posteriormente no Egito, Líbia e Marrocos. Os cinco países da Liga Árabe – Síria, Líbano, Egito, Iraque e Jordânia – que haviam deslanchado a guerra de 1948 contra Israel (o Iêmen e a Arabia Saudita enviaram forças expedicionárias) declararam uma segunda guerra contra seus próprios cidadãos judeus, não-combatentes. Todos esses países criminalizaram o Sionismo, expondo suas minorias judias a acusações de constituírem uma 5ª Coluna.
Os países árabes perderam a guerra contra Israel, mas decididamente venceram a guerra contra seus próprios judeus. Exceto quando eram tratados como reféns e proibidos de deixar o país, não lhes sobrava outra alternativa a não ser partir. Enquanto os judeus que conseguiam fugir da Alemanha Nazista encontravam os portões da maioria dos países fechados para eles, Israel ofereceu aos mais pobres, enfermos e vulneráveis um porto seguro onde aportar.
Na década de 1950, o Marrocos, lar da maior população judaica no mundo árabe, bem como a Líbia e a Tunísia, se filiaram à Liga Árabe, implementando a política de arabização. Apesar de viverem nesses países há dois milênios, os judeus já não se sentiam em casa.
Motins antijudaicos, que atingiam o seu máximo em tempos de guerra com Israel, tiveram um tremendo impacto psicológico: os judeus passaram a se questionar se teriam um futuro em vista da alternativa em Israel. O Estado Judeu prontamente aceitou essas massas espoliadas e destituídas, que se amontoavam, incondicionalmente – como judeus. E lhes ofereceu um porto seguro e a capacidade política de se defenderem, coisa que as minorias nos países árabes desconheciam.
A libertação dos refugiados judeus foi alcançada com altas somas em dinheiro vivo. Israel pagou um resgate por cada um dos judeus, além de custear seu transporte para fora do país. As autoridades iraquianas tiveram que ser subornadas em montantes várias vezes mais altos que seus salários mensais. Custou £12 para transportar cada um dos passageiros para a segurança. Quando foi extinta uma proibição que vigorara durante cinco anos à emigração de famílias judias marroquinas, as indenizações que tiveram que ser pagas às autoridades do Marrocos chegaram a somas inacreditáveis, entre 5-20 milhões de dólares.
Os cerca de 120 mil judeus que abandonavam o Iraque foram destituídos, por decreto, de sua cidadania em 1950, e, posteriormente de suas propriedades, mediante uma lei parlamentar aprovada em sessão secreta. Tinham permissão de partir levando, cada um, no máximo 50 dinares ($80 hoje), um terno, uma aliança de casamento, uma pulseira, um relógio e uma maleta. Não havia garantia de que tais malas fossem chegar a seu destino. Os judeus que partiam queixavam-se de que funcionários desonestos na Alfândega confiscavam a última joia que encontrassem, vasculhavam suas bagagens ou arruinavam seus pertences.
O governo iraquiano concordou em libertar os judeus por julgar que os milhares de judeus destituídos que chegavam a Israel, com pouco mais do que a roupa do corpo, levariam a um colapso econômico. E, enquanto isso, os países árabes e seus cidadãos colhiam uma bonança de curto prazo com os ativos judaicos confiscados e com as propriedades que eles consideravam que tinham sido abandonadas ou vendidas por tostões. Os custos de longo prazo para a economia e cultura dos países árabes são inquantificáveis.
Os judeus do Iêmen fizeram uma caminhada, longa e arriscada, a pé, até alcançar Aden, colônia da Coroa Britânica: emissários britânicos pagavam a vários chefes tribais iemenitas um imposto per capita para permitirem que os refugiados judeus atravessassem o país. Eles chegavam quase mortos de fome e muito necessitados e passavam longas semanas em acampamentos improvisados, em meio ao calor e à poeira. Cerca de 150 deles morreram no caminho, enquanto outros 700 não resistiram aos campos. Acima de 90% dos 38 mil judeus da Líbia partiram para Israel. Muitos já tinham ficado desabrigados por distúrbios mortais, em 1945, e vinham sendo abrigados nas sinagogas. Praticamente 30 mil judeus da Síria fugiram dos violentos distúrbios em 1947.
Os judeus que lá ainda se encontravam, geralmente os mais ricos, e que permaneceram em países árabes, se felicitaram por não se haver juntado ao maciço êxodo. Por um curto período eles continuaram a viver calma e confortavelmente. Porém, piores dias de tormento e terror os aguardavam: os judeus do Egito foram brutalmente expulsos do país após 1956; os poucos milhares dos que permaneciam no Iraque e na Síria, que eram obrigados a portar cartões de identidade especiais, com sua religião, foram destituídos de seus direitos de cidadão e de sua subsistência. Era questão de tempo sua inevitável partida.
No Iraque, as condições desesperadoras exigiam medidas desesperadoras e, após 1970, seguindo-se aos horrendos enforcamentos de nove judeus na praça principal de Bagdá e o desaparecimento de outras tantas dezenas, a maioria dos remanescentes foram contrabandeados através do Curdistão, com a cumplicidade das autoridades israelenses.
Os judeus sírios foram feitos virtuais prisioneiros até a década de 1990, tendo suas atividades restritas e sendo cada um de seus movimentos seguidos pela polícia secreta. Aqueles que podiam, arriscavam-se pelas perigosas rotas de contrabandistas em direção a Israel.
Os 25 mil judeus egípcios, principalmente da classe média, foram sumariamente expulsos após 1956, sendo-lhes concedidas apenas poucas horas para partir, com um limitado montante em dinheiro nos bolsos. Outros foram demitidos de seus empregos e passaram meses na cadeia antes de serem expulsos de vez do Egito.
Muitos dos refugiados ficaram marcados para toda a vida pelo trauma de sua erradicação da terra que julgavam sua. Chefes de família viram, de uma hora para outra, suas licenças de trabalho rescindidas. Esses judeus egípcios continuaram sendo perseguidos pelas abusivas ou obscenas ligações telefônicas que recebiam, ou ligações em que o outro lado da linha permanecia mudo, aterrorizando-os; as ameaças por escrito que recebiam, os subornos que lhes eram exigidos, as sinistras batidas à porta às 3 da manhã; o choque de se deparar com homens armados à porta de suas casas; parentes do sexo masculino sendo presos sem a menor explicação. Os planos de partida tinham que ser feitos em segredo, sem as costumeiras despedidas, especialmente se o destino final era Israel – que alguns dos judeus egípcios chamavam de ‘chez nous’. Quando chegava a hora de sua apressada partida, os judeus do Egito tinham seus passaportes confiscados e substituídos por um laissez-passer marcado com as palavras: ‘uma ida – sem volta”.
Uma vez em segurança, os refugiados enfrentavam o desafio de erguer sua vida, tudo de novo. O custo mental e físico era incalculável.
Há provas empíricas de que um número impressionante deles morreu logo após esse deslocamento e essa destituição, incapazes de lidar com o trauma de serem arrancados de sua terra de nascença e o estresse de ter que buscar sustento para sua família.
Em especial os homens, chefes de família, subitamente viram sua autoridade erodida em uma sociedade menos patriarcal do que a sua de origem. Comerciantes ou administradores em seu país de nascença, despiram os seus ternos e se juntaram aos que trabalhavam nas construções. As mulheres puseram-se a trabalhar, fora de casa, pela primeira vez na vida – e eram, com frequência, mais resilientes à enorme mudança.
Os relacionamentos viraram de cabeça para baixo, com os filhos, muitas vezes, assumindo a responsabilidade por seus pais, desorientados. As famílias de refugiados viram-se explodidas e seus membros dispersos através do globo terrestre.
Eram pouco encorajadoras as duras condições que aguardavam os 650 mil judeus que partiram para Israel – as malcheirosas ma’abarot (acampamentos de trânsito), a escassez de alimentos e de empregos, e o idioma e cultura estranhos. Israel se esforçava para lidar com o afluxo de refugiados da Europa e os sobreviventes do Holocausto. E esses acampamentos foram, aos poucos, se transformando em vilarejos e cidades permanentes.
Apesar das dificuldades e do sofrimento dos primeiros anos, esses judeus haviam escapado de motins antijudaicos, sinagogas incendiadas, sequestros, internações e execuções. Hoje, os judeus dos países árabes e muçulmanos estão bem integrados e representados em todas as áreas de atividade em Israel, em seu governo e seu exército.
Muitos conseguiram se sair muito bem. Conta-se a história do judeu egípcio que insistia em visitar o túmulo de Nasser e, ao fazê-lo, disse: “Obrigado Nasser, pois se você não me tivesse expulsado, eu não teria me tornado milionário”.
No final das contas, sua erradicação desses países foi uma libertação e uma bênção. Nenhum desses judeus deseja retornar: se eles houvessem permanecido nas áreas da Síria e Iraque ocupadas pelo ISIS, o Estado Islâmico, e tivessem tido a mesma sorte que os Yazidis e os cristãos assírios, eles teriam sido executados, suas mulheres e filhos estuprados e vendidos como escravos. Ou, no mínimo, a exemplo de outras minorias, eles lá estariam, largados, vulneráveis a pogroms, lutando para alimentar seus filhos e privados de trabalho e de subsistência por discriminação sancionada pelo Estado.
Até a fuga em massa dos cristãos mediorientais após a invasão do Iraque, em 2003, o maior número de refugiados não-muçulmanos no Oriente Médio e Norte da África era composto por judeus. Eles eram em maior número que os refugiados árabes palestinos da região que hoje é Israel. A vasta maioria deles são inequivocamente gratos pelo fato de ter podido escapar e reconstruir sua vida no mundo livre. Referindo-se às autoridades egípcias, Maurice Mizrahi, judeu egípcio que se tornou engenheiro do Pentágono, nos Estados Unidos, afirmou: “Eles nos tiraram tudo; mas a única coisa que eles não podiam tirar estava dentro de nossa cabeça”. No entanto, muitos deles estão incrivelmente frustrados pelo fato de sua história ter sido negligenciada ou esquecida.
O mundo ignorou a história dos refugiados judeus e sua busca por justiça. Não apenas tiveram que lutar para serem reconhecidos como refugiados, mas eles nunca foram indenizados. Estima-se que as propriedades e ativos de judeus roubados ou abandonados em países árabes chegue a cerca de $300 bilhões. As terras judaicas perdidas chegam a uma área do tamanho da Jordânia e Líbano, juntos.
Visando despertar a conscientização para tão grande injustiça, o Knesset, Parlamento de Israel, designou o dia 30 de novembro (dia seguinte à aprovação, pelas Nações Unidas, do plano de partilha) como o Dia de Comemoração da Partida e Êxodo dos judeus dos países árabes e do Irã. Anualmente, esse dia é celebrado em Israel e na Diáspora. Espera-se que também os judeus do Brasil – ashquenazim bem como sefaradim – juntem-se às demais comunidades e organizem suas próprias comemorações. Esse êxodo não é uma história exclusiva sefardita – é uma história judaica.
São muitas as pessoas que negam o antissemitismo e o preconceito árabe e muçulmano, a máquina de “limpeza étnica” que existe na região. Mais do que nunca essa história é relevante para que se entenda a luta árabe/islâmica contra Israel.
Se é que vamos, algum dia, chegar ao ponto de nos entendermos e até mesmo de nos reconciliarmos, é essencial restaurar a luta dos judeus dos países árabes no registro histórico de nosso povo, e derrubar os mitos que tiveram permissão de criar raízes durante décadas de silêncio.
1 O dinar é a moeda nacional de vários países, a maioria deles árabes, ex-integrantes do extinto Império Otomano. A palavra “dinar” em árabe é derivada do denário, uma moeda romana.
Lyn Julius é filha de refugiados judeus do Iraque. nascida na Grã-Bretanha, Lyn é jornalista e fundadora da Harif (a Associação de judeus do Oriente Médio e Norte da África). É autora da obra Desenraizados: Como, da noite para o dia, desapareceram 3.000 anos de civilização judaica no mundo árabe. (Conto Judaico, 2020)