Mencionada inúmeras vezes na Torá e nos Salmos, encrustada nas Montanhas da Judeia, a antiga cidade de Shiló, hoje chamada de Tel Shiló, abrigou por 369 anos o Mishkan, o Tabernáculo, tornando-se o epicentro da vida religiosa da antiga Israel durante a era dos Juízes, que precedeu a formação do Reino de Israel. Em fevereiro de 2012, Israel declarou Tel Shiló patrimônio arqueológico.
A 17km ao sul de Sh’chem ou Shechem, Tel Shiló1 está situada 714m acima do nível do mar e a 40m acima da área ao seu redor. A localização da antiga Shiló é claramente identificada no Livro dos Juízes: “Eis que há anualmente uma festa do Eterno em Shiló, que está ao norte de Bet-El, a leste o caminho que sobe de Bet-El a Shechem, e ao sul de Levoná” (Juízes, 21:9). Em Deuteronômio (Devarim), 12:9, Shiló é apontada como “menuchá” (local de descanso), um precursor da “nechalá” (herança) que se alcançaria com a construção do Beit Hamikdash em Jerusalém. O nome Shiló vem da palavra shalá, em hebraico “refúgio da tranquilidade”.
Nas últimas décadas, milhares de visitantes têm ido a Tel Shiló para admirar os tesouros arqueológicos descobertos no local e nas redondezas, hoje parte do sítio arqueológico “Ancient Shiloh” (Shiló Antiga), localizado na entrada da moderna comunidade de Shiló.
A Shiló judaica
Os Bnei Israel, Filhos de Israel, não foram os primeiros habitantes de Shiló. De acordo com historiadores e arqueólogos, o local foi habitado a partir do século 18 A.E.C. e, antes da chegada do Povo de Israel, o local ficou sob domínio canaanita e egípcio.
Shiló passou a fazer parte da História Judaica após os Filhos de Israel, liderados por Yehoshua bin Nun, terem conquistado Canaã, a Terra que lhes fora prometida por D’us. Profeta e guerreiro, legislador e juiz, Yehoshua era o principal discípulo de Moshé, e D’us o escolhera para suceder nosso maior profeta na liderança da geração de judeus nascida após a saída do Egito, no Deserto do Sinai. Nos sete anos seguintes, o povo lutou arduamente pela conquista da Terra Prometida2. No final desse período, o Eterno revelou a Yehoshua que chegara a hora dos “Filhos de Israel receberem sua herança, na terra de Canaã”.
Tornou-se necessário escolher um lugar fixo para o Mishkan, o Tabernáculo. Este Santuário portátil havia sido construído após o recebimento da Torá no Monte Sinai, seguindo as instruções do Eterno. Treze capítulos do Livro Êxodo detalham sua construção. No Mishkan estavam os bens mais preciosos de Israel: o Aron Hakodesh - a Arca Sagrada ou Arca da Aliança, que abrigava as Tábuas da Lei, que continha os Dez Mandamentos (guardando, inclusive, os fragmentos das primeiras Tábuas estilhaçadas), e o Sefer Torá original, que, ditado por D’us, fora transcrito por Moshé.
A Torá chama o Mishkan de Ohel Mo’ed, “Tenda da Reunião”, pois era o local físico escolhido pelo Eterno para se comungar com o homem, a Morada de D’us na Terra; o lugar no qual o homem finito podia testemunhar e vivenciar a Presença do Infinito. Nos 40 anos em que vagaram pelo deserto, os Filhos de Israel levavam consigo o Mishkan, de um lugar a outro. Para Israel, o Mishkan era um sinal de que sempre haveria uma via de comunicação com D’us, independentemente de quão distantes estivessem do local da Revelação, no Monte Sinai, já que lá não havia santidade intrínseca. O que conferia santidade ao local era a Presença Divina e a Sua Torá, Sua Palavra, que a partir da Revelação estariam para sempre com Israel.
Após a entrada dos Filhos de Israel em Canaã, o Mishkan ficou provisoriamente guardado em Guilgal. Mas, após Yehoshua ter dividido a Terra entre as Tribos de Israel, o Tabernáculo é levado ao topo do Monte Shiló, no território da Tribo de Efraim. O Livro de Yehoshua relata que “toda a congregação dos Filhos de Israel reuniu-se em Shiló, ali armando a Tenda da Reunião - Ohel Mo’ed. E a Terra estava conquistada diante deles”, (Josué,18:1 e 2).
Ao ser realocada em Shiló, a estrutura do Mishkan deixou de ser portátil. Suas paredes não eram de madeira de acácia, como no deserto, mas de pedra, permanecendo como era apenas o teto, ou seja, em cortinas trançadas.
Segundo Rashi, na Torá, Shiló é mencionada como um “lugar escolhido” por D’us. Pela primeira vez, a Presença Divina que permeava o Tabernáculo foi associada a uma localização específica. O lugar tornou-se o ponto de reunião do Povo de Israel, um centro político, religioso e de peregrinação. Três vezes por ano os judeus se dirigiam ao Santuário para orar e fazer suas oferendas. Lá ouviam as palavras de Eli, o Cohen Gadol, na época Juiz e líder da nação, cujo túmulo ali se encontra. Foi enquanto o Tabernáculo estava em Shiló e Eli era o Cohen Gadol que Hanna implorou a D’us que a abençoasse com um filho. Em resposta àquela prece, D’us a fez mãe de Shmuel, um profeta cuja estatura é comparada à de Moshé e Aaron.
Segundo o Talmud, Shiló continuou como capital religiosa por 369 anos, até a derrota dos Filhos de Israel pelos filisteus, em Eben-Ezer, e a Arca Sagrada ser capturada por eles. Após essa batalha (1050 A.E.C.), Shiló é incendiada e arrasada.
A narrativa da batalha final e as trágicas consequências da luta de Israel contra os filisteus estão no Livro de Samuel. Em Eben-Ezer, tombam 30 mil soldados de Israel, entre os quais Hofni e Pinchas, os dois filhos de Eli, o Cohen Gadol. Este Livro também revela que a Arca da Aliança, levada de Shiló ao acampamento dos soldados de Israel para dar-lhes ânimo e coragem, acabou sendo capturada pelos filisteus, que a levaram consigo para Ashdod (Samuel, 4-5). O Livro de Jeremias menciona, ainda, que, após derrotar Israel, os filisteus continuaram a luta contra Israel, destruindo tudo em seu caminho, até o coração da Samaria, e arrasaram Shiló. O fim violento da cidade também é descrito no Salmo 78: “Ele (o Eterno) abandonou o Tabernáculo em Shiló, a Tenda que era Sua moradia entre os homens”.
Escavações arqueológicas encontraram uma camadaestratigráfica3 cuja datação coincide com o período em que houve a batalha de Eben-Ezer, indicando que no local ocorrera uma grande destruição. Entre as descobertas recentes, há fragmentos de jarros de barro em meio a uma camada de cinzas avermelhadas, o que poderia confirmar a destruição da cidade por um grande incêndio. A datação do jarro aponta para o ano 1050 A.E.C., data que coincide com os eventos descritos no Livro de Samuel.
Anos após a destruição da cidade pelos filisteus, por volta do século 8 A.E.C. ou um pouco antes, Shiló volta a ser povoada. Inúmeras estruturas datadas desse período foram encontradas durante as escavações. Mas quando a Assíria invadiu o Reino de Israel, em 722 A.E.C., Shiló foi novamente destruída, assim como outras cidades na Samaria.
A partir de então a área foi pouco habitada até o período romano, na época do Segundo Templo. Para os romanos, Shiló tinha interesse estratégico. Localizada na espinha dorsal da alta região montanhosa da Samaria, uma estrada principal passava, na Antiguidade, a 2km a oeste da cidade. A estrada era utilizada pelos romanos como rota entre Jerusalém e Sh’chem.
Mas, de acordo com o Talmud (Talmud Bavli, Yoma), traços da antiga glória ficaram impregnados em Shiló. Assim relata Rabi Yehoshua ben-Korcha, um sábio do Talmud: “Um judeu idoso me disse, ‘Eu fui a Shiló e senti o cheiro do incenso entre seus muros’”.
Nem após a destruição do Segundo Templo e o início da Diáspora, a localização de Shiló foi esquecida pelos judeus. A tradição de ir até a cidade para rezar manteve-se através dos séculos. No século 4 da Era Comum (E.C.), o historiador romano Eusebius relatou sua localização: a cerca de 30km de Nablus. Sabe-se também que viajantes judeus e muçulmanos teriam por ali passado durante a Idade Média. Um peregrino muçulmano, que visitou a região em 1173, falou sobre uma sinagoga, e Rabi Jacob, que por ali passou no século 13, disse ter visitado os túmulos de Eli, o Cohen Gadol, e seus dois filhos.
Período Bizantino, Otomano e Árabe
Durante o período bizantino a cidade chegou ao auge de seu desenvolvimento. Quatro igrejas foram construídas no sul de Tel Shiló, a primeira no século 4 E.C. e a última entre os séculos 6 e 7. As igrejas são uma clara indicação de que a cidade se tornou centro de peregrinação cristã. Apesar de não haver evidências que comprovem que a cidade era rota de peregrinos depois da época dos Cruzados, fontes muçulmanas contam que os cristãos continuaram a passar por lá durante o domínio islâmico.
No livro Kaftor Vaferach, Rabi Ishtori Haparchi, que deixou a França e emigrou para a Terra de Israel em 1313, instalando-se em Beit Shean, assim descreveu sua visita a Shiló: “Nestes montes há um domo, o Domo da Shechiná (Presença Divina); e próximo a ele há um lugar conhecido em árabe como a “mesa dos Filhos de Israel”.
Nos séculos seguintes, foram construídos povoados árabes ao redor das montanhas, no Vale de Shiló, chamado de Sahel Isstuniya, em árabe. A leste, próximo ao deserto, arqueólogos encontraram vários povoados antigos abandonados. O nome Isstuniya deriva-se do maior deles – Hurvat Isstuniya, ainda habitado no início do século 20. Localizado no alto do monte que controla o vale, cercado por bosques de pinheiros, abriga o túmulo do xeque Mohammed e restos de uma estrutura bizantina decorada.
A leste de Isstuniya está o antigo povoado de Hurvat Kalzun, onde também foram encontradas ruínas datadas da Idade do Ferro e da época do Segundo Templo. Ao sul do vale está o grande povoado de Turmus Aya. No alto de uma montanha, a oeste, está o vilarejo de Sinjil, cujo nome está relacionado a um dos líderes da primeira cruzada, Raymond de Saint Gilles.
Conder e Kitchener, arqueólogos que estudaram a área em 1882, afirmaram ter encontrado vestígios do sítio arqueológico de Tel Shiló nas ruínas próximas a Seilun (Khirbet Seilun, a Antiga Shiló). No ano seguinte, Edward Robinson, pai da chamada Arqueologia e Geografia Bíblica, chegou à mesma conclusão.
Período contemporâneo
Os judeus retomaram da Jordânia a soberania de Shiló na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Os primeiros povoados judaicos foram criados em 1979 exatamente no mesmo local em que as Doze Tribos de Israel ergueram seu centro político. Em 2012, a cidade já contava com uma população de aproximadamente 2.500 pessoas e, em 2017, quase 4 mil, segundo dados do Escritório Central de Estatísticas de Israel.
Escavações e Parque arqueológico
As primeiras escavações em Tel Shiló foram realizadas em 1922 pelo dinamarquês Aage Schmidt. De 1926 a 1932, mais três equipes da Dinamarca trabalharam no local, sob a coordenação de Hans Kjaer. Após sua morte, as escavações foram suspensas até 1963, quando outro dinamarquês, Svend Holm Nielsen, retornou ao local.
Atualmente, no Monte Shiló, há um amplo sítio arqueológico que permite vislumbrar a passagem dos séculos na região. Escavações arqueológicas confirmaram que os Filhos de Israel não foram os primeiros habitantes da região e que o local já era habitado entre os séculos 18 e 19 A.E.C.
Entre 1981 e 1985, o professor Israel Finkelstein chefiou uma equipe da Universidade Bar Ilan. Arqueólogos identificaram portões da antiga cidade no lado sudeste de Tel Shiló. Em 1985, suas escavações revelaram ruínas de casas de pedras e um muro canaanita, impressionante por sua extensão – em alguns lugares chega a medir 5,5m. Muitos jarros foram também encontrados, assim como antigas prensas para produção de vinho e azeite de oliva e grandes vasos com restos de uvas. As descobertas mais importantes feitas por essa equipe são as ruínas das grandes igrejas da Era Bizantina, erguidas na região mais ao sul: restos de três delas, a mais antiga datada do século 4 da E.C. e as outras duas do século 5.
Encontraram, também, um arco de pedra e pisos em forma de mosaicos com padrão geométrico na primeira igreja, denominada pelos arqueólogos de Igreja dos Peregrinos. Para proteger os achados, ergueram uma construção de tijolos simulando uma igreja bizantina. Esta é a primeira parada dos visitantes que chegam ao sítio.
A Sinagoga do Domo da Presença Divina está ao sul de Tel Shiló, sobre uma elevação da qual se tem uma visão geral do vale, da estrada para Jerusalém e da cadeia de montanhas de Ba’al Hatzor. A sinagoga foi construída com os mesmos padrões daquelas do Período Talmúdico, na Galileia. Todas tinham três entradas no muro ao Norte; e, no muro, ao Sul, um nicho para a Arca Sagrada, voltado para Jerusalém. No centro da construção podem ser vistos restos de colunas que sustentavam o teto. Os muros externos chegam a atingir quase dois metros de altura, dando à construção o aspecto similar à Tenda da Reunião. Ao longo da entrada há imagens decorativas características de edifícios judaicos, como ramos de oliveiras e urnas. A construção é conhecida também como “A sinagoga onde Hannah orou”.
Entre os vários achados arqueológicos também estão ruínas de uma mesquita, Jamia el Arbain (em árabe, Mesquita dos 40). A parte principal é um quadrado. Ao norte, a porta tem um suporte na parte superior no qual estão esculpidas duas guirlandas de flores ladeadas por dois jarros com duas alças, e no centro uma ânfora. No interior da construção há três colunas. Em seu capitel, folhas de
Ao longo do caminho, ainda ao sopé do Monte Shiló, está outra mesquita, Jamia el Yeteim (em árabe, Mesquita dos Órfãos). Data do início da Idade Média e foi construída com pedras de antigas igrejas bizantinas.
Localização do Tabernáculo
Em 1873, o explorador Wilson havia sugerido que a planície norte de Tel Shiló devia ser o local onde estivera o Tabernáculo e que a área deveria ter uns 235m de comprimento.
Mas, em 1981 e 1982, Zeev Yeivin e Rabi Yoel Bin-Nun fizeram escavações no leito da rocha que, acredita-se, teria sido o local onde ficava o Tabernáculo. Entre 2006 e 2007, foi a vez do Escritório de Arqueologia da Administração Civil da Judeia e Samaria fazer escavações na área.
Quando, em 2010, reiniciaram-se as escavações no Monte Shiló, os arqueólogos encontraram um cômodo contendo pilhas de pratos quebrados da época em que o Tabernáculo estava em Shiló. Em escavações recentes realizadas na subida do Monte, encontraram uma grande plataforma que julgavam ter sido o lugar do Tabernáculo.
Ofer Gat, da equipe que agora participa das escavações no local, acredita ser possível que o Mishkan tenha realmente estado localizado lá. Há uma grande semelhança topográfica entre essa suposta localização do Tabernáculo e a do Templo no Monte Moriá, em Jerusalém.
No lado norte do Monte Shiló, próximo ao local do Tabernáculo, há uma caverna a partir da qual subdivide-se uma série de cavernas, cisternas e labirintos. Na caverna principal, no muro ocidental, veem-se resquícios de nichos para velas e lamparinas. A oeste da caverna, próximo à entrada, há uma mikvê com seis degraus, exatamente como está descrito no Tratado Mikvaot. Este local era usado pelos Cohanim e Levitas para se purificarem antes dos serviços no Mishkan.
Do ponto de vista nacional e religioso, não há dúvida de que a identificação do local do Tabernáculo é de fundamental importância para reafirmar o grande vínculo histórico e religioso entre o Povo Judeu e Tel Shiló.
1Tel Shiló, a antiga Shiló como é chamada hoje.
Tel significa monte ou sítio arqueológico.
2Os historiadores acreditam que a entrada dos Filhos de Israel
e conquista da Terra ocorreu durante a chamada 1ª Idade de Ferro, em meados do século 13 A.E.C.
3 Corte longitudinal do sítio arqueológico.