Em 2 de setembro de 2018, um incêndio devastou o Museu Nacional do Rio de Janeiro, chocando a sociedade brasileira e o mundo, e revelando o descaso total das autoridades com o patrimônio cultural do país. Esta instituição guardou durante anos uma Torá, também conhecida como os “Pergaminhos Ivriim”.

Felizmente, como tais manuscritos necessitavam nova restauração, a Torá foi trasladada, do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, para a Seção de Obras Raras da Biblioteca da Universidade, situada no Horto Florestal, próximo ao museu. Esta ação acabou por salvar o precioso manuscrito do fogo que devastou o museu. A Torá já havia sido restaurada em novembro de 1998, pois os pergaminhos encontravam-se marcados por fungos e orifícios decorrentes de ataque de micro-organismos. Restaurada, essa Torá permaneceu no 1º pavimento do Museu Nacional, no Museu do Imperador, um espaço pouco citado na historiografia. E, ao que tudo indica, pertenceu ao Imperador D. Pedro II.

Que relação e que interesse o monarca teria tido com o universo judaico? Seguem-se alguns episódios pouco conhecidos de sua relação com esse universo.

A VIAGEM DE D. PEDRO À TERRA SANTA

Em 1998, tive o privilégio de ter acesso à “Caderneta de viagens” de D. Pedro II à Terra Santa, guardada no Museu Imperial de Petrópolis. Há anos, o documento era parte do acervo, mas até então não havia sido estudado. Lá consegui, também, resgatar fontes históricas que me ajudaram a reconstituir a fascinante viagem de peregrinação de 24 dias empreendida, em 1876, pelo monarca brasileiro e sua comitiva imperial. Sua Majestade percorreu lugares recônditos, conheceu várias personalidades e exercitou sua verdadeira vocação de orientalista amador.

As cidades da Terra de Israel se agitaram com o visitante ilustre. Em seu Diário encontramos os três principais elementos da chamada literatura de peregrinação: a reconstrução da cena “in loco”, fundamental para estabelecer a passagem do profano ao sagrado; a leitura e meditação de algum trecho bíblico, indispensável para identificar e valorizar o fato histórico; e o poder espiritual da oração que gera devoção, envolvendo os sentimentos dos peregrinos.

D. Pedro d’Alcântara, tido como “rei sábio”, foi criado para as letras e as artes. Amado e elogiado, criticado e censurado, foi um homem culto e uma figura ímpar que merece um lugar de destaque na galeria dos grandes vultos da Humanidade.

PERGAMINHO DA TORÁ

Em 23 de agosto de 1995, a revista Veja publicou uma nota intitulada “Pergaminho de 24 metros”. A matéria falava da existência dos três pergaminhos mais antigos da Torá: o primeiro, no Museu de Israel, em Jerusalém; outro, nos Estados Unidos, e um terceiro, no Brasil. Este último era um rolo de 24 metros de comprimento, dividido em 9 peças de 60 centímetros de altura cada, manuscrito sobre pele de novilho avermelhado. O texto teria sido copiado por um escriba que habitava o Egito entre os séculos 1 e 41. Escritos com pigmento vegetal, os pergaminhos estavam, como dissemos, no Museu Nacional do Rio de Janeiro.

A nota da Veja levantou uma pergunta: poderia o manuscrito guardado no Museu Nacional ser o mesmo mencionado pelo Imperador em seu “Diário de Viagem”, e que lhe teria sido apresentado em 1876, na sinagoga dos samaritanos, em sua viagem?

Antes de examinar a questão é necessário abrir um parêntese para ressaltar que os samaritanos não fazem parte do Povo Judeu, sendo uma seita muito antiga anterior ao exílio judaico para a Babilônia. Professam o Samaritanismo, religião intimamente relacionada com o Judaísmo, sendo seu culto baseado no Pentateuco Samaritano. Há cerca de 6 mil diferenças entre o texto samaritano e o massorético2. Em grande parte, são variações na grafia de palavras ou construções gramaticais, mas há também importantes mudanças semânticas, tais como o mandamento exclusivo dos samaritanos de construir um altar no Monte Guerizim.

Voltando ao Museu Nacional, em rápida visita ao seu Departamento de Arqueologia, constatei que o manuscrito samaritano, citado no “Diário de Viagem”, não é o que se encontra tombado, desde 1998, no Museu. Esta tese é sustentada por cinco argumentos, que descrevemos abaixo.

Em primeiro lugar, nesse diário D. Pedro menciona um manuscrito em pele de gazela, enquanto que o do Rio de Janeiro é todo em couro de novilho. Em segundo, as letras do Pentateuco dificultavam a leitura, estando algumas apagadas, como relata o Imperador, enquanto são bem legíveis os caracteres dos rolos do Sefer guardado, até há pouco, no Museu Nacional. Ademais, ainda segundo o Diário, os pergaminhos samaritanos supostamente datavam da época de Avishua, filho de Pinchas, Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) no tempo de Yehoshua bin Nun, sucessor de Moshé. Já o Pentateuco do Rio de Janeiro seria obra de um sofêr que viveu no Egito entre os séculos 1 e 4, como vimos acima.

Finalmente, a prova mais evidente de que os Pergaminhos guardados no Museu Nacional não eram os mesmos aos quais D. Pedro tivera acesso na sinagoga samaritana reside no formato dos caracteres hebraicos. As letras dos escribas samaritanos eram diferentes das letras hebraicas utilizadas pelos judeus. O argumento mais contundente é o fato de que a promessa dos samaritanos de levar uma cópia do Pentateuco Samaritano ao Imperador nunca foi cumprida.

Cabe, então, outra pergunta: quem teria trazido ao Brasil os Pergaminhos Ivriim? Lamentavelmente não há registro algum sobre sua procedência, apenas suposições ... É bem provável que tenha sido o próprio Imperador, mesmo não se tratando dos pergaminhos que lhe foram apresentados na sinagoga samaritana. D. Pedro tinha um fascínio por manuscritos antigos. Em agosto de 1876, por exemplo, três meses antes de chegar à Terra de Israel, havia analisado manuscritos hebraicos antigos em encontro com orientalistas em São Petersburgo, Rússia.

GENEALOGIA E JUDAÍSMO

Em 2 de dezembro de 1825 nascia, no Rio de Janeiro, Dom Pedro d´Alcântara. Desde cedo teve vida calma, comparecendo ao Paço Imperial somente nas solenidades. A Quinta da Boa Vista passou a ser sua residência, e era lá que estudava línguas exóticas, como mandarim, tupi-guarani e sânscrito, mergulhando fundo nas culturas clássicas e orientais. Mesclava-se em sua pessoa o bibliógrafo, o astrônomo e o helenista. Sua enorme curiosidade pelas descobertas científicas aproximou-o dos grandes espíritos da época.

D. Pedro II era um Bourbon e também um Bragança. Pertencia à estirpe dos reis de Portugal. Uma lenda narra a origem judaica dos Bragança. Certa vez, durante o governo do Marquês de Pombal, apresentou-se um cortesão perante o rei, propondo-lhe que os descendentes dos cristãos novos portassem um chapéu amarelo para diferenciá-los de outros grupos. O rei, entusiasmado com a ideia, foi dissuadido por outro nobre, que se apresentou diante dele com três chapéus amarelos e disse: “Tomo o primeiro para mim e entrego os outros, um ao Inquisidor-mor e o terceiro à Vossa Majestade, em homenagem à formosa judia de quem precede a Casa de Bragança”.

Quem seria essa formosa judia? Era Inês Fernandes Esteves, filha do judeu espanhol, o sapateiro Mem ou Pero Esteves, conhecido como “Barbadão de Veiros”. Inês teve dois filhos com um bastardo real, que depois seria rei de Portugal com o nome de D. João I. Um dos filhos, D. Afonso (1377-1461), foi sagrado 1º Duque de Bragança, e dele descenderiam os futuros reis de Portugal e do Brasil.

OS ESTUDOS DE HEBRAICO

D. Pedro II era disciplinado nos estudos. Seus “Diários” registram horários rígidos, mestres qualificados e uma obstinada dedicação à aprendizagem. Apreciava e era versado nos idiomas sânscrito, grego, hebraico, árabe, mandarim e tupi-guarani. O poeta luso Ramalho Ortigão (1836-1915), em “As Farpas”, rasga elogios cheios de ironia à importância atribuída à língua dos hebreus: “Apeteceu-lhe o hebraico. Vossa Majestade provou o severo idioma bíblico dos Patriarcas, e sentiu-se refrigerado e satisfeito”.

Desde jovem D. Pedro II acalentava o desejo de conhecer a língua bíblica. Naquela época, o hebraico não passava de idioma de liturgia e culto. Não fora renovado pelo escritor Eliezer Ben Yehuda, o que só ocorreria na Era Moderna. Na introdução às “Poesias hebraico-provençais do Rito Israelita Comtadin”3, escritas em 1890, D. Pedro registra o motivo pelo qual se dedicara a aprender hebraico: “Quanto ao histórico de meus estudos hebraicos empreendidos com o fito de melhor conhecer a história e literatura dos judeus, principalmente a poesia e os Prophetas (sic), assim como as origens do Christianismo (sic), tais estudos remontam aos anos que antecederam à Guerra do Paraguai, em 1865. Encetei-os durante as minhas permanências em Petrópolis com o Sr. Akerbloom, judeu sueco. Mais tarde, retomei-os com o Sr. Koch, ministro protestante alemão. Após a morte súbita deste, prossegui-os com o doutor Karl Henning e, desde 1886, com meu sábio colaborador e professor de línguas orientais, Christian F. Seybold, com quem continuei o estudo sério do árabe”.

O texto acima destaca o valor atribuído pelo monarca à literatura judaica ao mencionar até os nomes de seus quatro mestres de hebraico. O primeiro, Leonhard Akerbloom (1830-1896), judeu oriundo dos países nórdicos, escolhido para ser o cônsul da Suécia e da Noruega no Brasil entre 1867 e 1871. Ao começar as aulas com ele, D. Pedro tinha 42 anos.

Ferdinand Koch foi o segundo professor do Imperador; dominava grego, latim, hebraico e lecionava sânscrito. Depois de anos no Rio, Koch tornou-se amigo de Pedro II, morrendo em Petrópolis. No dia do enterro, seu aluno o perpetuou com uma inscrição em seu jazigo, tratando-o de “amigo” em latim, grego e hebraico.

Karl Henning foi seu terceiro professor. Ancorou no Rio de Janeiro em 1874, carregando livros e manuscritos. Dois dias após sua chegada recebe a primeira carta de Pedro II que, entre outras, dizia: “..., há pouco mais de um mês não converso e, desta forma, poderá conhecer o quanto sei de hebraico pelas traduções do Gênesis. Traga sua Bíblia hebraica e algo em sânscrito para leitura. Desculpe a minha pressa em querer demonstrar o desejo de estudar. Seu devoto aluno, D. Pedro II”.

O linguista alemão Christian Fredrich Seybold (1859-1921), quarto erudito que lecionou hebraico ao Imperador, chegando ao Brasil em 1887, atuou como correspondente da Real Academia de la Historia de Madri, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Sociedade Arqueológica da França.

O acervo do Museu Imperial de Petrópolis conserva 19 folhas do “Glossarium Hebraicum Liber Genesis I-II & Psalmorum”, cadernos de hebraico do monarca. Neles, os comentários de D. Pedro II não aparecem em português, mas em inglês ou grego. As notas nas margens das páginas, com caligrafia miúda, foram feitas em latim.

FORNECEDORES E SERVIDORES

Segundo o recenseamento de 1872, apenas 2.309 eram judeus em uma população total de 10 milhões de habitantes. Os fornecedores judeus credenciados pela corte mantinham estreitos contatos com o exterior.

A “Wallerstein Masset & Company” era provedora oficial da Casa Imperial. Seu dono, o judeu Bernard Wallerstein, conhecido como “o rei da moda”, encomendava em Paris cristais, porcelanas e outros objetos de decoração.

O professor Berliner, judeu alemão especialista em caligrafia, era o responsável pelos livros entregues ao monarca. Estas obras chegavam em grandes quantidades. O judeu italiano A. Curiel, redator do “Corriere Israelitico”, enviou em 1877 um fascículo de sua revista. O rabino Isidor Halisch enviou-lhe, desde os Estados Unidos, um livro em hebraico. Friedrich Israel enviou a obra “Conselho de Estado na Prússia” e os textos de Paul Herzberg (1878), Julius Gaspary (1883) e Joseph Hollmann (1889), todos lidos pelo monarca. Em carta, D. Pedro II agradece a Salomon Hurwitz pela oferta de um manuscrito proveniente de Jerusalém. Desde Paris, um livreiro dos Rothschilds era também cadastrado como fornecedor de Sua Majestade. O dentista judeu, Dr. Samuel Eduard da Costa Mesquita (1837-1894), atendia D. Pedro II. Era casado com Mary Roberta Amzalak, filha mais moça de Isaac e Grazia Amzalak, uma das três graças eternizadas em “Hebreia”, belo poema de Castro Alves. O dentista morava em São Paulo e viajava até Campinas onde oficiava as rezas nas festas judaicas.

A firma “Gabriel & Segrè” recebeu o título de “Alfaiate de Sua Majestade”, com permissão para colocar o brasão das armas imperiais no frontispício do estabelecimento. Entre os vários membros dessa família judeu-italiana encontramos escritores, professores e militares.

A participação de famílias judias na agricultura e na colonização do Brasil foi significativa, principalmente imigrantes chegados dos Estados Unidos. Dentre essas famílias aparecem os Nathan. Em 1870, Charles Nathan expunha a D. Pedro II a precária situação da “Fazenda Funil”, futura cidade de Americana. Em consequência das enchentes e da seca, Nathan viu-se obrigado a sustentar 500 imigrantes sulistas para que não morressem de fome. Após algum tempo, viu-se forçado a solicitar a ajuda do governo brasileiro, pois faltavam-lhe os meios suficientes para tão nobre fim.

LAZER E CULTURA

O casal Kahn, judeus originários da Alsácia, era responsável pelos animados saraus do palácio. Contratada pela corte, a Sra. Sarah Kahn encarregava-se de organizar atividades culturais, palestras, conversas e encontros abordando temas de viagens, língua hebraica e Bíblia.

No teatro, as performances da atriz Sarah Bernhardt (1844-1923) eram incomparáveis. Filha de judia holandesa, a “Diva Sarah” começou a encenar no Teatro Odéon, e mais tarde representou dramas clássicos e românticos na Comédie Française. Sua primeira tournée pelo Brasil, em 1866, gerou grande agitação nos círculos sociais e acadêmicos. O preço dos ingressos para suas apresentações era bem elevado, mas as pessoas acotovelavam-se nas bilheterias para comprá-los. D. Pedro II convidou-a para visitar seu camarote, presenteando-a com uma pulseira de ouro.

O maestro Louis Moreau Gottschalk (1829-1869) chegou ao Rio de Janeiro para reger grandes concertos, alguns inclusive na presença do Imperador. Sua primeira apresentação, a “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional” realizou-se em novembro de 1869.

A segunda, programada para alguns dias depois, não chegou a se concretizar, pois o compositor judeu americano morreu, poucos dias depois. Alexandre Levy (1864-1892) era filho de Henrique Luiz Levy, o fundador da “Casa Levy”, importante ponto de encontro dos artistas da época. Alexandre era um compositor romântico, sendo responsável por incorporar à música temas típicos do país, convertendo-se num verdadeiro precursor do movimento musical brasileiro de caráter nacionalista. Entre suas composições principais, “Variações sobre um tema brasileiro (Vem cá, Bitu)”, “Comala”, “Suíte brasileira para Orquestra”, “Fantasias sobre motivos do Guarani”, “Hino ao Quatorze de Julho”, “Schumannianas” para Piano, “Sinfonia em mi” e seu famoso “Tango Brasileiro”.

Músicos judeus também se destacaram no Império: o casal Joseph e Ada Heine (rabequista e pianista), Cecilia Silberberg (pianista), as irmãs Mathilde e Virgínia Sinai (pianista e violinista), de Belém do Pará, Harold H. Hime, Paula Buchheim, Ida e Helen Goldschmidt, Robert Kinsman Benjamin, entre outros.

BANQUEIROS E EMPREENDEDORES

Um dos primeiros financiers do Segundo Império foi Dennis Samuel (1782-1860), judeu britânico, negociador respeitado na corte. “Rothschild & Sons” era um banco espalhado pelos quatro cantos da Europa. Investidores britânicos atuavam no Brasil e tinham um portfólio que incluía os maiores financiamentos da época. Num mundo difícil para os negócios, o caso do cliente brasileiro era simples, pois o governo nunca discordava de seu banqueiro, até porque o próprio barão Lionel Rothschild se encarregava de aplicar o dinheiro do embaixador Carvalho Moreira, diplomata brasileiro que se tornou agente da grande casa bancária.

Os empréstimos para a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II foram feitos pelos Rothschilds. Em 1859, na lista de acionistas da “São Paulo Railway” aparecem vários judeus londrinos.

A firma “Samuel & Phillips & Company” atuava no Brasil desde 1824. O judeu Samuel Phillips era cunhado dos Rothschilds. A empresa doava altas quantias para empreendimentos sociais e filantropia, para encanamento das águas do rio Maracanã, para os indigentes das Vilas de Diamantina e do Príncipe, em Minas Gerais, e para obras da Praça do Comércio, no Rio de Janeiro. Samuel Phillips, pelas suas excelentes relações comerciais e lealdade ao monarca, procurava obter taxas de juros mais baixas para o Brasil.

José Buschenthal era um banqueiro que efetuava transações com o Tesouro, recebendo o monopólio da venda do sal, de onde obteve imensos proventos. Nascido em um lar judeu, acabou por se converter ao luteranismo. Em 1830, Buschenthal negociou empréstimos e participou no fornecimento de armas e uniformes para o exército brasileiro. José Bonifácio não simpatizava em nada com ele, tendo desabafado, certa ocasião, com Sua Majestade: “Não vai entregar nas mãos de um traste [judeu] os meus interesses pecuniários”.

O exílio de D. Pedro II foi um fato lamentável. Durante anos foi explicado como algo que não passava de uma “festa de despedida”. Longe disso, a saída da família imperial do país deixaria nos políticos da época um clima de culpa e vergonha.

Desde Paris, cidade que acolheu Sua Majestade, batia forte a saudade pelo Brasil. No fim de seus dias, D. Pedro II conheceu o rabino de Avignon, Benjamin Mossé, que lhe ofereceu uma tradução dos Salmos. O rabino sugeriu ao monarca que traduzisse poemas litúrgicos da Provence. Este convite deu origem às “Poésies hebraïco-provençales du Rituel Israélite Comtadin” (1890), de autoria do Imperador. Para o centenário da incorporação do Comtat Venaissin à França, Pedro II traduziu as canções que Benjamin Mossé lhe fornecera. Eram os “Piyutim”4 do ritual Comtadin, eternizados em duas antigas publicações: o “Seder Ha-Kontress” e o “Seder Ha-Tamid”.

O rabino Mossé escreveu ainda uma biografia em francês sobre o monarca brasileiro. Em carta a Pedro II (09/08/1890), diz: “Uma das mais belas retribuições de minha vida, será apresentar, como historiador francês, o maior dos modernos imperadores: D. Pedro II. Desejo que Vossa Majestade seja o primeiro a ler este livrinho que escrevi, quase todo, visando muito ao efeito que deve produzir, não só no estrangeiro, mas principalmente no Brasil”.

PALAVRAS FINAIS

O Imperador D. Pedro II demonstrava fascínio pelo Judaísmo, o hebraico e os judeus. Seu amor incondicional pela cultura judaica está balizado em sua enorme paixão pela Bíblia e, consequentemente, em seu desejo por conhecer profundamente a História do Povo Judeu.

Sua viagem de peregrinação à Terra Santa, em 1876, com uma comitiva de 200 pessoas, foi um verdadeiro sonho acalentado durante vários anos, um acontecimento mágico que se concretizou ao completar, o monarca, pouco mais de meio século de vida.

Há pesquisadores que acreditam que os Pergaminhos Ivriim tenham sido confeccionados no Iêmen, por volta do século 13.

Texto massorético ou masorético é o texto hebraico  utilizado no Tanach para o judaísmo e também como fonte de tradução para o Antigo Testamento da Bíblia cristã. Os massoretas eram os escribas judeus.

3Comtat, “condado” em francês. Comtadin, comtadine é o adjetivo para os objetos ou pessoas originárias do Condado de Venaissin, região em torno de Avignon, na França. Os judeus que lá encontraram refúgio eram chamados de “os judeus Contadins”.

4 Piyut, pl. piyutim, palavra que provém do grego, significando “canto”. Poema litúrgico judaico, geralmente cantado ou recitado nos serviços religiosos. Os piyutim foram escritos desde a época bíblica, sendo a maioria em hebraico ou aramaico. Seguem um esquema poético, como um acróstico na ordem do alfabeto hebraico, ou soletrando o nome de seu autor.

BIBLIOGRAFIA

Faingold, R., D. Pedro II na Terra Santa. Editora e Livraria Sêfer. São Paulo 1999

Faingold, R., Luzes do Império: Pedro II e o mundo Judaico. Exposição iconográfica apresentada pelo SESC e a Casa de Cultura de Israel em São Paulo, Petrópolis e Rio de Janeiro em 2000

Faingold, R., D. Pedro II, manuscritos hebraicos e orientalistas de São Petersburgo. Arquivo Maaravi vol. 2, No. 2, ano 2008. (Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Torah: Arquivos multidisciplinares da escritura)

Faingold, R., Pioneirismo musical judaico no Brasil Império. Morashá, abril 2012

Faingold, R., Os mestres de hebraico de D. Pedro II. Anais do V Encontro do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, São Paulo 2013 (Evento de 2009)

Prof. Reuven Faingold é historiador e educador; PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. é responsável pelos projetos educacionais do “Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto” de São Paulo.