“Imagine um método além de limites, que melhora o aprendizado das crianças pequenas com Síndrome de Down e dos superdotados e de qualquer indivíduo entre estes padrões; que abre as portas das universidades para estudantes menos privilegiados e pode, também, evitar demência nos idosos. pois Este é o Método Feuerstein”.
Ao afirmar que “a inteligência não é uma estrutura estática, mas um sistema aberto, dinâmico, que pode continuar a se desenvolver ao longo da vida”, o psicopedagogo judeu-israelense, romeno de nascimento, revolucionou os conceitos e dogmas vigentes nas décadas de 1950 e 1960, relativos ao desenvolvimento de indivíduos com dificuldades de aprendizagem, portadores ou não de necessidades especiais. Ele foi o pioneiro na criação e aplicação do conceito de que a Inteligência Humana pode ser trabalhada e desenvolvida.
O fundamento básico do pensamento de Feuerstein é que todos os seres humanos – independentemente de sua idade, limitação ou condição socioeconômica – têm a capacidade de melhorar de forma significativa seu aprendizado e, consequentemente, seu nível de funcionamento. Os resultados obtidos em seu Instituto, ao longo de décadas, e a aplicação de suas teorias em mais de 80 países, demonstram que ele tinha razão. Arrancando aplausos efusivos sempre que falava em público, Feuerstein era dono de um bom humor contagiante.
Ao morrer em abril último, aos 92 anos, Feuerstein – cuja marca registrada eram a barba espessa e a boina que usava para substituir a kipá – deixa como legado a gratidão e o reconhecimento de milhares de pessoas que viram sua vida se transformar por acreditarem nas teorias que ele criou, além de seguidores em todo o mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, mais de duas mil pesquisas estão sendo realizadas inspiradas e baseadas em seus trabalhos, com indivíduos das mais variadas faixas etárias – de crianças a idosos, com diferentes perfis, em diversos países. Suas teorias vêm sendo aplicadas tanto em salas de aula quanto em clínicas e consultórios. Em 1992, recebeu o Prêmio Israel para Ciências Sociais e, em 2012, foi um dos nomes indicados para o Nobel da Paz.
Em seu velório, no pátio do Instituto Feuerstein, foi homenageado como o grande homem que inovou o processo de educação de pessoas com necessidades especiais, mudando sua vida. “Ele foi o Einstein da educação”, disse a professora Pnina Klei, da Universidade Bar Ilan. Pai de quatro filhos – o rabino Refael Feuerstein (que continua sua obra, no Instituto), Daniel Feuerstein, Aharon Feuerstein e Noa Schwartz –, o psicopedagogo tinha vários netos, dois dos quais falaram em seu funeral. Um deles é portador da Síndrome de Down.
O Instituto Feuerstein está presente em mais de 26 países, através de 70 Centros de Treinamentos Autorizados (Authorized Training Centers – ATC), que atuam sob a supervisão do Instituto em Israel e são gerenciados por especialistas treinados e certificados em Israel.
Sua vida
Reuven Feuerstein nasceu em 1921, em Botosani, na Romênia, no seio de uma família chassídica, sendo o quinto de nove irmãos. Desde cedo já dava sinais de ser dotado de uma personalidade especial. Começou a ler aos três anos, em três línguas: iídiche, o idioma materno; hebraico, o paterno; e em romeno, o de sua terra natal. Sua habilidade era tanta que ensinava outras crianças, até mais velhas, a lerem. Certa vez, em uma das milhares de palestras que proferiu ao longo de sua vida – contou o seguinte episódio: “Quando eu tinha oito anos, mandaram-me um garoto de 15 que não conseguia aprender a ler e eu lhe ensinei a ler em hebraico. Como? Ensinei-lhe a ler uma prece. E não parei mais”.
Quando jovem estudou na Escola de Professores de Bucareste. Na época em que a Alemanha invadiu o país, frequentava o curso de Psicologia no Onesco College, tendo que interromper sua formação educacional. Durante a 2ª Guerra Mundial, o jovem Reuven foi prisioneiro um ano em campo de concentração e depois em prisões nazistas. Ao término do conflito, em 1945, emigrou para a então Palestina sob Mandato Britânico, onde começou a lecionar para crianças sobreviventes do Holocausto.
“Elas foram para Israel depois de passar três a quatro anos nos campos de concentração. Seus pais haviam morrido nas câmaras de gás. Algumas chegaram a Israel como esqueletos. Eram totalmente analfabetas aos oito, nove anos de idade. Eu não podia aceitar a ideia de que fossem mentalmente limitadas. Passei mais de sete anos trabalhando com essas crianças. Não conseguiam organizar o pensamento, nem suas ações. Uma noite, em Jerusalém, um dos meninos, de oito anos, deitou-se ao meu lado e então começamos a ler Filosofia juntos”. Este foi o começo de uma longa carreira centrada no atendimento das necessidades psicológicas e educacionais dos imigrantes, refugiados e outros segmentos especiais da população israelense.
Feuerstein retornou à Europa para completar seus estudos em Psicologia Clínica e Geral na Universidade de Genebra, onde foi aluno de acadêmicos como Andre Rey e Jean Piaget, assistindo seminários e palestras proferidos por intelectuais como Carl Jung e Karl Jaspers. Em 1970 obteve o doutorado em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade Sorbonne, na França.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, o professor Feuerstein ocupou o cargo de diretor de Serviços Psicológicos do Departamento da Aliat Hanoar (a Aliá Juvenil) na Europa. Nesta função, era o responsável pelo encaminhamento dos jovens imigrantes aos vários programas educacionais de Israel. No decorrer das entrevistas, ele percebeu que quando os testes de coeficientes de inteligência eram aplicados às crianças marroquinas, seu resultado era baixo. Porém, pôde notar, também, que quando o formato do teste era adaptado ao padrão de pergunta-resposta e aplicado por um mediador, o resultado era muito superior. A experiência na Aliat Hanoar levou-o a questionar os rígidos conceitos sobre o fato da inteligência ser estática e a considerar que as diferenças culturais nos modelos de aprendizagem eram aspectos importantes a considerar no processo de avaliação da inteligência.
Foi nessa mesma época que ele começou a desenvolver estudos sobre crianças com baixo desempenho e seu potencial de mudança. Através de pesquisas ele descobriu que o ponto central para a educação especial era o relacionamento mediado. Inicialmente utilizava as ferramentas que havia desenvolvido para avaliar e ensinar cognição para crianças com Síndrome de Down e, eventualmente, com vítimas de enfartes, demências e paralisia cerebral e autismo.
Suas ideias e ideais
O método desenvolvido por Feuerstein é único e internacionalmente reconhecido como tal. Concentra-se na pessoa e no que é capaz de realizar, ao invés de centrar-se em suas limitações. Para isso, utiliza ferramentas que estimulam os alunos a superar seus limites preestabelecidos e conseguir mais do que poderiam esperar. Com base em tais conceitos, criou as Teorias da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE) e da Experiência da Aprendizagem Mediada (MLE), que o consagraram como um dos maiores educadores das últimas cinco décadas. É, também, o autor do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) criado a partir da demanda de professores por métodos que pudessem solidificar seu trabalho no formato curricular. Ele desenvolveu 14 “instrumentos” com séries de exercicios usados por mediadores e estudantes para enriquecer funções cognitivas e construir o hábito de se ter um pensamento eficiente.
Dentro da perspectiva do psicólogo, o educador é a peça-chave. Sobre isso, dizia: “Ele transmitirá os valores, as motivações, as estratégias. Ajudará a interpretar a vida. Nós, educadores, estamos mais em jogo do que a criança e jovens. Se não formos capazes de ensinar, será impossível aprender”. Iniciado com crianças sobreviventes do Holocausto, seu método se concentra na figura do mediador, aquele que enriquece a realidade imediata com novas informações e significados. Para ele, o ser humano tem capacidade de reversão e de superar as limitações, desde que abordado da maneira correta e com os instrumentos adequados. O método Feuerstein procura identificar os pontos fortes dos indivíduos e não suas vulnerabilidades.
Os resultados do programa já foram documentados em mais de 1.500 pesquisas científicas, que atestam resultados extremamente positivos junto aos mais diversos públicos. Diferente de programas que objetivam apenas o conteúdo do curso, o PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental) proporciona aos estudantes conceitos, habilidades, estratégias e técnicas necessárias ao funcionamento do pensamento. Corrige as deficiências de estudantes, dando-lhes a capacidade de pensarem de forma a ter habilidades essenciais como análise, interpretação e conclusão. Mostra como usar estas habilidades para melhorar o aprendizado e seu currículo, ao mesmo tempo em que desenvolve a motivação intrínseca dos alunos.
O trabalho realizado com as crianças sobreviventes do Holocausto foi fundamental para o desenvolvimento do método Feuerstein, porque mostrou que os testes de coeficiente de inteligência então realizados não levavam em consideração a experiência horrorosa que tinham vivido. Sobre esse período, o professor costumava dizer: “Quando avaliamos as crianças diferentemente, através de uma rotina para medir a capacidade de aprendizagem ao invés de seu desempenho presente, descobrimos que todas elas tinham um potencial que tinha sido completamente camuflado nos testes de QI padronizados”. Feuerstein percebeu que os pais dessas crianças não tinham podido dar ordem e significado às experiências dos filhos, como é geralmente o caso.
Sua intervenção chamada de “Experiência de Aprendizagem Mediada” ajuda a corrigir deficiências cognitivas e mostra que a inteligência é modificável, não fixa. Feuerstein costumava dizer que as habilidades cognitivas são ensinadas e enriquecidas com experiências culturais e que até mesmo os indivíduos que eram mentalmente limitados podiam estender sua capacidade intelectual de forma drástica”. Podemos contrariar o determinismo genético”, repetia constantemente.
A partir da década de 1980, o professor e psicólogo desenvolveu o Método Feuerstein para aplicação em indústrias comerciais, governamentais e militares, visando o aprimoramento das ferramentas cognitivas dos funcionários. Este método é utilizado em inúmeras indústrias na China, Índia, América do Sul, África e Canadá.
Os resultados desse método são conhecidos também no Brasil, há anos. Em janeiro último, o SENAC São Paulo, em parceria com o Instituto Feuerstein, realizou um seminário internacional com cursos inéditos na América Latina. Foi o primeiro evento sul-americano da organização israelense realizado em São Paulo e apresentou aos participantes a teoria e a prática da Modificabilidade Cognitiva Estrutural, a Experiência de Aprendizagem Mediada e o uso e a intervenção cognitivas com o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI). Em 1999, o SENAC São Paulo se tornou um Centro de Treinamento Autorizado do Programa de Enriquecimento Instrumental e, desde então, são ministrados cursos que têm como fundamento o programa desenvolvido pelo professor israelense.
Feuerstein jamais desistia de um indivíduo, lembrou, em seu funeral, o Rabino Rafael Feuerstein, seu filho e continuador de sua obra, não se rendendo diante dos obstáculos. Costumava dizer que a inteligência é imprevisível e pode ser modificada.
O ser humano não é um objeto imutável. Não interessa se o jovem ou criança tem dificuldades, tem síndrome de Down, é autista ou cego. “Nós procuramos transformar a inteligência na sua estrutura mais significativa. Com nosso Programa de Enriquecimento Instrumental, ensinamos os alunos a organizar e usar a informação. Mais importante do que saber, é aprender como usar este saber”.