“O Eterno D’us disse a Avram: ‘De onde você se encontra, olhe para o norte e para o sul, para o leste e para o oeste. Eu darei  a você e aos descendentes, para sempre, toda a terra que você está vendo... Agora vá e ande por esta terra, de norte a sul e  de leste a oeste, pois Eu a darei a você’” (Genesis 13:14-17).

O primeiro comentário de Rashi sobre a  Torá merece a devida atenção.

“No princípio, D’us criou os céus e a terra...” (Genesis, 1:1). “No princípio”: Declarou Rabi Yitzhak: a Torá não deveria ter começado por nenhum outro verso a não ser: “Que este mês (Nissan) seja para vós o primeiro dos meses do ano” (Êxodo, 12:2), que é a primeira mitzvá que o Povo Judeu recebeu como mandamento. Qual a razão, então, para a Torá iniciar o relato da Criação com Bereshit? Porque – “Ele revelou a Seu povo o poder de Seus feitos, para lhe conceder a herança das nações (Salmos, 111:6). Pois caso os povos do mundo dissessem a Israel, “Vocês são ladrões, pois tomaram pela força as terras de sete nações (de Canaã)”, Israel poderia responder-lhes: “A terra toda pertence ao Santo, Bendito é Seu Nome. Ele a criou – e a deu àquele que a Seus olhos Lhe pareceu apropriado. E Ele a deu a eles (as nações de Canaã) por uma expressão de Sua vontade; e Ele a retirou deles e a deu a nós por uma expressão de Sua vontade”. Rashi

Rashi é o “pai de todos os comentaristas” e Genesis é o primeiro dos cinco livros da Torá – a única obra de autoria Divina conferida ao ser humano, transmitida por D’us a Moshé no Monte Sinai. O fato de Rashi iniciar seu comentário sobre a Torá da forma como o faz é altamente significativo, pois ressalta a inestimável importância da Terra de Israel – para o Criador do Universo, para a Torá – que é a Sua Vontade e Sabedoria – e para o Povo Judeu.

O que é intrigante sobre esse primeiro comentário é o seu timing. Rashi viveu há quase mil anos: um milênio após a destruição do Segundo Templo Sagrado de Jerusalém e o subsequente exílio do Povo Judeu da Terra de Israel, e quase um milênio antes da criação do moderno Estado de Israel. Quando Rashi escreveu seu comentário, os judeus já viviam no exílio há mil anos e não podiam retornar à sua pátria legítima. Naquele então, o assim-chamado Novo Mundo nem sequer havia sido “descoberto”. Seu primeiro comentário, portanto, é um anacronismo – um assunto que deixou de ser relevante mil anos antes de sua vida – ou profético – uma questão que seria extremamente relevante quase um milênio após seu falecimento. Como Rashi viveu uma vida sobrenatural e sua obra foi guiada pela Divina Providência, podemos seguramente pressupor que suas palavras foram proféticas. De fato, seu primeiro comentário sobre a Torá é hoje mais relevante do que nunca.

Posse da Terra

Um judeu que crê na Torá e um cristão que acredita na Bíblia Cristã não necessitam de convencimento de que a Terra de Israel é a pátria do Povo Judeu. Se há um tema que ecoa ao longo de todo o Tanach – a Torá, os Nevi’im (os Profetas) e os Ketuvim (os Escritos), é o fato de que a Terra de Israel é o presente eterno de D’us ao Povo Judeu. Na Torá, vemos que D’us repetidamente reafirma essa promessa a nossos Patriarcas e a Moshé, e lemos sobre o Êxodo do Povo Judeu do Egito e sua jornada através do deserto a caminho da Terra Prometida. Os Nevi’im relatam como o Povo Judeu conquistou a Terra e lá estabeleceu um país. Os Livros de Josué e dos Juízes detalham as guerras travadas e vencidas. O Livro de Samuel relata que o Rei David fundou e deu o nome à cidade de Jerusalém, que estabeleceu como a capital de Israel, e onde reinou por 33 anos. O Livro dos Reis narra que o Rei Salomão, filho do Rei David, construiu o Templo Sagrado de Jerusalém, e que a Terra de Israel foi dividida em dois reinos – o Reino de Israel (Malchut Israel) e o Reino da Judeia (Malchut Yehudá).

Historicamente é indiscutível que houve um Estado Judeu na Terra de Israel durante mais de mil anos e que a cidade de Jerusalém foi fundada e nomeada pelo maior dos reis judeus, David. Outrossim, é inegável que a Terra de Israel é um dos pilares do Judaísmo. É verdade que continuamos judeus mesmo tendo vivido no exílio por dois milênios, mas muitos dos mandamentos da Torá não podem ser cumpridos se a Terra de Israel não estiver sob soberania judaica. Por essa razão, nos últimos dois mil anos, os judeus, em todo o mundo, oram, no mínimo,  três vezes ao dia, para que D’us nos tire do exílio  e nos leve de volta à Terra de Israel. Ao término de cada evento judaico significativo, como Yom Kipur e o Seder de Pessach, proclamamos: “No ano próximo em Jerusalém” – Bashaná haba’á b’Yerushalaim”, para nos recordar que a vida judaica e o cumprimento de seus preceitos não estão completos se estivermos fora de Eretz Israel e se o Templo continuar em ruínas. Durante dois mil anos, nem um dia sequer transcorreu em que o Povo Judeu se tivesse esquecido da Terra de Israel ou tivesse renegado seu direito à mesma.

A alegação de que o Povo Judeu retornou a  Eretz Israel em virtude do Holocausto ou que o Movimento Sionista influenciou os judeus a retornarem à sua Pátria ancestral, portanto, é um absurdo. Durante dois mil anos, dia após dia, temos ansiado pelo retorno à nossa Terra e orado a D’us para permitir que tal acontecimento ocorra. Fomos exilados de nossa Terra não por opção, mas porque foi conquistada por nações estrangeiras, que exterminaram milhões de judeus e escravizaram e exilaram a grande maioria dos sobreviventes. Através dos séculos, muitos judeus tentaram retornar à sua Pátria, mas foram impedidos pelas nações que a ocupavam. É importante observar que todo judeu que crê na Torá não duvida que a Terra de Israel seja nossa herança eterna. A diferença entre  os judeus que apoiam o Estado de Israel e aqueles que não o fazem não é que os judeus antissionistas negam nosso direito à Terra de Israel, mas apenas acreditam que um Estado Judeu somente deveria ser estabelecido após a vinda do Mashiach. Mas, nenhum judeu que acredite na Torá pode negar que Eretz Israel é a herança eterna do Povo Judeu.

A presença judaica na Terra de Israel também é um dos pilares do Cristianismo, pois Jesus foi um judeu que vivia na Judeia, assim como os demais fundadores do Cristianismo. Não surpreende, portanto, o fato de milhões de cristãos de todo o mundo – não apenas os evangélicos, mas também os católicos – serem ardorosos defensores do Estado de Israel.

O Cristianismo se originou na Terra de Israel e seus seguidores creem que um dos pré-requisitos da Redenção Messiânica seja o retorno do Povo Judeu à Terra de Israel.Como veremos abaixo, o comentário de Rashi não se dirige a judeus e a cristãos que acreditam na Bíblia – estes não necessitam de serem convencidos – mas àqueles que questionam o direito dos judeus à Terra de Israel. Rashi ensinou aos judeus e aos nossos aliados cristãos a responder àqueles que desejavam – e que D’us não o permita – apagar a presença judaica da Terra de Israel.

Para se entender o comentário de Rashi e sua profunda relevância para os nossos dias, precisamos definir adequadamente certos conceitos históricos e geopolíticos.

O “Testamento de Adão e Eva”  e a posse da terra

A quem pertence o mundo? A D’us ou aos homens? Quem estipula os limites territoriais dos países? Será a Organização das Nações Unidas – um organismo fundado apenas em 1945, cujo Conselho de Segurança é controlado pelas potências mundiais e cuja Assembleia Geral é composta praticamente por países que não são democráticos e que não respeitam os direitos humanos?

Questões de posse territorial são muito complexas e controversas porque o mundo não foi criado com linhas divisórias. A humanidade nunca chegou a um acordo sobre como dividir o mundo.

Um incidente histórico envolvendo o Brasil serve de excelente exemplo de quão complexos os direitos territoriais podem ser. Nos idos de 1500, quando Espanha e Portugal “descobriram” o Novo Mundo, dividiram-no por meio do Tratado de Tordesilhas. Mas, já por volta de 1504, os franceses marcavam sua presença no litoral da América Portuguesa, por duas razões: eles, também, estavam interessados no pau-brasil,  mas, o mais importante, eles desejavam desafiar a  política de Mare Clausum (“Mar Fechado”) acertada entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas.  O rei da França, Francisco I, insistia no “direito de navegar no mar de todos”. Os portugueses sentiram  que suas possessões territoriais recém-adquiridas  estavam sendo ameaçadas pelos franceses. O rei de Portugal, D. João III, queixou-se à sua contraparte francesa, que lhe replicou: “Gostaria muito de ver o testamento de Adão e Eva dividindo as terras do  Novo Mundo entre Portugal e Espanha”. Com tal declaração, o rei francês expressava seu não reconhecimento do Tratado de Tordesilhas. Afinal,  quem ou o que determinara que esses territórios pertenciam à Espanha e Portugal? Por que teriam esses dois países mais direito ao Novo Mundo do  que as demais nações europeias? A Coroa portuguesa, percebendo que corria risco de perder a posse dos  recém-descobertos territórios para outras nações,  decidiu ocupar o Brasil. Percebeu que se não ocupasse o país e o desenvolvesse, os franceses certamente o fariam.

Esse episódio histórico é extremamente revelador.  A monarquia francesa estava certa: em nenhum lugar no “Testamento de Adão e Eva” (o Livro de Genesis, que narra a Criação Divina do mundo) consta que o Novo Mundo pertencia aos espanhóis e portugueses. Ademais, que autoridade estabeleceu e legitimou o Tratado de Tordesilhas? Portugal alegava que as terras recém-descobertas lhe pertenciam, mas se não se tivesse apressado em habitá-las e as desenvolver em um país, arriscava perdê-las aos franceses.

A propriedade territorial talvez seja uma das questões geopolíticas mais complexas porque são inúmeros os critérios que podem ser utilizados para determinar quais territórios pertencem a que países. Com efeito, qual deveria ser o principal critério para decidir a quem pertence uma terra? A seus habitantes originais, àqueles que a habitam por mais tempo, àqueles que lutaram e a conquistaram ou àqueles que a desenvolveram?

Falemos dos Estados Unidos, como exemplo. Antes da chegada dos europeus ao que hoje é o território americano, milhões de pessoas, a “população nativa”, habitava aquela terra. Os europeus exterminaram quase todos – milhões de pessoas – ativa ou passivamente. Os poucos que sobreviveram foram expulsos de sua terra e submetidos às leis do novo país estabelecido onde eles e seus ancestrais viviam há milhares de anos. Será que esse fato histórico indiscutível significa que os Estados Unidos pertencem à população nativa daquela terra? Serão os Estados Unidos um país ocupado? Será o governo americano ilegítimo? Se a população nativa dos Estados Unidos exigisse suas terras de volta, teria direito a recebê-las?

Pode-se argumentar, contudo, que os habitantes nativos da América do Norte viviam no território, mas não eram seus legítimos proprietários. Eles lá habitavam há milhares de anos, mas nunca construíram um país.  Nunca houve governo central nem jurisdição central.  Os ingleses não invadiram um país e o dominaram: não havia país constituído. Ademais, pode-se argumentar que o território foi adquirido pela guerra e não por roubo, pois as tribos nativas do Novo Mundo haviam conquistado os territórios de outras tribos. Os ingleses fizeram com as tribos indígenas o que estas faziam umas com as outras. Pode-se, então, argumentar que conquista e ocupação de território são formas legítimas de uma nação adquirir um território. Pertenceriam, então, os Estados Unidos à  Grã-Bretanha, que lutou com muita garra para conquistar e ocupar o território e estabelecer as bases do país?

Evidentemente, a maioria dos americanos não  acreditam que estejam vivendo em território roubado e que devam abandonar o país e devolvê-lo aos descendentes das populações nativas daquela terra. E, apesar de o país ter começado como colônia inglesa, os americanos achariam ridícula a ideia de que seu país pertence à Inglaterra. Afinal, os americanos deram tudo de si para construir uma nação. Declararam a independência da Grã-Bretanha e lutaram uma guerra longa e difícil para obter sua liberdade. Cultivaram a terra e construíram suas instituições. Redigiram uma Constituição e criaram um código de leis e sistema jurídico. Construíram fazendas e fábricas, estradas e serviços públicos, casas e edifícios, escolas e hospitais. Adotaram uma bandeira e compuseram um hino, criaram uma moeda nacional, ergueram um sistema de governo e foram atrás, com sucesso, do reconhecimento de outros países.  A população nativa pode ter habitado nesse território antes dos americanos, e os ingleses podem ter estabelecido as bases do país, mas os cidadãos dos Estados Unidos da América construíram um país praticamente do zero. A maioria das pessoas concorda, pois, que o país é legítimo e pertence ao povo americano.
 
Os direitos religiosos e históricos do Povo Judeu à Terra de Israel

À luz dos conceitos geopolíticos acima discutidos, podemos começar a apreciar o primeiro comentário de Rashi sobre a Torá.

Acerca do Tratado de Tordesilhas, o monarca francês estava certo em sua resposta ao rei de Portugal: em nenhum lugar no Livro de Genesis – o “Testamento de Adão e Eva” – consta que o Novo Mundo pertencia exclusivamente à Espanha e Portugal. Não encontramos no Livro de Genesis ou em nenhum outro livro da Torá ou da Bíblia Cristã que os Estados Unidos pertencem à população nativa do território, aos ingleses ou aos americanos. Em nenhum lugar está escrito que a  Crimeia pertence à Rússia ou à Ucrânia. Isso se aplica a todos os países. Há apenas uma exceção – Israel.

O “Testamento de Adão e Eva” bem como o  restante do Tanach e da Bíblia Cristã afirmam explícita e inequivocamente que a Terra de Israel pertence ao Povo Judeu, tendo-lhe sido legada como herança por Aquele que criou e detém todo o Universo. Essa verdade foi eloquentemente expressa pelo Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn, em 2005: “Uma única  vez na história humana D’us escolheu um país como legado e o ofertou a Seu povo escolhido”. O Cardeal declarou também que a obrigação que recaía sobre os judeus de viverem na Terra de Israel continuava válida até os dias de hoje. O primeiro comentário de Rashi sobre a Torá é dirigido a todos que alegam crer na Bíblia, mas que, no entanto, questionam o direito do Povo Judeu à Terra de Israel. Por meio de seu comentário, Rashi lhes diz: se vocês creem em D’us e na Torá (ou na Bíblia Cristã), devem concordar que a Terra de Israel é a herança eterna do Povo Judeu. Pois o Livro de Genesis nos diz que D’us criou os Céus e a Terra – e, portanto, toda a terra Lhe pertence, não ao homem –, e como detentor de todo o mundo, Ele tem o direito de dá-la a quem quiser. A Terra de Israel pertence ao Povo Judeu porque seu Verdadeiro Proprietário a deu como legado a esse povo.

Esse comentário de Rashi é a resposta que o rei português não pôde dar ao rei francês acerca do Brasil, mas que os judeus podem dar a seus antagonistas quando se trata de Israel: sim, está escrito no “Testamento de Adão e Eva” que a Terra de Israel pertence ao Povo Judeu.

Mas, e aqueles que não creem no Tanach ou na  Bíblia Cristã ou não acreditam que política e religião deveriam se misturar? Nossa abordagem em relação a tais pessoas é perguntar-lhes: a quem pertence a terra? A seus habitantes originais, àqueles que a conquistaram por meio de guerras e ocupação, ou àqueles que nela ergueram um estado? Independentemente da resposta, a conclusão será que a Terra de Israel pertence ao Povo Judeu. Pois nós, judeus, somos os habitantes nativos dessa Terra. Por outro lado, nós a conquistamos – não uma vez apenas, mas duas. E nela construímos um país judaico por duas vezes – uma vez na época do Tanach, e, novamente, há 66 anos, com a criação do moderno Estado de Israel.

Os judeus são a população nativa da Terra de Israel. Havia milhões de judeus que viviam em um próspero reino judeu – de fato, dois reinos – Israel e Yehudá – milhares de anos antes do surgimento do Cristianismo e do Islamismo. Isso sem falar que quase todos os países que hoje constituem as Nações Unidas nem sequer existiam. Assim como as populações nativas da América, também nós fomos massacrados por invasores estrangeiros, que mataram milhões de judeus, escravizaram e exilaram a maioria dos sobreviventes e destruíram nossas cidades e nosso Templo Sagrado. Durante milhares de anos, nós, judeus, sonhamos por nosso retorno ao nosso Lar. Nunca deixamos de ansiar pelo retorno à Terra de Israel e particularmente à Jerusalém. Através dos séculos, sempre que possível, os judeus retornaram à sua Pátria. Mas, ao se estabelecer uma analogia com a fundação dos Estados Unidos, os judeus podem ser comparados não apenas com as tribos nativas, mas com os colonizadores ingleses e com os cidadãos americanos. Como os ingleses, nós conquistamos o território – primeiro na época de Yehoshua (Josué) e, novamente, nas guerras que o Estado de Israel moderno teve que lutar contra os países vizinhos que almejavam destruí-lo. Finalmente, como os americanos, expulsamos os colonizadores que ocupavam nossa terra (ironicamente em ambos os casos, os ingleses), declaramos a independência e construímos um belo país.

O Povo Judeu na Terra de Israel transformou o deserto em um pomar, construiu a única democracia do Oriente Médio e desenvolveu as mais bem treinadas forças armadas no mundo. O Estado do Povo Judeu desenvolveu um dos melhores sistemas educacionais do mundo, provê atendimento de saúde gratuito para todos os seus cidadãos, judeus ou não. O Estado de Israel também construiu uma economia sólida e estável e conquistou não apenas reconhecimento internacional, mas também a admiração de países em todo o mundo, que se voltam a Israel em busca de auxílio em questões tecnológicas, médicas, de defesa e na luta contra o terrorismo.

É fato que os judeus apenas se tornaram maioria na Terra de Israel após o Holocausto. Isso porque as potências que a ocupavam apenas permitiam que um número muito limitado de judeus fizesse aliá. Na verdade, se os ingleses não tivessem imposto o Livro Branco, milhões de judeus teriam ido a Eretz Israel e o Holocausto não teria custado a vida de quase sete milhões de judeus.

É um fato histórico e incontestável que havia um antigo país judeu na Terra de Israel. Mas o fato de que nós éramos os habitantes originais daquela terra e que fomos expulsos de nossa pátria foi ignorado pelo mundo por quase dois mil anos. Como nossas legítimas alegações e reivindicações foram ignoradas – e tiveram consequências catastróficas –, tivemos que retornar ao nosso Lar não apenas como seu povo nativo, mas também como guerreiros – prontos para resgatar nossa Pátria – e como os construtores de um novo estado. Os judeus retornaram à Terra de Israel como uma nação preparada para fazer o que fosse necessário para erguer um país em um território onde nenhum estado fora estabelecido desde a queda do Reino de Yehudá. Após quase dois milênios, a terra do Povo Judeu se tornou novamente um país – um estado independente – e, Jerusalém, novamente a capital de um país.

A transformação espiritual da Terra

Os argumentos acima apresentados – religiosos, históricos e geopolíticos – são refutações claras a qualquer alegação de que o Povo Judeu não tem direito à Terra de Israel. O Estado de Israel é um dos poucos países no mundo cuja legitimidade não pode ser refutada. Contudo, nenhum outro país tem que lutar por seu direito à existência como Israel. Além de lutar contra países que querem destruí-lo fisicamente, Israel tem de justificar sua identidade judaica e seu direito à terra que é sua. Por que Israel, entre todos os países, é acusado de roubo – de se apossar de território que não lhe pertence? Por que essa acusação é levantada contra Israel – e não contra países da Europa, Ásia e todos os países que foram fundados nas Américas? O primeiro comentário de Rashi sobre a Torá nos dá essa resposta.

A proibição contra roubo é um dos sete mandamentos que se aplicam a todos os seres humanos – a todos os descendentes de Noé. Se a conquista territorial por meio da guerra é sinônimo de roubo, por que não encontramos em nenhum lugar na narrativa bíblica menção à punição Divina a uma nação por conquistar a terra (e seus habitantes) de outro povo? É claro que a conquista militar não está incluída na definição de roubo segundo a Torá (V. Shulchan Aruch HaRav, 649:10).

No entanto, a conquista da Terra Prometida pelos judeus e sua transferência de posse dos cananeus, nação que originalmente a habitava e que já não existe, para o Povo Judeu constituiu uma mudança muito mais profunda e de longo alcance do que qualquer outra transferência de terra por conquista. Quando o Povo Judeu conquistou a Terra que D’us lhes legara, modificou a própria essência da Terra. O potencial espiritual da Terra Prometida se tornou realidade – passando por uma transformação: tornou-se Eretz Israel, a Terra do Povo Judeu – para todo o sempre. Nunca mais essa terra poderia essencialmente pertencer a qualquer outro povo. Como está escrito no Livro de Levítico (26:32), “E eu assolarei a terra, e se espantarão disso os vossos inimigos que habitarem nela”, o que significa que nenhuma outra nação poderá viver nela de forma pacífica e bem sucedida. A terra não pode, em tempo e forma alguma, ser removida de seu relacionamento intrínseco com o Povo Judeu. Por essa razão, mesmo em nosso exílio, quando “estivemos exilados de nosso país, e afastados de nossa terra”, ainda nos referíamos a ela como “nosso país” e “nossa terra”.

Essa é a razão mais profunda, espiritual, para tantos países odiarem o Estado de Israel – para sermos acusados de nos termos apossado da Terra e para que as Nações Unidas condenem Israel mais do que a qualquer outro país. Os inimigos do Povo Judeu se ressentem de Israel pelo fato de alegarem que não tínhamos o direito de conquistar e transformar a essência da Terra Prometida, impedindo permanentemente as outras nações de dela se apossarem. Para os nossos antagonistas, essa transformação constitui um ato de roubo, de apropriação indébita.

Não precisamos nos intimidar com tais acusações. Rashi nos ensinou muito bem como responder a elas: “Toda a terra pertence ao Santo dos Santos, Bendito Seja; Ele a criou”. Em outras palavras, a Terra de Israel é a herança eterna do Povo Judeu porque D’us assim o decidiu. Se alguém não estiver satisfeito com essa situação, as reclamações devem ser dirigidas ao Criador, Dono dos Céus e da Terra. Muitas pessoas podem achar essa linha de argumentação absurda. Podem não acreditar ou se importar com o que dizem a Torá ou Rashi, e podem achar que essa explicação espiritual é pouco convincente para tanto sentimento anti-israelense. Nossa resposta a tais céticos é que o fenômeno da transformação espiritual da Terra de Israel foi corroborado pela História: desde quando o Povo Judeu foi expulso da Terra de Israel até quando para lá retornou – quase dois mil anos depois – aquele território nunca se tornou um país independente. Foi conquistado muitas vezes pelas potências mundiais, mas nunca se tornou o país-sede de outra nação. A Terra de Israel somente foi um estado independente quando foi o país do Povo Judeu: durante templos Bíblicos, como detalha o Tanach, e desde o estabelecimento do Estado de Israel.

Quanto a Jerusalém, a cidade somente foi capital de dois países – do Israel antigo e do Israel moderno. Vemos o mundo proclamar, hoje, seu amor por Jerusalém – muitos querem internacionalizar a cidade – mas, estranhamente, nenhum país que a tenha conquistado a fez sua capital. Os líderes muçulmanos alegam que a cidade é sagrada para o Islã e, contudo, nem o Império Otomano nem a Jordânia a fizeram sua capital enquanto a cidade esteve em seu poder. Consideremos: Amã não tem significado para o Islã e, mesmo assim, quando a Jordânia conquistou a metade de Jerusalém na Guerra de 1948, não transferiu sua capital de Amã para Jerusalém. O mesmo se aplica a todos os seus demais conquistadores: o Vaticano organizou as Cruzadas para conquistar Jerusalém, mas nunca a fez sua capital; preferiu permanecer em Roma, mesmo tendo o Cristianismo se originado na Terra de Israel.

As palavras de Rashi foram, de fato, proféticas. Muitas nações podem negar nosso direito à Terra de Israel, mas como ela pertence a D’us – que a legou ao Povo Judeu como uma herança eterna – e como a essência da terra foi transformada em Eretz Israel, não há nada que algum ser humano possa fazer para mudar essa realidade. A Terra de Israel, em sua totalidade, pertence ao Povo Judeu, e Jerusalém é sua capital, eterna e indivisível. Durante dois mil anos, tanto a Terra Santa quanto a Cidade Santa aguardaram pelo retorno de seus filhos. O desabrochar do deserto e o crescimento de Jerusalém é uma indicação de que a Terra e sua capital estão exultantes com a volta de seus filhos ao lar.

Um ponto final e importante precisa ser esclarecido sobre a Terra de Israel: suas fronteiras foram demarcadas por Aquele que criou e detém o mundo todo. As fronteiras de todos os demais países estão sujeitas a discussão: podem ser conquistadas pela guerra, compradas ou renunciadas. As de Israel, não. Pela lei Bíblica, os limites de Eretz Israel não podem ser aumentados nem diminuídos. Explicando: como muitas leis da Torá se aplicam apenas à Terra de Israel, é imperativo que sejam estipuladas corretamente. Isso significa que se o Povo Judeu fosse conquistar territórios além das fronteiras da Terra de Israel, o território conquistado não seria parte da Terra Santa. Por outro lado, se o Povo Judeu fosse abrir mão de partes da Terra de Israel, seria em vão: a terra não perderia sua santidade nem receberia seus novos habitantes. As decisões dos seres humanos – das Nações Unidas, da União Europeia, dos Estados Unidos – mesmo do Governo de Israel – não mudarão jamais essa realidade.

Aqueles que desejam desmembrar a Terra de Israel – expulsando os judeus de sua legítima Pátria – particularmente de Jerusalém e da Judeia e Samaria (Yehudá v’Shomron) – estão na contramão da História. Não terão êxito. Após dois mil anos de exílio, finalmente voltamos para casa, para nunca mais sermos exilados. Como o Primeiro Ministro Binyamin Netanyahu declarou perante as Nações Unidas: “Em nossos dias, as profecias Bíblicas estão-se realizando. Como disse o profeta Amós: ‘Eles reconstruirão cidades arruinadas e nelas habitarão. Eles plantarão vinhedos e beberão seu vinho. Eles cultivarão jardins e comerão seu fruto. E eu os fincarei sobre seu solo para jamais serem novamente expulsos’. Senhoras e senhores, o Povo de Israel voltou para casa para nunca mais ser expulso de lá”.

BIBLIOGRAFIA
The Lubavitcher Rebbe - Rabi Menachem Mendel Schneerson, Studies in Rashi: The Land of Israel (Genesis 1:1) - by , Kehot Publication Society.