O Zohar ensina que a Presença Divina jamais abandonará o Kotel ha-Maaravi e, portanto, este nunca será destruído. Principal ruína do Segundo Templo de Jerusalém, o Muro Ocidental se tornou seu símbolo, expressão da dolorosa saudade do Povo Judeu por seu Santuário. É o local onde a história de nosso povo está viva, sendo suas pedras impregnadas dos anseios e das preces judaicas através dos séculos.

O Kotel Ha'Maaravi não era, como muitos acreditam, um dos muros do Segundo Templo, propriamente dito. Era a muralha ocidental dentre as quatro que serviam de arrimo à plataforma construída por Herodes, ao redor do Monte do Templo, o chamado Monte Moriá, em cujo topo se erguia, majestoso, o Grande Templo de Jerusalém. Este muro, uma imponente estrutura de 488m de comprimento, 40m de altura e 4,6 m de profundidade, era o setor que ficava mais próximo ao Kodesh ha-Kodashim, o Sagrado dos Sagrados, local mais recôndito do Templo, recinto cuja santidade era tal que somente o Cohen Gadol tinha permissão de lá entrar, uma única vez durante o ano, em Yom Kipur.

Enquanto o Beit Hamikdash ainda estava de pé, três vezes por ano os judeus faziam peregrinação à cidade do Rei David. Mas, após sua destruição pelos exércitos romanos em 70 E.C., orações passaram a substituir as oferendas. Dispersos pelos quatro cantos do mundo, os judeus rezavam três vezes ao dia na direção de Jerusalém e, mais especificamente, do Muro Ocidental, chamado em hebraico simplesmente de Ha'Kotel, o Muro. Isto porque, segundo nossa tradição mística, as orações de todas as partes do mundo dirigem-se a Jerusalém, especificamente ao local onde se erguia o Templo Sagrado - centro do universo espiritual, ponto onde se encontram o Infinito e o finito - e de lá ascendem aos Céus.

No decorrer dos 19 séculos em que Jerusalém esteve sob dominação estrangeira, a face da cidade se transformou. O cristianismo e o islamismo, religiões também monoteístas, declararam-na "santa" e reivindicaram seu direito de posse. Mudou também o Monte do Templo, sobre o qual os muçulmanos construíram mesquitas.

O Kotel, considerado lugar sagrado apenas para os judeus, também sofreu transformações. Desde a destruição do Segundo Templo, ficou abandonado, suas pedras contando triste história de devastação e ruína. Por longos períodos foi proibido aos judeus se aproximar do Monte do Templo e do Kotel; e, quando isso lhes era permitido, eram-lhes impostas inúmeras restrições. A partir do século 15, o Muro começou a afundar cada vez mais para dentro da terra, diminuindo assim a parte visível. Era um enclave escondido entre casas e pátios; um muro de magníficas pedras grandes, em uma ruela estreita. Era assim que aparecia em desenhos e gravuras nos lares judaicos. Local sagrado de orações sem igual, o Kotel tornara-se o símbolo do Grande Templo.

Durante todos esses séculos de dominação estrangeira, nosso povo nunca abandonou seu Templo destruído. Rezava por sua reconstrução e milhares de judeus, quaisquer fossem os perigos, iam até Jerusalém - fosse apenas para olhar o Muro de longe ou, quem sabe, tocar suas pedras e abrir sua alma e coração nas preces que ali invocavam a D'us. Banhando-o com suas lágrimas, imploravam pela redenção do povo judeu. Por causa das lágrimas derramadas, o Kotel ficou conhecido como "Muro das Lamentações". Sua grandiosidade ficou escondida e sua estatura reduzida até 1967, quando o Exército de Israel reconquistou a cidade e reunificou Yerushalaim.

O Monte do Templo e o povo judeu

Remonta ao início dos tempos a ligação entre o Povo Judeu e Jerusalém, a cidade que abriga o Monte Moriá, "o local escolhido por D'us para Sua Morada".

É no topo do Monte Moriá que está localizada uma saliência rochosa chamada Pedra Fundamental, Even Shetiyá. Segundo o Talmud, é assim chamada por ser o alicerce de todo o Universo, o ponto a partir do qual D'us iniciou o ato de Criação. Sobre esta pedra nosso patriarca Abraão amarrou seu tão amado filho, Isaac; e Jacob sonhou com a escada que o levaria aos céus. E quando o Templo Sagrado foi construído sobre o Monte, que passou a ser chamado de Monte do Templo, em hebraico Har Habayit - o "Monte da Casa", era sobre essa exata saliência rochosa, a Even Shetiyá, que ficava a Arca da Aliança.

Duas vezes construído, o Beit Hamikdash duas vezes foi destruído. O Grande Templo, construído no ano de 1000 a.E.C pelo rei Salomão, foi arrasado no dia 9 de Av de 586 antes desta Era, pelos exércitos de Nabucodonosor, rei da Babilônia. Após um exílio de 70 anos, liderados por Ezra e Nehemias, os judeus voltaram a Eretz Israel e reconstruíram seu Santuário. Passaram-se 350 anos até que o local foi outra vez profanado pelo rei selêucida, Antíoco IV. Após longos anos de lutas sangrentas, os hasmoneus o retomaram e, como relembramos a cada ano em Chanucá, purificaram-no e o reinauguraram.

Governantes hasmoneus o ampliaram, mas foi o rei Herodes (que reinou de 37 até 4 a.E.C.) que transformou o Segundo Grande Templo numa das mais magníficas construções da época. Tamanha era sua beleza e imponência que, dizia-se então, que nunca se vira tal magnificência. O grande construtor de Jerusalém ampliou ainda mais a área do complexo do Templo - que passou a englobar as colinas de Antonia - e podia acolher, segundo o historiador Flávio Josefo, 300 mil pessoas. Quatro imponentes muros de arrimo circundavam a grandiosa plataforma sobre a qual assomava, majestoso, o Segundo Grande Templo. Uma ponte sobre o vale, que separava a Cidade Alta de Jerusalém do Monte do Templo, era a única forma de acesso ao mesmo para os que viviam nessa parte da cidade. Em sua obra, Flávio Josefo chama o vale de Tyropoeon.

Exatamente na mesma data, 9 de Av, do ano de 70 desta Era, após sufocar a Grande Revolta judaica, legiões romanas tomaram Jerusalém, sob o comando de Tito, incendiando e destruindo o Templo e suas muralhas. Tentaram derrubar o Muro Ocidental, mas só conseguiram destruir a parte superior, permanecendo intacto o restante em toda a sua extensão.

Como ensina nossa tradição mística, o Muro Ocidental jamais será destruído. Conta o Midrash que durante a construção do Templo do rei Salomão, o trabalho foi dividido entre todos os Filhos de Israel, dele participando toda a população. A construção do Kotel coube aos mais pobres, que deram tudo de si ao trabalho com grande amor e afinco. Como não podiam contratar trabalhadores, colocaram as pedras, uma a uma, com as próprias mãos. Quando os inimigos estavam prestes a destruir o Templo, Anjos desceram das Alturas e, abrindo suas asas sobre o Muro, proclamaram: "Este Muro, fruto do suor dos pobres, nunca há de ser destruído".

No ano 135 de nossa Era, os romanos sufocaram a revolta de Bar Kochba e seus seguidores. Jerusalém foi devastada e, os judeus, dispersos pelo mundo. O imperador romano Adriano reconstrói Jerusalém como cidade pagã, que passa a se chamar Aelia Capitolina. Proíbe os judeus de lá viverem, proibição que oficialmente perdurará por cinco séculos, até a chegada dos muçulmanos.

Quando, no século 4, o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano, a situação dos judeus se torna mais precária. Os imperadores de Bizâncio, Império Romano do Oriente, que governaram a região de 330 da E.C. até a invasão muçulmana, declararam Jerusalém "sagrada para todos os cristãos". O Monte do Templo, considerado local sagrado par excellence dos judeus, deliberadamente desprezado e abandonado durante todo o período bizantino, continuaria em ruínas por outros três séculos mais.

No ano de 638 é a vez de seguidores de outra religião monoteísta, o islamismo, tomarem Jerusalém. Os judeus obtêm permissão para voltar a viver na cidade, mas continuam banidos do Monte do Templo, que, dessa vez, desperta a atenção e o respeito dos invasores muçulmanos. As muralhas que sustentavam a plataforma erguida por Herodes são reconstruídas e, em 691, o Domo da Rocha é erguido no exato lugar onde ficava o Templo, onde está a Pedra Fundamental. Vinte anos mais tarde, na extremidade sul do monte, é construída a Mesquita Al-Aqsa. Os governantes, no entanto, permitiram aos judeus orar no local onde, à época do Segundo Templo, erguia-se um dos portões que davam acesso ao Monte do Templo. Localizado próximo ao eixo do Kodesh Hakodashim, o "Sagrado dos Sagrado", o local foi transformado em uma sinagoga chamada Ha Me'ará, A Gruta,usada por mais de 450 anos.

Nos séculos após a conquista árabe, Jerusalém passa por grandes turbulências e inúmeras transformações. O mundo cristão quer Jerusalém de volta e, em 1099, a cidade é conquistada pelos cruzados. As mesquitas do Monte são transformadas em igrejas e os judeus são novamente banidos.

É Saladino, sultão do Egito e Síria, quem, em 1187 expulsa os cruzados de Jerusalém e os muçulmanos voltam a dominar a cidade. Somente durante um breve período (1229-1244), os cruzados conseguem retomar a cidade - mas não o Monte do Templo. Jerusalém fica, assim, dividida: os cristãos governavam-na praticamente toda, enquanto os muçulmanos ficam com o controle do Monte do Templo. A divisão era possível porque o vale de Tyropoeon fisicamente separava a Cidade Alta do Monte do Templo. Quando, em 1249, os mamelucos, dinastia islâmica, tomam a cidade, seus chefes decidem, por motivos estratégicos, executar grandes modificações urbanísticas nos arredores do Monte. As medidas coincidiam com a ambição religiosa de fazer de Jerusalém uma fortaleza do Islã, transformando o Monte do Templo em um local sagrado para o mundo muçulmano.

Usando como fundações as pedras das fileiras mais baixas do Muro, os mamelucos ergueram imensas sub-estruturas, ao longo do Muro Ocidental e da Grande Ponte perpendicular ao mesmo, e, sobre estas, fazem crescer um bairro muçulmano, até hoje existente. Tudo que havia abaixo do novo nível desapareceu, soterrado. Conseqüentemente, ficam ocultas as magníficas pedras do Muro Ocidental. Durante séculos os muçulmanos continuaram a construir edifícios religiosos e casas, conseguindo uma unidade topográfica entre o Monte e a Cidade Alta de Jerusalém.

Os mamelucos dominaram Jerusalém até 1517, quando a cidade foi conquistada pelos turcos otomanos que a governaram durante 400 anos. No século 19, vários judeus procuram, em vão, obter o controle do Muro. Na década de 1850, tentam comprá-lo e Sir Moses Montefiori busca todas as maneiras de obter, ao menos, permissão de colocar bancos ao longo do Muro. Nenhuma das iniciativas teve sucesso. Se os judeus colocavam uma mesa para ler a Torá ou qualquer outro símbolo religioso judaico perto do Muro, as autoridades religiosas islâmicas exigiam do governo turco sua imediata remoção. E o conseguiam, apesar do fato de que o Muro não tinha valor religioso algum para os muçulmanos.

Em 1917 inicia-se o Mandato Britânico sobre a então Palestina. Nos 30 anos seguintes, os conflitos entre judeus e muçulmanos se tornam cada vez mais violentos, principalmente no tocante ao Muro - que as autoridades islâmicas viam como símbolo do anseio nacionalista judaico. A oposição sobre a presença dos judeus no Kotel intensificava-se, a cada dia.

Para denegrir o local, o Mufti de Jerusalém converte a rua em uma passagem para animais. Consegue convencer as autoridades britânicas a proibir o uso de objetos sagrados judaicos diante do Kotel. Passa, também, a incitar a população árabe, afirmando que os sionistas pretendiam controlar o Muro. Em agosto de 1929 a violência explode; uma multidão enfurecida ataca os judeus que rezavam no Kotel, destruindo os objetos sagrados que encontra. Tal explosão de violência repete-se em uma série de confrontos, dias depois.

A questão se torna "internacional" e, para resolver "o problema do Muro", instituem-se duas comissões - uma britânica e outra da Liga das Nações. No verão de 1930 do Hemisfério Norte é realizado o chamado "Julgamento do Muro". Segundo deliberação das comissões, os muçulmanos eram "por direito" os únicos "proprietários" do Muro. Mas as comissões deram aos judeus a permissão de lá rezar e de colocar assentos na rua. Era proibido, porém, tocar o Shofar nas proximidades do Muro.

Apesar de todas as concessões, os árabes não ficaram satisfeitos. Os judeus, por sua vez, aceitaram a deliberação, com exceção do último ponto. E, a cada ano, ao término do Yom Kipur, apesar de saber que policiais britânicos interviriam, jovens judeus tocavam o Shofar, como manda nossa tradição milenar.

Nem mesmo em 1948, com o renascimento de Israel, Estado judeu soberano após 1900 anos de dispersão, os judeus conseguiram reaver "seu Muro". Teriam, contudo, que esperar mais 19 anos para voltar a tocar as pedras do tão amado Kotel. Na guerra que as nações árabes lançaram sobre Israel logo após ter declarada a sua independência, os combatentes judeus não conseguiram manter a Cidade Velha de Jerusalém. E, enquanto durou a ocupação árabe dessa parte da cidade, apesar dos acordos internacionais de cessar-fogo que, supostamente, garantiriam livre acesso aos lugares sagrados, foi vedado aos judeus aproximar-se do Muro.

Nem à distância podiam olhá-lo - até o dia 7 de junho de 1967, quando pára-quedistas das Forças de Defesa de Israel reconquistaram o Muro Ocidental, sonho de todo um povo. Ao som do Shofar, a Rádio de Israel anunciou: "Har Habait Beiadeinu" - o Monte do Templo está em nossas mãos!"

Jerusalém foi, enfim, reunificada. A exposição do Muro se tornou marco da soberania de Israel e de todo o povo judeu. Coube ao Ministério para Assuntos Religiosos a responsabilidade pelo local. Após abrir e limpar toda a área adjacente, foi criada a Esplanada do Muro Ocidental. No primeiro dia de Shavuot daquele mesmo ano, 250 mil judeus foram rezar no local. Mas, ainda não era suficiente. Israel queria expor o Muro em toda a sua extensão e imponência. Escavações minuciosas removeram cuidadosamente 19 séculos de terra e entulho, revelando as magníficas estruturas há milênios soterradas. Atualmente, após décadas de intensos trabalhos arqueológicos, um incrível labirinto de túneis, arcos e passagens, que permaneceram intocados durante séculos, finalmente descortinava-se ao mundo.

Bibliografia:

Bahat, Dan, The Western Wall Tunnels - Touching the Stones of our Heritage, ed. The Western Wall Heritage Foundation, 2002

Safdie, Michal Ronnen, The Western Wall, Hugh Lauter Levi Associates, Inc, 1997