Yom Kipur é a oportunidade dada por D’us de virar a página de nossa vida e acreditar em nossa capacidade de melhorar. Devemos corrigir os erros, mas não nos tornarmos reféns do passado, incapazes de olhar para o futuro.
Durante os dias que antecedem Yom Kipur, o Dia da Expiação, recitamos antes das orações matinais as Selichot – os pedidos de perdão a D’us. Sempre nos referimos a essas orações no plural – Selichot – e não no singular, Selichá. Nossos Sábios explicam que isso significa que o pedido de perdão tem duas vias: não apenas pedimos perdão, mas, também, perdoamos. A quem precisamos perdoar? Às outras pessoas, a D’us e a nós mesmos.
Na língua hebraica, há várias palavras que significam perdão. As preces de perdão foram chamadas de Selichot porque o valor numérico de Selach é 98, que é o número de maldições mencionadas na Torá. Isso para nos ensinar que o perdão tem o poder de transformar a maldição em bênção, neutralizando tudo o que há de negativo no mundo. Mas o que significa perdoar, de acordo com o judaísmo?
O que significa perdoar?
Na Torá, há mandamentos que determinam tanto nossa relação com D’us quanto com relação a outros seres humanos. Consequentemente, há dois tipos de erros que o homem pode cometer contra: D’us e contra seus semelhantes.
O que significa pedir perdão a D’us pelos erros e transgressões cometidas contra Ele? Significa reconhecer que, ao longo do ano, nem sempre cumprimos Seus mandamentos. Em Yom Kipur, D’us pode perdoar-nos apenas por esse tipo de transgressões e não pelas faltas que cometemos contra outros seres humanos.
E o que implica pedir perdão a uma pessoa? Não significa apenas dizer “Me perdoe”, apesar disto ser um bom começo. Pedir perdão implica procurar reparar o erro. Se tivermos prejudicado alguém financeiramente, devemos devolver o que devemos ou, no mínimo, admitir a dívida. Se tivermos denegrido a imagem de alguém, devemos tomar as medidas necessárias para redimi-la. (Vale ressaltar, porém, que quando ofendemos ou prejudicamos outra pessoa, é necessário um pedido de perdão duplo – tanto a ela quanto a D’us. Pois ofender, ferir ou prejudicar outra pessoa de qualquer forma é, também, uma transgressão dos mandamentos Divinos, que nos ordenam amar a todos, fazer o bem e nunca fazer mal a ninguém).
Portanto, para se obter o perdão em Yom Kipur, precisamos procurar consertar nosso relacionamento tanto com D’us como com as outras pessoas. Porém, não adianta bater no peito e confessar os pecados, e esperar que D’us nos perdoe inclusive pelos erros que cometemos contra os outros. Para sermos perdoados desses erros, precisamos, antes do início de Yom Kipur, pedir desculpas àqueles que, de alguma forma, prejudicamos ou magoamos. Precisamos fazer de tudo para retificar nossos erros – tanto com atos como com palavras.
A verdade é que cada um de nós precisa pedir perdão e também perdoar os outros. Assim como quem falhou com outra pessoa deve pedir perdão, cabe à pessoa que recebeu um pedido de desculpas perdoar, contanto que o pedido dela seja sincero e de fato faça o possível para corrigir o erro cometido.
Acima, mencionamos que há três tipos de perdão. Devemos perdoar as outras pessoas, devemos perdoar a D’us e devemos perdoar a nós mesmos. Para muitos, é mais fácil perdoar aos outros seres humano e a D’us do que a si próprio. Muitas pessoas se condenam por suas falhas e são incapazes de se perdoar. Esta inabilidade é algo negativo, pois nossa vida fica presa ao passado. O auto-perdão é uma demonstração de humildade, pois demonstra que reconhecemos que somos humanos e não infalíveis.
A grandeza de Rosh Hashaná e Yom Kipur é que D’us instituiu um dia no qual temos a oportunidade de “virar a página”. Precisamos estar cientes de nossos erros – e fazer todo o possível para corrigi-los – mas não podemos permitir que eles nos definam. Não podemos nos tornar reféns dos erros do passado, incapazes de olhar para frente. Yom Kipur não é o dia em que falamos para D’us que somos “inocentes”, e sim, em que admitimos nossa culpa. Mas é, também, o dia em que expressamos o desejo de melhorar. Assumir nossos erros já é parte integrante da obtenção do perdão.
Há uma enorme diferença entre o que a pessoa é e o que ela faz. Fazer algo errado não significa ser errado. Um mau comportamento, uma má atitude não pode definir quem a pessoa é. Isso, evidentemente, não significa que nossos atos não sejam importantes e significativos. Significa que eles não podem nos definir: talvez erramos ontem, talvez erramos hoje, mas amanhã podemos agir corretamente. O fato de uma pessoa errar não significa que ela não deva ser perdoada ou que não possa modificar-se.
Rabi Shneur Zalman de Liadi, o Alter Rebe, fundador do movimento Chabad-Lubavitch, explica o significado de um verso nos Salmos que, aparentemente, não faz sentido. Está escrito que “D’us nos perdoa para que possamos temê-Lo”. À primeira vista, esse conceito parece ser ilógico: se alguém sabe que será perdoado, deveria ter menos medo de pecar. O Alter Rebe explica esse verso com uma metáfora. Suponhamos que alguém tomou um grande empréstimo no banco para investir em um negócio. Infelizmente, não teve sucesso. Se o gerente do banco for exigir a devolução do empréstimo, além do pagamento de todos os juros, ele fará com que a dívida se torne impagável. Mesmo se o devedor quisesse pagar a dívida, não conseguiria. Consequentemente, ele não fará qualquer tentativa para devolver o dinheiro que tomou emprestado. Contudo, se o gerente do banco estiver disposto a negociar – se oferecer um plano viável para o devedor pagar o que deve –, haverá mais chance de o banco recuperar o empréstimo.
Um fenômeno parecido ocorre no relacionamento entre o homem e D’us. Se D’us fosse excessivamente exigente – se Ele cobrasse todo pecado cometido – romperíamos a relação com Ele: passaríamos a fugir Dele, a ignorá-Lo. O Eterno, então, propõe um acordo – Ele nos perdoa e facilita o pagamento de nossa dívida com Ele – para que seja possível manter o relacionamento.
Muitas pessoas acreditam que perdoar é um sinal de fraqueza. Na realidade, é exatamente o oposto. A falta de perdão é sinal de fraqueza e insegurança enquanto perdoar é um ato de coragem, de força. Perdoar não significa dar permissão para que a pessoa volte a cometer o mesmo erro. Significa ter fé que a pessoa que errou não voltará a errar no futuro. Perdoar alguém significa acreditar nela. D’us nos perdoa porque Ele acredita em nós: Ele confia que nosso futuro será melhor que nosso passado.
Em muitos casos, não conseguimos compreender por que alguém deveria merecer ser perdoado: por que deveria ter uma segunda ou até uma terceira chance. Daí ocorre que D’us nos faz passar por algo parecido – nós, também, acabamos falhando – e clamamos por perdão – algo que não queríamos dar a outra pessoa. Muitas pessoas não querem perdoar os outros, mas a pergunta que se deve fazer a elas é: se fosse você que tivesse errado, você também gostaria de não ser perdoado?
Nossos Livros Sagrados nos ensinam que D’us se comporta conosco da forma como nos comportamos com as outras pessoas. Se formos tolerantes com outros, Ele será tolerante conosco. Por outro lado, se formos excessivamente rigorosos com as outras pessoas, Ele será excessivamente rigoroso conosco.
O Baal Shem Tov, fundador do Movimento Chassídico, ensinou que depois que a pessoa deixa este mundo, é ela própria que decreta seu próprio veredicto perante a Corte Celestial. Mostram a ela os atos de uma pessoa – sem revelar que se trata dela mesmo – e se lhe pergunta: “Qual deve ser o veredicto?”. Após a pessoa julgar o caso, é revelado a ela que se trata dela própria. Isso significa que as pessoas que estão acostumadas a julgar os outros favoravelmente acabarão julgando-se favoravelmente perante a Corte Celestial. Por outro lado, aqueles que são demasiadamente rigorosos com os outros, arriscam-se a se autocondenar. Quando alguém é rigoroso demais, esse rigor acaba se voltando contra si próprio.
O que impede o ato de perdoar ou de pedir perdão? Orgulho, arrogância e medo. E esses sentimentos estão entrelaçados. Muitas pessoas não pedem perdão às outras por motivo de orgulho: Por que eu deveria pedir perdão a tal pessoa? Afinal, sou muito mais importante, mais experiente, mais inteligente, mais bem-sucedido do que ela... O outro motivo é o medo da resposta. Muitos temem não serem atendidos e que isso seja motivo de vergonha, ou seja, de orgulho ferido.
Em Yom Kipur, pedimos perdão a D´us, mas, também, precisamos perdoar D’us. Conta-se a seguinte história sobre um grande mestre chassídico, o Rabi Elimelech de Lijensk. Na noite que antecede Yom Kipur, ele enviou um de seus alunos a certo botequim, para que este aprendesse o significado do perdão duplo. Ao chegar ao botequim, o aluno nota que o dono pede à sua esposa uma caderneta.
Ela leva uma caderneta para o marido onde ele havia recordado, ao longo do ano, tudo que D’us fizera de errado com ele: todos os sofrimentos que ele tinha passado durante o ano. Após terminar de ler essa caderneta, ele pede à sua esposa uma outra caderneta onde ele havia escrito todos os pecados que ele fizera contra D’us, ao longo do ano. Após ler essa caderneta, o dono do botequim se dirige a D’us, diz “Le’Chaim” e toma uma dose de bebida. Aí, diz: “D’us, você me perdoa por tudo que eu fiz de errado com o Senhor ao longo do ano e eu O perdoo por tudo de mal que o Senhor fez comigo ao longo do ano”. Essa história pode fazer as pessoas sorrirem, mas é algo sério.
Cada um de nós falha contra D’us ao longo da vida, mas todos nós temos, também, nossas chateações e ressentimentos em relação a Ele. Às vezes, brigamos com D’us, mesmo quando certas coisas acontecem em nossa vida que não têm nenhuma ligação com Ele.
Por exemplo, brigamos com alguém na sinagoga, e deixamos de frequentá-la, ou algo não ocorre como esperávamos e deixamos de colocar Tefilin. Em certos casos, porém, é justificado o sentimento de que D’us nos desapontou. Muitos de nós carregamos esse tipo de sentimento, principalmente, quando coisas difíceis acontecem ao longo do ano. Infelizmente, esse tipo de sentimento negativo acaba tomando conta de nosso coração.
Yom Kipur é o período do ano em que devemos livrar-nos desse tipo de sentimento. Yom Kipur – e os dias que antecedem essa data – é a época do ano para abrir um espaço para D’us em nossa vida, mesmo se acharmos que Ele “não merece”: mesmo se acreditamos que Ele não foi “tão bom” conosco no ano que se passou.
Muitas pessoas pensam, “Fiz tantas coisas boas e como é possível que D’us permitiu que tal coisa ruim acontecesse comigo ?”. Na realidade, nenhum de nós tem noção da Contabilidade Celestial e do que é, de fato, bom ou ruim para nós. De qualquer forma, vale ressaltar que mesmo esse tipo de ressentimento contra D’us é uma grande mostra de fé. Pois nós não nos zangamos com alguém em quem não acreditamos, tampouco nos chateamos com alguém de quem não esperamos nada de bom. As pessoas se chateiam com D’us porque acreditam Nele e esperam que Ele faça apenas o bem. Portanto, decepcionar-se com D’us é um sinal de grande fé, tanto na existência como na bondade infinita Dele.
Mas apesar desses sentimentos serem um sinal de fé, precisamos removê-los do nosso coração, pois eles obstruem nosso caminho e nossa felicidade. Sentimentos de dor, raiva e ressentimento, mesmo que totalmente justificáveis, são um grande obstáculo para tudo de bom na vida. Sentir raiva é o mesmo que tomar um copo de veneno e desejar que outra pessoa morra. Quem se prejudica é quem sente raiva – não o objeto da raiva. Como então, lidar com a dor, principalmente quando ela é profunda? A forma de lidar com a dor é tentar enxergar as coisas de forma diferente.
Yom Kipur é o dia de lembranças. Nesse dia, lembramo-nos de Amalek (o arqui-inimigo histórico do Povo Judeu), do mal, do Holocausto, das perseguições, dos 10 mártires que foram assassinados por Roma. Em Yom Kipur, lembramo-nos de nossos entes queridos que não mais estão entre nós. Quando nos lembramos desses entes queridos, podemos lembrar a dor causada pela perda e pela ausência ou podemos nos lembrar dos momentos alegres com eles. Quando se recita o Hashkabah ou Yizkor1 em Yom Kipur e lembramos as almas que partiram deste mundo, devemos nos lembrar dos momentos preciosos que passamos com elas e do privilégio de as termos tido entre nós.
O Midrash nos ensina o seguinte: Quando Moshé Rabenu ensinou ao Povo de Israel o verso da Torá, “Lembre-se o que Amalek fez quando você saiu do Egito”, o povo disse a ele: “Moshé, nosso mestre. Um verso da Torá afirma, ‘Lembre-se o que Amalek fez para ti’. Outro verso diz: ‘Lembre-se do dia do Shabat para santificá-lo’. Como se cumprem ambos os versos? Um nos ordena lembrar e o outro, também. Moshé respondeu: “Um copo de vinho não é o mesmo que um copo de vinagre, mas esse é um copo e aquele também é um copo. Há a lembrança do Shabat e a lembrança de Amalek”.
Esse Midrash contém lições profundas. O vinagre é um derivado do vinho, mas este é doce e aquele é azedo. Ambos, o vinho e o vinagre, advêm da uva e ambos são bebidos em um copo. Na vida, temos a opção de beber um copo de vinho ou de vinagre. Tudo depende de como enxergamos as coisas, como lidamos com as lembranças. Isso é uma lição muito importante para esta e para as futuras gerações de judeus. Evidentemente, elas precisam aprender sobre a dor que nosso povo passou, as perseguições, o Holocausto. Mas também precisam aprender que o judaísmo é um copo de vinho e não de vinagre.
Quando o pai traz o filho à sinagoga, deve ser não apenas em Yom Kipur, mas em Simchat Torá também, para que o filho aprenda que o judaísmo não se restringe a orações e jejuns, mas é, também, um modo de vida baseado na alegria. De fato, um dos fundamentos da Torá é o mandamento de servir a D´us com alegria. Mas para poder viver com alegria, precisamos aprender a perdoar. Precisamos perdoar a D’us, as outras pessoas e a nós mesmos.
Uma história verídica
Cabe relatar uma história verídica, que expressa as ideias transmitidas acima.
Em certa ocasião, um judeu religioso, um rabino, estava viajando pela British Airways para Nova York. Ao lado dele, estava sentado um homem que, após o avião decolar, vira-se para ele e diz “Shalom”, e revela, também, ser judeu. Ambos passam a conversar e descobrem que ambos estão a caminho de Israel.
O rabino, que estava viajando para passar Rosh Hoshaná e Yom Kipur em Israel, começa a falar de religião, mas o judeu sentado ao lado dele diz “Não me fale de D’us. Tenho raiva Dele. Não posso perdoá-Lo pelo o que Ele me fez”. Este homem, que tinha 70 anos de idade, havia passado pelo Holocausto. Ele teve um filho, mas tinha sido separado dele durante a guerra e presumia que havia morrido. Disse ao rabino que nunca perdoaria D’us por lhe ter tirado seu filho.
O rabino pergunta: “Por que então você vai a Israel?”, e o homem responde, “Não quero saber de D’us, mas o Povo Dele é ótimo. Não existe lugar no mundo como Israel”. O rabino tenta convencer o homem a ir à sinagoga, em Israel, durante as Grandes Festas – diz que a sinagoga que frequenta em Israel é pequena, mas possui um ótimo chazan”. O homem se recusa.
Dias mais tarde, o rabino está em Israel. É Yom Kipur. Após a leitura da Torá, ele sai da sinagoga, durante o curto intervalo em que é recitado o Yizkor. Ele vai a uma pracinha e nota que há alguém fumando: é o seu amigo da viagem. Ele se aproxima dele e tenta convidá-lo à sinagoga. “Venha rezar um pouco,” diz o rabino. Mas o homem se recusa. O rabino diz o seguinte, “Pelo menos entre para recitar o Yizkor pelo seu filho. Sim, você brigou com D’us, mas por que seu filho deveria sofrer por isso? Todos serão lembrados no Yizkor – seu filho deveria ser um deles”. O homem responde que por seu filho faria tudo, inclusive ir à sinagoga para o Yizkor.
Era uma sinagoga pequena. E por ser pequena, havia o costume de que quem quisesse, podia ir ao chazan, dar o nome do falecido e o próprio chazan recitava o nome da pessoa cuja memória seria lembrada. Ao entrar na sinagoga, esse senhor se aproxima do chazan que lhe pergunta o nome do filho. Quando o chazan ouve o nome, ele olha para esse senhor, fica pálido e grita em iídiche: “Pai!”
Durante muitos anos, esse senhor pensou que seu filho havia morrido no Holocausto. Na realidade, seu filho havia sobrevivido, imigrara para Israel e se tornara um judeu religioso. Ele manteve as tradições que aprendeu com o pai – a mesma pessoa que desde a guerra não queria mais se relacionar com D’us. Se o pai nunca tivesse entrado em uma sinagoga em Yom Kipur – se não tivesse dado essa “brecha” para D’us – ele passaria o restante da vida acreditando que seu filho havia morrido. No momento em que ele deu uma chance a D´us e entrou na sinagoga em Yom Kipur, mesmo que fosse apenas para recitar Yizkor pelo seu filho, ele reencontrou aquilo na vida de mais caro, que ele acreditava ter perdido.
Essa história, além de verídica, serve também como metáfora. O pai da história é D’us e todos nós somos Seus filhos. Yom Kipur é o dia em que nos reencontramos: em que Ele e nós descobrimos que Ele não nos perdeu. Yom Kipur é o dia em que vamos à sinagoga para dizer a D’us que ainda estamos juntos e que assim continuaremos, eternamente. Mas como na história relatada acima, esse nível de ligação e conexão com D´us só é alcançado quando retiramos de nós sentimentos negativos contra Ele, contra outras pessoas e contra nós mesmos.
Yom Kipur é o dia mais sagrado do ano. É o momento em que se revela a essência de nossa alma. Nesse dia, revela-se o nível de conexão essencial que existe entre nós e D’us. Nesse dia do Perdão não interessa o que fizemos, e sim, o que somos. Ao tomarmos consciência de quem somos, torna-se possível expressar a essência do nosso ser.
Por que as pessoas que não vão à sinagoga o ano inteiro fazem questão de ir em Yom Kipur? Há judeus que praticamente não cumprem nenhuma mitzvá, mas jejuam em Yom Kipur. A única explicação é que em Yom Kipur, o dia mais importante do ano, revelamos quem, na verdade, somos. Nesse dia, é revelado que nossa conexão com D’us é atemporal e independente de nossas ações. Em Yom Kipur, nós nos sentimos conectados com D’us, com a comunidade judaica e também com as almas dos falecidos. É na sinagoga que recitamos o Yizkor e nos lembramos dos falecidos, porque no Mundo da Verdade, as almas desejam ser lembradas em um lugar sagrado – na sinagoga. Yom Kipur é, portanto, um dia de amor: amor a D’us e amor às outras pessoas – as que se encontram conosco e as que estão no Mundo da Verdade.
Sabe-se que quando um pai deseja fazer uma festa de aniversário, ele quer que todos os seus filhos estejam presentes, independentemente de onde vivam. Se todos os filhos não puderem comparecer, o pai prefere que não haja festa. Yom Kipur é o dia em que nosso Pai deseja que todos os Seus filhos venham à sinagoga. É por esse motivo que antes de se iniciarem as orações em Yom Kipur, o chazan recita uma frase, “Anu Matirim”, afirmando que todos, mesmo aqueles que cometeram grandes pecados e renunciaram ao judaísmo, podem rezar juntos na sinagoga naquele dia. Pois nesse momento, o Pai convoca todos os Seus filhos. Ele não quer apenas alguns deles – os que se comportaram bem. Ele quer todos eles.
Em Yom Kipur, recita-se o “Avinu Malkenu” – “Nosso Pai, nosso Rei”. O Baal Shem Tov transmitiu um ensinamento a respeito dessa prece, que nos ajuda a ter uma percepção bastante diferente a respeito do Yom Kipur. De fato, é um dia em que somos julgados. Por que, então, é um dia de tanta alegria, felicidade e união? Porque o Juiz é o nosso Pai. Diz-se que nunca se sabe o que pode sair da cabeça de um juiz, mas se o Juiz é o próprio Pai, podemos ficar tranquilos. D’us é nosso Rei, que nos julga, mas antes de ser Rei, Ele é Pai. Por esse motivo, falamos Avinu Malkenu, não Malkenu Avinu. E um pai é sempre misericordioso e bondoso com seus filhos.
Yom Kipur é o Dia da Expiação, o Dia do Perdão. Pedimos perdão a D’us e perdoamos aos outros, mas só podemos perdoar a D’us quando sabemos que Ele é nosso Pai, pois quando é nosso Pai quem fala, ouvimos apenas bênçãos.
Rabino Gabriel Aboutboul é um renomado palestrante, autor e rabino atuante no Rio de Janeiro.