A Neilá é o serviço final de Yom Kipur. Recitada em todas as sinagogas quando o sol começa a se pôr, é a oração que conclui a liturgia do dia do Perdão Divino, o dia mais sagrado do calendário judaico.
Assim como Yom Kipur é espiritualmente o dia culminante dos Dez Dias de Arrependimento iniciados em Rosh Hashaná, a Neilá é o clímax do dia de Kipur. Em hebraico, Neilá significa fechamento ou encerramento. Segundo o Talmud Yerushalmi, há duas explicações básicas para esse nome. Uma é que a palavra fazia referência ao fechamento dos portões do Grande Templo de Jerusalém ao findar o dia. Outra explicação mais profunda diz que a oração se referia ao "fechamento" dos Portões dos Céus ao término de Yom Kipur.
Em Rosh Hashaná, o Tribunal Divino julga qual será o destino de cada um dos judeus durante o ano que se inicia, mas somente ao final de Yom Kipur é selado o decreto. A oração da Neilá é, assim, nossa última tentativa para apelar à Misericórdia Divina, a última oportunidade de nos voltarmos a D'us, pedindo-Lhe que perdoe todos os nossos pecados e aceite o nosso arrependimento. São momentos em que orações fervorosas e um coração contrito, repleto de emoção, podem conseguir o Perdão Divino. Na hora da Neilá imploramos, em nosso nome e no de todo o povo judeu, que Ele nos sele no Livro de Vida e que nos conceda um ano de paz, plenitude, bondade e felicidade.
Durante todo o serviço da Neilá a congregação permanece de pé enquanto são entoadas melodias tradicionais e orações que criam um clima de intensa emoção. Poucas preces se igualam em beleza às dessa Oração Final, que tocam a fundo a alma de todo judeu.
Na liturgia dos sefaradim, o serviço se inicia com o tradicional "Canto da Neilá ", entoado pelo chazan e ecoado por toda a congregação, com a súplica: "Ó, D'us, Grande e Poderoso, Louvado e Temeroso, concede-nos Teu perdão na hora de Neilá ... El Nora Alila... Aos que a Ti confessam, concede-lhes o que eles rogam, e perdoa suas faltas na hora de Neilá ... El Nora Alila... Concede-lhes a Tua graça na hora da Neilá "...
O Aron Hakodesh, a Arca Sagrada (Hechal para os sefaradim), permanece aberta durante todo o serviço, como que a indicar que, "nesta hora de Neilá ", os Portões Celestiais ainda estão abertos para receber as orações e as súplicas dos judeus de todo o mundo. Apesar de a Oração Final ser proferida quando os fiéis estão fisicamente enfraquecidos - após quase 25 horas de jejum - é justamente o momento supremo, a culminação espiritual do dia. É, na realidade, a hora da mais intensa espiritualidade do ano judaico.
Yom Kipur, um dia único
Yom Kipur é um dia único no calendário judaico - é o "Dia da Expiação". É o ponto culminante do processo de arrependimento, perdão e limpeza espiritual iniciado em Rosh Hashaná.
A palavra hebraica para expiação, capará, implica a limpeza dos danos espirituais causados em nossa alma por eventuais transgressões e pecados. É o dia em que o material se submete ao espiritual; um dia de reflexão, orações, jejum e abstinência. Certamente, não é só em Yom Kipur que o judeu pode arrepender-se de seus pecados e buscar o perdão Divino. Em qualquer dia e a qualquer hora, cada um de nós deve buscar purificar e elevar sua alma. As Portas Divinas do Arrependimento estão sempre abertas para o coração aflito. Por que, então, Yom Kipur é diferente de qualquer outro dia?
Esta pergunta está no cerne de uma discussão talmúdica. Segundo o sábio rabi Yehudá HaNassi, a expiação dos pecados é concedida em Yom Kipur a todo judeu que jejuar, até mesmo àquele que não se arrepender. Acreditava o grande erudito que essa era "a própria essência do Dia da Expiação". A maioria dos sábios discorda desta interpretação, afirmando que arrependimento é condição indispensável para se obter o perdão Divino. Apesar da diferença de opiniões, o Talmud atesta o poder único de Yom Kipur para a expiação de nossos pecados e transgressões. Além do mais há certos pecados que só podem ser perdoados nesse dia.
Tampouco é o jejum o que nos faz expiar os pecados, pois jejuamos também em Tisha Be'Av - que não é um dia de perdão Divino. Jejuar e se arrepender no Dia da Expiação são pré-requisitos necessários, mas é a essência do dia o que nos purifica espiritualmente.
O Talmud afirma que "Sete elementos foram criados antes do Universo, entre os quais a Torá e o arrependimento" (Nedarim, 39b). Portanto, antes mesmo de criá-lo, D'us deu ao homem - única criatura, tanto do mundo físico quanto nos espirituais, que possui livre-arbítrio - a possibilidade de se afastar de seus erros. D'us determinou também que existisse um dia no qual o homem teria condições espirituais para Dele se aproximar; um dia no qual o poder do mal seria suspenso e a Santidade Suprema revelada. Este dia é Yom Kipur - o dia em que o homem tem a possibilidade de se elevar espiritualmente ao nível dos anjos.
Significado místico da Neilá
Há uma explicação mística sobre Yom Kipur em geral e a Neilá em particular. Segundo um grande sábio de nossa geração, nós nos relacionamos e conectamos com D'us em três níveis diferentes.
No primeiro, a conexão ocorre quando a pessoa estuda a Torá e obedece Seus mandamentos. Como depende do entusiasmo, da habilidade e do compromisso de cada indivíduo, esta conexão é a menos profunda.
O segundo nível se dá quando um judeu, após se ter afastado de D'us ao transgredir Seus mandamentos, arrepende-se com sinceridade e se reaproxima Dele. Este nível de conexão é mais profundo do que o primeiro, pois revela que a ligação de um judeu com D'us é tão íntima que, mesmo quando este se afasta, sua alma o faz voltar e novamente conectar-se ao Artífice do Sublime.
O terceiro e mais profundo nível de conexão não depende de pensamentos, palavras ou ações, pois, no seu âmago espiritual mais profundo, todo judeu, sem exceção, é ligado à Essência Divina. Neste nível mais elevado, nossa ligação com o Criador é constante e inquebrantável, pois nele a alma é imune ao pecado. Os textos místicos ensinam que no ponto de maior profundidade espiritual nossas almas são "de fato, parte do Todo-Poderoso" (Likutei Amarim - Tanya, capít. 2). Tais explicações não significam que um judeu pode desconsiderar os outros dois níveis de conexão.
A Torá e Seus mandamentos são a interface através da qual nos relacionamos e nos aproximamos a D'us. Até mesmo no dia cuja própria essência teria o poder de expiar nossos pecados, temos que jejuar e nos arrepender, como manda a Torá, a fim de sermos merecedores do Perdão Divino. O terceiro nível de conexão significa que um judeu permanecerá sempre judeu, mesmo se pecar ou negar D'us e a Sua Lei. E as Portas do Arrependimento sempre estarão abertas para qualquer um dos nossos.
Em Yom Kipur, contanto que a pessoa jejue e sinta algum arrependimento sincero, consegue atingir o terceiro nível de conexão com D'us. Os pecados que o haviam distanciado do Criador se dissipam. Esta é a essência do Dia da Expiação. É apenas em Yom Kipur e, especialmente durante a Neilá , que isto acontece.
Na época do Grande Templo de Jerusalém esta profunda ligação era personificada pela entrada do Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote, no local mais sagrado do Templo, o Santo Santíssimo, Kodesh Kodashim. Somente em Yom Kipur e unicamente ao Cohen Gadol era permitido adentrar no local Sagrado entre os Sagrados, onde entrava em contato direto com a Presença Divina. Nenhuma outra pessoa ou entidade espiritual poderia lá entrar e interferir naquele momento de suprema comunhão com D'us. O serviço do Cohen Gadol é vivenciado por cada um dos fiéis durante as orações de Yom Kipur, especialmente durante a Neilá .
Como foi mencionado anteriormente, Neilá significa travamento, encerramento. Da mesma forma que o Cohen Gadol ficava confinado e só diante de D'us no recinto mais Sagrado entre os Sagrados, também nós, durante a Neilá , estamos confinados, encerrados e sós perante D'us. É o momento de maior elevação espiritual do ano porque, ainda que nossa consciência não o possa alcançar, estamos face a face com o Eterno, Artífice do Sublime.
A quinta alma
A Neilá é a quinta e última oração de Yom Kipur e é, também, o único dia no ano em que podemos recitar a Amidá cinco vezes. Durante o restante do ano, diz-se a Amidá (Grande Oração) três vezes ao dia. No Shabat, durante as festas e em Rosh Chodesh, esta importante oração - chamada de Mussaf - é dita uma vez mais.
A Cabalá ensina que a alma do homem é composta por cinco níveis espirituais: Nefesh, Ruach, Neshamá, Chayá e Yechidá. O quinto nível - e o mais elevado de todos - é a Yechidá e corresponde ao ponto mais interior da Faísca Divina. Seu nome deriva de yachid, que significa "unidade singular". Este quinto nível da alma pode ser considerado o ponto de contato entre a alma e a própria Essência do Divino. É o ponto de conexão mais profunda entre o homem e D'us e só é revelado durante a Neilá.
Algo de muito especial acontece durante esta oração final, em qualquer parte do mundo: todas as sinagogas ficam abarrotadas de fiéis, mesmo aqueles que não freqüentam a sinagoga durante o ano todo ou que não tenham participado das orações de Yom Kipur, não perdem a solene e emocionante gravidade da hora da Neilá . Estas pessoas talvez tentem racionalizar seus sentimentos e pensar que vieram pedir o Perdão Divino nos últimos instantes, antes de se fecharem os Portões Celestiais para o Julgamento Divino. Mas há outra explicação, espiritual, para essa ida à sinagoga durante a Neilá . É porque o nível mais alto de suas almas desperta naquele dia e naquela hora e os conduz à sua Fonte. A Yechidá, o quinto nível da alma, para se conectar a seu Criador, participa da única quinta oração do ano.
Este nível de Yechidá, que experimentamos de forma individual nessa oração, é o presságio de uma era de redenção para o mundo. Segundo o Zohar, a era Messiânica representa a Yechidá de toda a existência; aquele momento quando será removido o véu que separa nossa vida terrestre da realidade espiritual. Quando isto acontecer, os pecados individuais e coletivos e todas as suas conseqüências - exílio, sofrimento, pobreza material e espiritual e, por fim, morte - deixarão de existir. O que acontece individualmente durante a Neilá acontecerá coletivamente para o mundo.
A conclusão da Neilá
Concluímos essa solene oração reiterando nossa crença no D'us Único, Criador do Mundo, Senhor do Universo. Toda a congregação recita uma vez o primeiro verso do Shemá, a declaração de fé judaica, sua lealdade eterna com o Eterno. Em seguida proclama as palavras, "Benditos sejam o Nome e a Glória do Seu Reino por todo o Sempre"! É o único dia do ano em que podemos recitar em voz alta esta bênção do primeiro versículo da oração do Shemá. Enquanto os sefaraditas a proferem uma única vez, os asquenazitas o fazem três vezes seguidas, reconhecendo desta forma a total Soberania Divina no passado, no presente e no futuro.
Em seguida, proclamamos sete vezes: "O Eterno é D'us Único", significando que o Eterno, D'us de Israel, é "Um e Único Senhor e Poder no Universo". Por que sete vezes? Pois que as sete profissões de fé servem para escoltar até o Sétimo Firmamento a Presença Divina que desceu à Terra para ouvir as orações de Israel, que ecoam pelos Céus.
O shofar é então tocado uma só vez, marcando a conclusão do Dia do Perdão. Seu som poderoso e profundo não indica apenas que a Neilá chegou a seu término. Anuncia, também que as Portas dos Céus se fecharam e a Shechiná, a Presença Divina, que pairava sobre todos os judeus, congregados em suas sinagogas, ascenderá de volta aos Céus.
Nesses últimos segundos do Dia de Expiação e do Perdão, quando a Presença Divina está prestes a iniciar sua ascensão em direção ao mais alto Firmamento, expressamos, com o toque do shofar, um último pedido. Rogamos a D'us que sele o decreto que conduz à redenção universal que se realizará quando todos os judeus estiverem reunidos na Terra de Israel. Após o toque do shofar, os fiéis repetem, em uníssono: "No ano que vem, em Jerusalém".
Dessa maneira, afirmamos nossa confiança de que, em breve, ainda durante os nossos dias, ... "se fará soar uma grande trombeta, e os que andavam perdidos pela terra de Assíria e os que foram desterrados para a terra do Egito retornarão e se prostrarão, em adoração, diante do Senhor, no monte santo, em Jerusalém" (Isaías, 27:13).
Bibliografia:
· Yom Kippur, The Complete ArtScroll Machzor, Sefarad, traduzido e comentado pelo Rabino Nosson Scherman, Mesorah Publications Ltd.
· Ritual de Orações para o dia de Yom Kipur Conforme o Rito Sefaradi, comentado pelo Rabino Jacob Mazal Tov