A Congregação Sefardi Paulista, Dirigentes Comunitários e principais autoridades do país homenageiam as vítimas do holocausto.
Desde a sua fundação, a Congregação Beneficência Sefardi Paulista, a Beit Yaacov tem recebido ilustres personalidades, como os Grão-rabinos de Israel Ovadia Yossef, Mordechai Eliahu, Shlomo Amar, Bakshi Doron e Meir Lau, e teve o privilégio de receber grandes palestrantes, como o Grão-rabino da França, Joseph Sitruk, e o Rabino e psiquiatra Abraham Twersky, entre outros. Foi também palco da exposição Raízes de uma Jornada, que resgatou a memória fotográfica da comunidade sefardita. Em 27 de janeiro último, a Sinagoga Beit Yaacov sediou a cerimônia oficial pelo "Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto", instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Cerca de mil pessoas presenciaram um evento histórico, cheio de simbolismos. Narrar este acontecimento é motivo de orgulho para nós, da comunidade judaica do Brasil, por nossa liderança e pelo respeito dos governantes brasileiros a data tão significativa.
Com a sinagoga repleta, Joseph Safra, presidente da Congregação, recepcionou as principais autoridades do país, na companhia de Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), e de Boris Ber, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp).
O anfitrião abriu o evento mencionando a honra de receber os mais altos dignitários do País, em uma cerimônia que homenageava a memória de seis milhões de seres humanos inocentes assassinados durante o regime nazista pelo único fato de serem judeus; pessoas que não haviam cometido nenhum delito nem lhes fora imputada nenhuma pena; apenas professavam a religião judaica. Afirmou que o objetivo do encontro era celebrar em luto e respeito a data e que nos defrontavam os desafios do esquecimento, do perdão e da indiferença quando refletíamos sobre o Holocausto.
Segundo Joseph Safra, o único instrumento de superação para este trágico momento da História da humanidade é a memória; e a vigilância contra a ocorrência de um novo Holocausto não é tarefa exclusiva do povo judeu, mas um dever de todas as nações civilizadas. Lembrou que a Beit Yaacov representava os judeus oriundos do Líbano e da Síria, que tiveram que deixar seus lares devido a perseguições, e que entre os presentes se encontravam líderes das comunidades judaicas de diversas origens, também obrigadas a abandonar sua terra natal.
O discurso foi interrompido por aplausos emocionados quando proferiu a frase: "Todos nós fomos recebidos de braços abertos e acolhidos calorosamente neste país". Finalizou o seu discurso agradecendo ao Brasil, em nome de todas essas comunidades, pela oportunidade de aqui aprender, crescer, educar nossos filhos e netos e de livremente professar a nossa fé.
Em seguida, o mestre de cerimônias, Fábio Grabarz, convidou o presidente Lula para acender a primeira vela em homenagem às vítimas do Holocausto; foi seguido por Moise Safra. A terceira vela foi acesa por Ben Abraham, sobrevivente do Holocausto e um dos maiores divulgadores das atrocidades cometidas pelos nazistas. A sinagoga se encheu de emoção: todos se levantaram para aplaudi-lo. Ben Abraham, depois de acender a vela, quebrou o protocolo e recitou a berachá de"Shehecheianu", agradecendo a D'us por chegarmos vivos àquele momento. As velas seguintes foram acesas pelos rabinos da Congregação Efraim Laniado, Isaac Shrem e Avraham Cohen. Os três recitaram o Kadish dos enlutados, em memória dos mortos. A seguir foi a vez do rabino David Weitman se dirigir ao público.
"A memória é a raiz da libertação, assim como o esquecimento é a razão do exílio", lembrou, citando o grande mestre do chassidismo, o Baal Shem Tov. "Somos um povo que recorda nossos falecidos, principalmente seus mártires, seja no Yizcor ou no Yom Hashoá, pois acreditamos que quem tem passado tem garantido o seu futuro", disse o rabino Weitman. Elogiou a nobre iniciativa da ONU e citou Elie Wiesel: "Esquecer os mortos é morrer duas vezes".
O presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, ao usar da palavra, fez um alerta aos presentes. Apesar de mais de 60 anos se terem passado, ainda encontramos quem conteste a existência do Holocausto e pregue a teoria nazista. "Não são lugares afastados da civilização, e não são pessoas desprovidas de informação, mas indivíduos que vivem em nossa cidade. ...São políticos, jornalistas, professores, intelectuais que têm em comum a intolerância e o preconceito".
Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil, relembrou que a história judaica no Brasil esteve intrinsecamente unida à de nosso povo, desde seu descobrimento até as correntes migratórias, fruto da Inquisição, perseguições na Europa e expulsões dos países árabes nos anos 1950, quando Israel foi criado.
Os presentes aplaudiram quando o presidente da Conib afirmou: "Amamos este país. Nossa lealdade é pétrea e inegociável e nos enche de orgulho. Reafirmamos nossa relação com Israel e pedimos às autoridades aqui presentes que conflitos externos de outras regiões não sejam importados".
Guiora Becher, o novo embaixador de Israel, falou pela primeira vez à comunidade judaica no Brasil em evento de tamanha magnitude. O embaixador ressaltou a importância da preservação da memória das atrocidades cometidas contra o povo judeu e condenou aqueles que banalizam a palavra Holocausto, não entendendo a dimensão dos acontecimentos ocorridos durante o regime nazista.
O prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab, destacou a importância do evento e lastimou os acontecimentos que vitimaram os judeus naqueles anos, deixando uma mensagem de otimismo para o futuro. José Serra, governador do Estado, fez um discurso pontuado por impressões pessoais de sua relação com a comunidade judaica. Lembrou sua infância no bairro da Mooca, onde teve os primeiros contatos com judeus, justamente no final da 2ª. Guerra Mundial, "pessoas sofridas e laboriosas" que tinham passado pelos horrores do nazismo. Comentou também a expressiva participação da comunidade no desenvolvimento econômico no Brasil, e de um estudo que fez, no passado, evidenciando o grande número de judeus ganhadores do Prêmio Nobel, de maneira desproporcional a outros povos.
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva leu seu discurso e foi ovacionado em vários momentos. Ao final do artigo, trechos do mesmo. Para finalizar a cerimônia, foi exibido um breve documentário histórico, muito bem produzido, sobre o início do conflito na Europa, com a "Noite dos Cristais", até a libertação dos campos de extermínio nazistas.
Um momento muito emocionante foi a tocante interpretação de uma passagem das memórias de Halina Birenbaum, uma sobrevivente do campo de Majdanek, pela atriz e produtora teatral, Melani Halpern Fechheimer.
Com o final do evento, seguindo o cerimonial, Joseph Safra acompanhou o presidente Lula até a saída da Sinagoga Beit Yaacov, juntamente com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, a ministra da Casa Civil Dilma Roussef, o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, o cardeal arcebispo de São Paulo Odilo Scherer, os senadores Romeu Tuma e Aloísio Mercadante, o vice-governador de São Paulo Alberto Goldman, o presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Vaz de Lima, o secretário de Esportes da Cidade de São Paulo Walter Feldman e Clara Ant, assessora especial do presidente da República.
Sentado no fundo da sinagoga, fiquei observando as pessoas comentarem o evento. Um grande número de jovens estava presente. Pensei: "Que abençoada é esta juventude por viver em tempos de paz. Que privilegiada é esta juventude que presencia um evento tão bem organizado, no qual as mais altas autoridades do País exercem a Democracia, com 'D' maiúsculo, conversam de forma harmoniosa, no sagrado recinto de uma sinagoga - uma sinagoga construída em uma cidade, em um Estado, em um país que são um exemplo de tolerância religiosa para o mundo".
Trechos do Discurso do Presidente da República, Senhor Luís Inácio Lula da Silva na Sinagoga Beit Yaacov
"Meus amigos e minhas amigas,
Agradeço o convite para participar, pelo quarto ano consecutivo, do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Eu posso dizer que me sinto pessoalmente envolvido com a instituição desta data. Em agosto de 2004, recebi de uma comitiva do Congresso Judaico Mundial e de líderes comunitários brasileiros - certamente alguns deles estão aqui presentes - uma petição à ONU solicitando medidas mais concretas na luta contra o antissemitismo. Assinei de imediato o documento, afinal, o Estado brasileiro foi co-patrocinador de diversas resoluções da ONU afirmando a importância de rememorar aquela tragédia. Mais tarde, eu soube que o Brasil foi o primeiro país a subscrever aquela petição. Soube também que ela serviu de base para consagrar 27 de janeiro como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
...Hoje, como em todos os dias, devemos nos empenhar na luta da memória contra o esquecimento. É preciso manter viva a lembrança, para que nunca mais se repita o assassinato em massa, o genocídio como ideologia e a limpeza étnica como razão de Estado.
...O regime nazista promoveu a mutilação espiritual, a humilhação moral, a ruína material e a eliminação física de milhões de homens, mulheres e crianças. Vitimou judeus, comunistas, homossexuais, negros, ciganos, testemunhas de Jeová e todos que considerou inferiores na raça, no credo e na cor. O Holocausto marcou o auge da crueldade humana e configurou o maior episódio de violência e covardia de nossa história, um episódio que não deveria ter ocorrido e que não pode nunca mais voltar a ocorrer".