Tishá b’Av, o nono dia do mês de Av, foi a data em que tombaram o primeiro e o segundo Templo de Jerusalém. Por 2.000 anos, o Povo Judeu orou pelo rápido cumprimento das palavras dos Profetas, que profetizaram nosso retorno à Terra de Israel e Jerusalém. Hoje, essas profecias não mais constituem um sonho, MAS uma realidade.
O Talmud (Talmud Bavli, Makot 24b) conta a seguinte história: certa vez, após a destruição do Segundo Templo Sagrado, quatro de nossos maiores Sábios - Raban Gamliel, Rabi Elazar ben Azariá, Rabi Yehoshua e Rabi Akiva - foram a Jerusalém. Quando chegaram ao Monte do Templo, viram uma raposa emergindo do local que costumava ser o Kodesh HaKodashim - a câmara mais sagrada do Templo - onde apenas o Cohen Gadol podia adentrar e apenas em Yom Kipur.
Ao testemunhar essa cena, Raban Gamliel, Rabi Elazar ben Azariá e Rabi Yehoshua começaram a chorar, ao passo que Rabi Akiva sorria. Perplexos com sua reação, perguntaram-lhe: “Por que motivo você está sorrindo?” Ele respondeu: “Por que razão vocês estão chorando? Eles disseram a Rabi Akiva: “Este era um lugar no qual ninguém, exceto o Cohen Gadol, podia entrar, e agora as raposas rondam por ele! Como podemos não chorar?” Rabi Akiva respondeu-lhes: “É por isso mesmo que estou sorrindo”, e explicou: “Está escrito, (Isaías 8:2), ‘Eu (D’us) convocarei testemunhas confiáveis para Mim, (os dois profetas) Uriá, o Cohen, e Zechariahu ben Yeverechiahu’. Agora, que ligação Uriá tem com Zechariahu? Uriá profetizou durante a era do Primeiro Templo enquanto Zechariahu foi um profeta durante a época do Segundo Templo. Por que então eles são mencionados juntos? Porque nossas Escrituras tornaram a profecia de Zechariahu dependente da profecia de Uriá. Na profecia de Uriá, está escrito: ‘Tsion será arado como um campo; Jerusalém se tornará um monte de escombros e o Monte do Templo se tornará um monte de pedras na floresta’. Já na profecia de Zechariahu, está escrito: ‘Idosos e idosas vão mais uma vez sentar-se nas ruas de Jerusalém’ ”1. Rabi Akiva concluiu: “Enquanto a profecia de Uriá não havia se cumprido, eu temia que a profecia de Zechariahu não se cumpriria. Agora que a profecia de Uriá se cumpriu - e Jerusalém e o Monte do Templo estão totalmente desolados -, é certo que a profecia de Zechariahu se cumprirá”. Os outros três Sábios se voltaram para Rabi Akiva e disseram: “Akiva, você nos consolou. Akiva, você nos consolou”.
Essa história constitui uma das mais importantes passagens em todo o Talmud. Transmite lições valiosas e particularmente relevantes para o dia de Tishá b’Av - a data em que tanto o primeiro como o segundo Templo Sagrado de Jerusalém foram destruídos. No nono dia do mês de Menachem Av - dia nacional de luto do Povo Judeu - lembramos e lamentamos a queda de Jerusalém, a destruição do Templo Sagrado e o exílio de nosso povo por quase 2.000 anos.
Durante 2.000 anos, ano após ano em Tishá b’Av, o Povo Judeu - espalhado pelos quatro cantos do mundo – jejuou e chorou pela perda do Templo Sagrado e o exílio da Terra de Israel. Por 2.000 anos, nosso povo lamentou que a profecia de Uriá se houvesse concretizado, ansiando para que a profecia de Zechariahu também se realizasse, um dia. Por 2.000 anos, os Filhos de Israel sonharam em retornar a Jerusalém. Hoje isso não é mais apenas um sonho, mas uma realidade. Hoje vemos que a profecia de Zechariahu se realizou. Embora o Povo Judeu ainda observe o dia 9 do mês de Av - porque o Templo Sagrado não foi reconstruído e a paz ainda não chegou ao mundo - hoje, “idosos e idosas sentam-se nas ruas de Jerusalém” e crianças judias falam a mesma língua que falavam nossos profetas. O retorno do Povo Judeu à sua Pátria ancestral - à Terra de Israel - e à sua capital eterna - Jerusalém - é o desdobramento de profecias proferidas há milênios. Nossa geração tem o privilégio de ver essas profecias se realizarem diante de nossos olhos.
A história do Talmud sobre a reação de Rabi Akiva ao testemunhar uma calamidade é uma lição de vida não apenas para o Povo Judeu, mas para toda a humanidade: constitui um ensinamento muito relevante para os nossos dias. Rabi Akiva vislumbrava as sementes do renascimento onde outros viam apenas destruição. A visão singular de Rabi Akiva - de que a escuridão é, em muitos casos, um prelúdio necessário para a deflagração de muita luz - foi o que carregou nosso povo por um exílio longo e, muitas vezes, cruel. Foi o que lhes deu resiliência para sobreviver ao Holocausto e, apenas alguns anos depois, realizar um sonho de 2.000 anos: reerguer seu país em sua pátria ancestral.
Na verdade, o mundo só pode se maravilhar com a fé e resiliência do Povo Judeu, que apenas três anos depois de “caminhar pelo vale da sombra da morte”, levantou-se das cinzas para assegurar um futuro judaico e construir um Estado Judeu. Durante a Inquisição, os pogroms, as expulsões, os guetos e, especialmente, os campos de extermínio, o Povo Judeu sobreviveu porque se agarrou a uma antiga promessa - de que D’us “nunca os abandonaria ou os desampararia” e que Ele os conduziria de volta à terra que jurou dar aos nossos antepassados. E assim, hoje, ao testemunharmos a força, a resiliência e a fé em D’us do Povo Judeu, também testemunhamos a fidelidade de D’us ao Povo Judeu.
Em Tishá b’Av deste ano, faremos o que temos feito há 2.0000 anos: jejuaremos, lamentaremos pela ausência do Templo Sagrado e recitaremos o livro de Eichá, que fala da queda de Jerusalém. Mas hoje, diferentemente do passado não tão distante, podemos celebrar o cumprimento da profecia de Zechariahu: Jerusalém não mais está “se lamentando por estar privada de seus filhos, arruinada de suas moradias, desprezada pela perda de sua glória, desolada sem habitantes”2. Em vez disso, hoje, Jerusalém irradia alegria porque, após 2.000 anos de ausência, seus filhos finalmente retornaram a ela. Um exemplo vivo do laço eterno de amor entre o Povo Judeu e Jerusalém: dois anos atrás - antes do início da pandemia - 1,5 milhão de judeus visitaram o Kotel, o Muro Ocidental, antes das Grandes Festas, e 100.000 judeus se reuniram lá para as orações de Selichot. Jerusalém - uma cidade que foi conquistada dezenas de vezes, mas que nunca foi capital de nenhuma nação exceto o Povo de Israel - voltou às mãos de seus filhos após dois milênios.
Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, a quem o presidente Barack Obama chamou de “a consciência do mundo”, testemunhou o milagre ocorrido naquele dia glorioso de junho de 1967 em que a cidade de Jerusalém foi finalmente reunificada e o Kotel devolvido às nossas mãos: “O combate ainda perdurava em várias frentes..., mas isso não impediu que as pessoas, num êxtase místico, corressem em direção à Cidade Velha, que estivera inacessível a todos os judeus durante o domínio jordaniano... sobreviventes de todo tipo de inferno, rostos de todo tipo de destino - vi-os correndo, ofegantes, voando quase... correndo para tocar o Muro. E lá chegando, incrédulos e estupefatos, como crianças que temem o despertar por não querer o fim do sonho, detêm-se, de súbito. Eis que se ouve um choro convulsivo, preces sendo entoadas, enquanto outros dançam, dando vazão à emoção. O país inteiro dançou. A história judaica dançou. Explodindo de júbilo e gratidão pelo privilégio de testemunhar aquele momento, pensei: ‘É isto, Jerusalém, o lugar que atrai e irmana todos os judeus, a verdadeira cidade da saudade e promessa eternas’”.
O retorno definitivo do Povo de Israel à Terra de Israel e à cidade de Jerusalém é a realização das palavras de nossos profetas. Depois de um exílio de 2.000 anos, as palavras do profeta Ezequiel se concretizaram: “Eles habitarão na terra que dei ao Meu servo, a Jacob, na qual habitaram vossos pais. Eles habitarão nela, eles e seus filhos e os filhos de seus filhos, para sempre” (Ezequiel 37:25). A volta dos filhos de nosso Patriarca Jacob - cujo nome também é Israel - à sua pátria ancestral culminará com o restabelecimento do Templo Sagrado de Jerusalém. O dia em que for erguido o Terceiro Templo inaugurará uma nova era - não apenas para o Povo Judeu, mas para toda a humanidade - na qual o sofrimento e a morte serão eliminados por toda a eternidade e o mundo inteiro se encherá de luz, paz, prosperidade e alegria.
1Zecharihu 8:4. Esta passagem descreve o retorno do Povo de Israel a Jerusalém - uma época de paz e tranquilidade em que a cidade estará repleta de pessoas - tanto idosos sentados nos bancos da cidade como crianças brincando nas ruas.
2Trecho adicional recitado na oração da Amidá durante a reza da tarde (Minchá) em Tishá b’Av .