A festa de Sucot, que tem a duração de sete dias e se inicia cinco dias após Yom Kipur, é conhecida por vários nomes, mas sua descrição no livro de orações é Zman Simchatenu – “Época de nosso regozijo”. A Torá nos ordena sempre servir a D’us com alegria, particularmente em ocasiões festivas como o Shabat e as datas sagradas. Mas também nos impõe estar especialmente alegres durante a festa de Sucot.

No quinto livro da Torá, Deuteronômio, está escrito o seguinte acerca dessa festa: “E te alegrarás na tua festa – tu, teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, o levita, o peregrino, o órfão e a viúva, que estão nas tuas cidades. Sete dias festejarás a festa do Eterno, teu D’us, no lugar que escolher o Eterno; porque o Eterno, teu D’us, te abençoará em todos os teus produtos e em toda obra de tuas mãos, e estarás certamente alegre” (Deuteronômio 16: 14-15).

É interessante que o Livro Deuteronômio não mencione o júbilo ao descrever a festa de Pessach, e apenas mencione-o uma única vez em relação à festa de Shavuot. Contudo, no contexto de Sucot, menciona-o duas vezes. Talvez seja isso o que levou nossos Sábios a atribuir a essa festa o epíteto de “Época de nosso regozijo”. E, por que o duplo júbilo? Por que razão o conceito de alegria é mais enfatizado durante Sucot do que nas demais festas?

Os dois mandamentos exclusivos de Sucot

Há dois mandamentos da Torá exclusivos à festa de Sucot. Um é juntar e ter nas mãos as Arbaat ha-Minim, as “Quatro Espécies”. O outro é habitar em uma Sucá.

O mandamento de juntar as Quatro Espécies é mencionado no terceiro livro da Torá, o Levítico. Pois está escrito: “Contudo, aos 15 dias do sétimo mês, quando recolherdes o produto da terra, celebrareis a festa do Eterno por sete dias; no primeiro será dia de descanso solene e, no oitavo, será dia de descanso solene. E tomareis para vós, no primeiro dia, o fruto da Árvore Formosa (Etrog), palmas da palmeira, ramos de murta e de salgueiro de ribeiras, e vos alegrareis diante do Eterno, vosso D’us, por sete dias” (Levítico 23:39-40).

Aí está a referência aos Arbaat ha-Minim – as Quatro Espécies. A fruta escolhida é o Etrog, o ramo verde é o Lulav, os galhos folhosos são os Hadassim, e o salgueiro da ribeira são as Aravot. É uma mitzvá – um mandamento Divino – juntar essas Quatro Espécies e sacudi-las em Sucot.

Um segundo mandamento da Torá, que também é exclusivo à festa de Sucot, é a mitzvá de se habitar em uma Sucá durante os sete dias da festa. Em Sua Torá, D’us ordena ao Povo Judeu “viver em Sucot (cabanas) durante sete dias: “Nas cabanas habitareis por sete dias; todo natural de Israel habitará nas cabanas. Para que as vossas gerações saibam que nas cabanas fiz habitar os Filhos de Israel, quando os tirei da terra do Egito, Eu sou o Eterno, vosso D’us!”(Levítico 23:42-43).

Esse mandamento é tão fundamental na festa de Sucot que até empresta seu nome à mesma. Essa festa é a época anual de recordarmos as Sucot – plural de Sucá – as moradias temporárias e portáteis nas quais os judeus viveram durante sua jornada de 40 anos através do deserto, em sua caminhada para a Terra de Israel.

É interessante notar que os dois mandamentos exclusivos da festa – tomar nas mãos as Quatro Espécies e habitar em uma Sucá – são muito diferentes em sua natureza. Na verdade, esses dois mandamentos são aparentemente contrários entre si. O mandamento das Quatro Espécies e os rituais associados ao mesmo são imbuídos de profundo significado e misticismo, mas servem, também, a um propósito prático: constituem uma súplica por chuvas abundantes. Ao cumprir esse Mandamento Divino, esperamos que D’us abençoe o novo ano com chuvas, essenciais para a vida e o sustento. Além disso, como nos ensina Maimônides, as Quatro Espécies eram os produtos mais disponíveis na Terra de Israel – verdadeiros sinais da fertilidade da terra.

Por sua vez, o mandamento de morar sete dias em uma Sucá pressupõe a falta de chuva. De fato, chover durante a festa de Sucot é considerado um mau presságio, pois nos impede de cumprir o mandamento de habitar em uma cabana. A Lei Judaica determina que, como a Sucá é uma moradia temporária, seu revestimento não pode ser impermeável: se a chuva não pode penetrar por seu teto, a Sucá não é válida. E se chover na festa de Sucot – e a chuva for forte ao ponto de estragar a comida que está na mesa da cabana –, estaremos isentos do mandamento de habitá-la. Assim sendo, a chuva é um impedimento para o cumprimento da mitzvá de Leshev ba-Sucá, isto é, “habitar na Sucá” durante os sete dias da festividade.

A diferença entre os dois mandamentos exclusivos da festa é ainda mais profunda. Por um lado, Sucot é a mais universalista de todas as festas judaicas. O profeta Zechariah profetizou que um dia essa festa será celebrada por toda a humanidade: “E o Eterno será Rei sobre toda a terra; naquele dia o Eterno será Um e Seu Nome, Um... Então, cada uma das nações dentre as que invadiram Jerusalém, que sobreviver, subirá cada ano para adorar o Rei, o Eterno das Legiões, e celebrar a festa de Sucot (Festa dos Tabernáculos). E se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém para adorar o Rei, o Eterno das Legiões, não será aquinhoada com chuvas. E se não subir a família do Egito e não vier, não transbordará seu rio; serão atingidos pela praga com que o Eterno há de ferir as nações que não subirem para celebrar a festa de Sucot” (Zechariah 14:9, 16-17-18).

A universalidade de Sucot é evidenciada por outro mandamento da Torá que também é exclusivo à festa: 70 touros teriam que ser sacrificados no Templo Sagrado de Jerusalém durante a semana da festividade (Números 29:12-34). Nossos Sábios ensinam que tais sacrifícios eram oferecidos em nome das setenta principais nações do mundo. As 70 oferendas animais serviam para permitir que D’us abençoasse todas as nações do mundo. Ensinam, também, com base na passagem acima do profeta Zechariah, que, na festa de Sucot, D’us decide assuntos relativos às chuvas – se serão abundantes ou não, se serão fonte de bênção ou não, no ano que está por vir. O Talmud nos diz, no Tratado Rosh Hashaná 1:2: “Na festa (de Sucot), o mundo é julgado na questão da chuva”. Evidentemente, não há nada especificamente judaico na necessidade de chuva. Todos os países, inclusive o Brasil, e especialmente aqueles do Oriente Médio, a necessitam. Portanto, ainda que os mandamentos de tomar nas mãos as Quatro Espécies e oferecer os 70 touros no Templo Sagrado fossem realizados apenas pelo Povo Judeu, eles têm um significado universal, já que um de seus muitos propósitos era levar D’us a decretar um ano de chuvas abundantes e prosperidade para o mundo todo.

Sucot é a festa mais universal em nosso calendário, mas é também a mais especialmente judaica. Quando sentamos na Sucá, lembramo-nos da História Judaica – não apenas os 40 anos vagando pelo deserto em direção à Terra Prometida, mas também toda a experiência do exílio. A Sucá é definida como uma “moradia temporária”. Ela constitui um dos símbolos mais fortes da nossa história porque somos um povo que, através dos milênios, tem sido forçado a viver fora de sua Terra Natal – a Terra de Israel. A Sucá, o tabernáculo temporário e frágil, simboliza os muitos lares transicionais e temporários do Povo Judeu. Nenhum outro povo nasceu no deserto. Nenhum outro povo esteve disperso de forma tão ampla pelo mundo, emigrando com frequência ou sendo expulso de tantos países. Nenhum outro povo teve condições de sobreviver por tanto tempo sem sua própria terra.

Fomos expulsos da Antiga Israel há quase 2.000 anos. O moderno Estado de Israel foi fundado há menos de 70 anos. Durante os dois milênios em que nosso povo viveu sem um Estado Judeu, sempre ansiamos pelo retorno à Terra de Israel, nossa Pátria ancestral. Esse anseio foi fomentado não apenas pelos inúmeros episódios horrendos que nosso povo suportou desde a queda da Antiga Israel. Como a maioria dos judeus e cristãos conscienciosos entendem, o retorno do Povo Judeu à Terra de Israel, em particular a Jerusalém, é imperativo para a vinda do Mashiach, e assim, para a redenção não apenas dos Filhos de Israel, mas de toda a Humanidade. Portanto, independentemente de onde vivemos em nossa dispersão – fosse bom e agradável, fôssemos recebidos de braços abertos ou brutalmente perseguidos - sempre estivemos em uma moradia temporária, nunca em um destino permanente. Longe de ser universalista, o mandamento de habitar em uma Sucá é particular, pois simboliza um povo cuja única proteção ao longo da maior parte de sua história foi sua fé nas asas protetoras da Presença Divina, que, como ensina o Zohar, a obra fundamental da Cabalá, habita dentro de cada Sucá durante a festa de Sucot. Essa moradia temporária nos ensina que a sobrevivência e segurança do Povo Judeu não dependem de paredes fortes, tetos impenetráveis e altas construções, mas sim, da Providência e Proteção Divinas.

Vemos, pois, que Sucot tem um simbolismo duplo, e que se contradiz. Tem um caráter universal e, ao mesmo tempo, especificamente judaico. É quase como se fossem duas festas. Nisso está seu caráter único.

Os dois ciclos da festividade

As festas bíblicas no calendário judaico representam dois ciclos diferentes. O primeiro é o ciclo conhecido como Shalosh Regalim (literalmente, “três pernas”): Pessach, Shavuot e Sucot. Essas festas levam esse nome porque todos os homens judeus eram obrigados a ir em peregrinação a Jerusalém durante essas três festas para oferecer sacrifícios no Templo Sagrado. Os Shalosh Regalim nos contam a história particular do Povo Judeu: Pessach celebra nossa liberdade da escravidão egípcia; Shavuot comemora a Revelação Divina no Monte Sinai, o recebimento da Torá e o nascimento do Povo Judeu; e Sucot rememora a jornada de 40 anos do Povo Judeu no deserto, a caminho da Terra Prometida. Essas três festividades revivem o passado judeu. Celebram o significado de ser judeu. Ainda que as mensagens que as mesmas nos transmitem tenham inspirado um número inusitado de pessoas ao longo da História – particularmente o tema do Êxodo e o dos Dez Pronunciamentos Divinos (os “Dez Mandamentos”) ouvidos no Monte Sinai –, elas contam a história do Povo Judeu. Foram os judeus os escravos libertados do Egito; foi aos judeus que D’us escolheu para Se revelar e a quem Ele confiou a Sua Torá; e foram os judeus os que viveram nas Sucot durante a longa jornada em que foram conduzidos por Moshé a caminho da Terra Prometida.

No entanto, há um segundo ciclo de festas judaicas – as do mês de Tishrei: Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot. (Shemini Atseret, a festa celebrada no dia após o término de Sucot, de certa forma é o oitavo dia dessa festa). Apesar de Rosh Hashaná e Yom Kipur serem festividades judaicas, ambas não dizem respeito unicamente a judeus e ao judaísmo. Dizem respeito a D’us, à Humanidade, a todas as criaturas vivas e ao destino do mundo todo. O palavreado das orações é diferente nessas duas festas; é diferente do que nas demais festas judaicas. Em Rosh Hashaná, proclamamos: “Instila o Teu assombro sobre todas as Tuas obras, e temor a Ti em toda a Tua criação”. A liturgia é claramente universal. O Talmud nos ensina que nos Dias Temíveis, que se iniciam em Rosh Hashaná e terminam ao findar o Yom Kipur, D’us determina o destino de todos os povos e de cada uma de Suas criaturas para o próximo ano. Bem verdade, são os judeus que acorrem às sinagogas nesses dias e que têm que cumprir o mandamento de ouvir o toque do Shofar em Rosh Hashaná e o de jejuar em Yom Kipur, mas eles agem como agentes da Humanidade, mesmo não estando, a quase totalidade do mundo, ciente do que ocorre nesses dias cruciais. Neles refletimos não apenas na condição atual e no futuro do Povo Judeu, mas também, na do mundo e de todos os seus habitantes.

Tendo identificado esses dois ciclos de festividades, vemos claramente a singularidade de Sucot, que é ser a única festa que pertence a ambos os ciclos. É parte do ciclo da História Judaica - Pessach, Shavuot e Sucot, mas também da sequência de festividades do mês de TishreiRosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot. Daí o duplo júbilo que lhe é associado. Daí uma das inúmeras razões para ser chamada de Zman Simchatenu – a “Época de nosso regozijo”.

O mandamento das Quatro Espécies representa o aspecto universal de Sucot. Os Arbaat ha-Minim simbolizam algumas das necessidades comuns a toda a Humanidade: a natureza, a chuva, a agricultura, o sustento, o ciclo das estações e a complexa ecologia do mundo criado – coisas que todos os seres humanos necessitam para sobreviver e florescer. O mandamento de habitar em uma Sucá, por outro lado, representa o caráter singular da História Judaica, com suas repetidas vivências em exílio. Essa estrutura temporária e frágil simboliza a fragilidade do Povo Judeu na Diáspora – os exílios, as expulsões, a assimilação, as perseguições, os massacres e, até mesmo, o genocídio. Ao mesmo tempo, o mandamento de viver sob o Sechach, o revestimento da Sucá, remete-nos aos versos iniciais do Salmo 91: “Quem habita na Morada do Altíssimo estará sempre sob Sua proteção” – e é curioso que o valor numérico da palavra Sucá é 91. Isso nos ensina e nos faz lembrar que os Filhos de Israel sobreviveram provações e tribulações sem fim somente porque habitavam à sombra da Divina Presença, assegurando sua perpetuidade.

De maneira diferente de todas as demais festividades, Sucot celebra a natureza dupla do judaísmo: a universalidade de D’us e a particularidade do Povo Judeu. E, como nos ensina a Torá, todos os seres humanos foram criados por D’us Uno e Único e todos descendem dos mesmos dois seres humanos: Adão e Eva. Isso significa, como indica o Talmud, que ninguém pode alegar ser superior ao outro. No entanto, cada povo, civilização e religião são únicos e diferentes, e essa diversidade é o que enriquece o mundo. Assim como cada ser humano tem sua própria missão neste mundo, também a tem cada um dos povos.

O aspecto universal da festa de Sucot e particularmente o mandamento das Quatro Espécies nos ensinam que nós, judeus, não podemos nos isolar do restante do mundo. Se devemos ser uma luz entre as nações, como ordenado por D’us (Isaías 42:6), temos que nos envolver e tentar influenciar a humanidade. Contudo, o aspecto específico de Sucot – em especial o mandamento de habitar em uma Sucá – nos ensina que o Povo Judeu é herdeiro de uma história que não tem igual entre nenhum outro povo: em número pequeno, vulneráveis, sofrendo exílio trás exílio, e, ainda assim, não apenas sobrevivendo, mas triunfando. A Sucá pode ser uma moradia frágil e temporária, mas pôde manter nosso povo vivo durante milênios.

A Humanidade é formada por nossos pontos em comum e nossas diferenças. Os primeiros nos recordam que somos todos seres humanos, com necessidades, dores e alegrias, esperanças, desejos e sonhos semelhantes. Mas nossas diferenças forjam nossa identidade. E a festa de Sucot reúne a nossa singularidade como povo e, ao mesmo tempo, nossa participação no destino universal da humanidade. Daí, o duplo júbilo de Sucot, a “Época de nosso regozijo”.

BIBLIOGRAFIA

Sacks, Rabbi Jonathan, “Leviticus: The Book of Holiness (Covenant & Conversation 3)”, Maggid.