Neste artigo descrevemos uma passagem da Torá que fascina pensadores e comentaristas e motiva a uma reflexão. Através da metáfora de uma sarça ardente que não era consumida pelas chamas, o Todo Poderoso pretendia fazer ver a Moshé que sempre há um outro aspecto, ao nosso redor,que não é visto por nós.
"Moshé estava apascentando o rebanho de seu sogro Yitro, o chefe de Midian. Ele conduziu o rebanho para trás do deserto, e chegou ao Monte de D'us, a Chorev. E apareceu-lhe o Anjo de D'us numa chama de fogo, no meio da sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia.E disse Moshé: Aproximar-me-ei e verei esta grande visão, por não se queima a sarça? E viu o Eterno que ele se aproximou para ver e chamou-o D'us, de dentro da sarça: "Moshé, Moshé! "Eis-me aqui", replicou (Moshé). "Não chegues para cá! Tira teus sapatos de teus pés porque o solo em que estás é terra sagrada. Eu sou o D'us de teu pai, D'us de Abrahão, D'us de Isaac, D'us de Jacob". (Shemot 3: 1-5)
Descrita na Torá, esta cena fascinou imensamente comentaristas e pensadores de todos os tempos. Sem dúvida, uma visão ao mesmo tempo inspiradora, temível e deslumbrante. Foi no decorrer deste encontro com o Eterno que Moshé se tornou o mensageiro divino, com a missão de libertar o povo judeu da escravidão do Egito.
À certa distância, Moshé observa na montanha o arbusto que queimava vigorosamente - sem, no entanto, ser consumido! De repente, a Voz do Todo Poderoso lhe fala, de dentro da sarça em chamas. Ordena-lhe que não se aproxime e que descalce os pés, pois a terra onde pisava era sagrada.
Por que teria D'us escolhido uma sarça ardente para se comunicar com aquele que se transformaria no maior profeta de todos os tempos? Por que não se dirigiu a Moshé diretamente, através de um sonho ou visão profética, como fez com os demais profetas? E por que mandou Moshé remover o calçado antes de se aproximar? Os comentaristas explicam que, embora tivesse fugido do Egito muitos anos antes, Moshé nunca se esqueceu do sofrimento de seus irmãos que ainda lá viviam, escravizados pelo Faraó. Mesmo enquanto vivia na serenidade de Midian, ele não tinha paz interior e não lhe saía do pensamento o sofrimento e o trabalho pesado imposto pelos egípcios a seu povo. O que sucederia? Quanto tempo duraria ainda a terrível agonia de seu povo? Estas perguntas não abandonavam Moshé. Seu corpo estava em Midian, mas seu coração ficara no Egito, na escravidão, junto com seus irmãos.
D'us respondeu as perguntas de nosso maior profeta com a metáfora da sarça ardente que não era consumida pelas chamas Aquele arbusto solitário em meio à desolação da montanha árida simbolizava o Povo de Israel preso ao desespero do exílio e desprovido de sua liberdade física e espiritual.
O fogo simbolizava o sofrimento terrível dos filhos de Israel. Mas, o fogo é um elemento da natureza ambivalente; é um agente destruidor, mas é também uma fonte de calor e de luz. Ao mostrar o fogo ardendo dentro do arbusto, indicava o Todo Poderoso que havia outro aspecto na cena que nosso profeta não conseguia ver. Aquele fogo não o destruiria. Pelo contrário, funcionaria como um caldeirão que os forjaria e os fortaleceria espiritualmente, criando uma ligação eterna entre D'us e Seu povo. Fortalecidos espiritualmente poderiam seguir rumo a seu destino, prontos para receber do Eterno a Torá.
Com o fogo que ardia no interior do arbusto, o Todo Poderoso pretendia fazer ver a Moshé que sempre há um outro aspecto, ao nosso redor, que não é visto por nós. A Presença Divina estava na sarça ardente e, assim como o arbusto, não havia sido consumido pelas chamas, o terrível sofrimento dos Filhos de Israel no Egito não seria capaz de destruí-los.
Mas, por que foi tão difícil para Moshé entender o sofrimento e a aflição do exílio como um estágio indispensável no plano-mestre de D'us? A resposta está implícita na ordem de D'us ao profeta: "Tira o calçado de teus pés". Os calçados nos protegem e nos atrapalham, ao mesmo tempo. De um lado, facilitam nossa caminhada qualquer que seja o terreno; mas, de outro, prendem-nos os pés, cerceiam a liberdade de nossos dedos.
A parte física do homem tem um efeito similar. Se, de um lado, este invólucro material permite que a alma funcione neste mundo físico, do outro, obscurece a percepção espiritual do ser humano. O exílio parecia inexplicável a Moshé porque ele ainda "calçava seus sapatos". Porque, por assim dizer, ele apenas enxergava o sofrimento dos Filhos de Israel no Egito com os olhos de um mortal. Então D'us ordenou "remove teu calçado!" Era como se dissesse: "Transcende a tua existência física! Olha com os olhos da alma! Observa como a sarça ardente não é consumida! E, assim como a sarça não foi destruída, tampouco o será o Povo de Israel. "A visão do arbusto ardente é a promessa de que a Presença Divina estará sempre atuando na História e de que é Ele quem, em todas as épocas, planeja e conduz a história do Povo de Israel.
Há um outro ponto a ser interpretado nesta revelação impar, diretamente ligado à liderança de Moshé Rabenu. Com aquela demonstração, o Todo Poderoso deu-lhe as diretrizes do comportamento e da ação dignos de um líder do povo de Israel.
O arbusto simboliza o judeu. A primeira orientação de como se deve comportar um verdadeiro líder do Povo Judeu é saber valorizar cada judeu, individualmente; desde o mais simples, desde aquele que parece não possuir nenhuma qualidade, nenhum conhecimento intelectual. Este judeu sem virtudes aparentes possui algo de extremo valor - uma alma Divina. Representada pelo fogo que ardia dentro do arbusto.
O fogo simboliza o amor intenso que todo judeu sente por seu Criador. E o fato do fogo não consumir a sarça significa que este amor é eterno, constante e sempre presente, em qualquer circunstância da vida. Nossos sábios ensinam que um judeu não pode e nem deseja, de modo algum, distanciar-se de D'us. Ele está ligado e entrelaçado, por sua própria essência, com a essência de Seu Criador - um arbusto ardente que não se consome.
A ordem Divina de remover os calçados ensina como um líder de nosso povo de Israel deve agir com seus irmãos. Os sapatos têm importante função, já o sabemos. Protegem-nos dos percalços do caminho, tornando ilesa a nossa caminhada. Descalços, os pés, ficam expostos, e qualquer pedra em nosso caminho pode ferir-nos ou causar dor.
Metaforicamente, um líder do Povo Judeu não pode "andar de sapatos", sempre protegido. Isto o tornaria indiferente e apático em relação a seus irmãos. Ao assumir o comando, deve "tirar os sapatos" e sentir a dor e o clamor de cada um dos judeus. Ele deve procurar entender os problemas de seus irmãos e tentar resolvê-los o mais rápido e da melhor maneira possível.
Somente após receber tais ensinamentos, Moshé estaria apto para trazer a redenção a seus irmãos, liderando seu povo até a Terra Prometida. Na realidade, Moshé já possuía todas essas qualidades, daí ter sido eleito por D'us para conduzir seu povo. Contudo, estes ensinamentos eram necessários para os futuros líderes da Nação Judaica.
Um comportamento exemplar
Os comentaristas se perguntam: por que Moshé, o pastor, teve que conduzir o rebanho ao deserto, bem longe da cidade? Não seria mais fácil apascentar perto de casa, sem viagens penosas e longínquas? A resposta é que Moshé estava preocupado em não furtar as propriedades alheias, nem se aproveitar ou prejudicar os bens de seus semelhantes. Por isso fez questão de se afastar até o deserto, certamente terra de ninguém. Este é o respeito e a consideração que Moshé tinha por seus semelhantes.
O Zohar chama Moshé Rabenu de "Raya Mehemna" - o pastor fiel, porque ele sabia como conduzir o rebanho e se preocupava com os mínimos detalhes de seu bem-estar. O Midrash descreve como Moshé agia na hora de apascentar o rebanho. Ele o dividia em três grupos: pequenos, idosos e jovens, cercando-os a todos. Ao pastar, ele liberava primeiro os pequeninos. Por ter ainda dentes frágeis, eles teriam o privilégio de comer o pasto mais tenro. Em seguida soltava os mais velhos, que, por sua idade, também necessitavam de grama branda. E, por último, tocava os jovens, já fortes para mastigar a grama dura.
Ao ver o cuidado de Moshé com seu rebanho, o Eterno disse: "Preciso um pastor como este para o Meu rebanho - o povo de Israel. Alguém que se preocupe com cada indivíduo, pessoalmente, e analise a força e a capacidade de cada integrante de seu rebanho. Um verdadeiro líder se preocupa não somente com o coletivo, mas especialmente com o individual." Foi assim que Moshé se transformou em Moshé Rabenu, "Raya Mehemna"- o pastor fiel!