Rabi Lazar dizia: “Três coisas anulam um decreto severo: Tefilá (Oração), Tzedacá (Caridade) e Teshuvá (Arrependimento)” (Talmud Yerushalmi, Taanit 9b).

Um dos temas principais dos Asseret Yemei Teshuvá, os Dez Dias de Arrependimento, que se iniciam em Rosh Hashaná e terminam na conclusão do Yom Kipur – são as três coisas que têm o poder de anular um decreto Celestial severo. E elas são: a Tefilá, oração, a Tzedacá, caridade, e a Teshuvá, arrependimento. O Talmud Yerushalmi (Taanit 9b), ensina que a origem desse ensinamento é uma passagem do Livro de Crônicas (2 Crônicas, 7:14), que reconta a resposta de D’us às orações do Rei Salomão quando ele inaugurou o Tempo Sagrado de Jerusalém. O rei pedira a D’us que fossem aceitas as súplicas em prol do Templo Sagrado. D’us respondeu que se Ele viesse a decretar uma escassez de alimentos, uma peste ou uma praga contra a Terra, Ele atenderia as súplicas do povo e aliviaria o decreto, com a estipulação mencionada no versículo: “E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é proclamado, humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se arrependerem de seus maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra”.

O Talmud Yerushalmi demonstra de que forma a oração, a caridade e o arrependimento se originam de elementos desse versículo. Quando o versículo diz “e orar”, obviamente se refere à oração. Quando diz “buscar a Minha face”, refere-se à caridade, pois está escrito no Livro de Salmos (em 17:15): “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face…”, que é interpretado como: “pelo mérito de minha justiça (Tzedek) – por meio da caridade (Tzedacá) que eu realizo – terei o mérito de contemplar a Tua face”. E quando o versículo diz: “eles se arrependerem de seus maus caminhos”, isso claramente se refere ao arrependimento. E conclui o Talmud Yerushalmi: “O que lá está escrito, na continuação daquele versículo: ‘Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra’”.

Essa passagem do Talmud de Jerusalém – que ensina que a oração, a caridade e o arrependimento podem anular um decreto Celestial hostil – suscita muitas perguntas que constituem o cerne do Judaísmo. Por exemplo, como pode a oração influenciar as decisões Divinas? Ou, qual o significado do conceito de que por meio da caridade, da Tzedacá, pode-se “contemplar a Face de D’us” – obviamente um conceito antropomórfico, uma vez que os conceitos físicos não se aplicam ao Todo Poderoso? E ainda outra questão fundamental: Qual o significado da Teshuvá?

O propósito da oração

Tefilá, oração, é um elemento essencial em todas as religiões. A oração e a religião são interligadas. Não existe relacionamento se não há comunicação e a oração é nossa forma de nos comunicarmos com D’us. Qualquer um pode orar, em qualquer idioma, e da forma que melhor lhe aprouver. Mesmo as crianças pequenas oram. É bem possível que a oração seja instintiva e não apenas algo que tenhamos que aprender.

Como a oração é um fenômeno tão comum, muitas pessoas a aceitam como coisa natural, mas na verdade não é tão simples assim. O próprio conceito da oração levanta muitas questões teológicas e filosóficas. Por exemplo, se as decisões Divinas são decretadas por Sua Divina Sabedoria e, assim, simbolizam a bondade, a verdade e a justiça, por que a oração levaria D’us a mudar de opinião? Outra pergunta: se uma pessoa é um ser humano íntegro e merecedor, por que D’us não haveria de favorecê-la mesmo se ela não orasse? Por outro lado, se a pessoa não faz jus àquilo que pede em suas orações, por que a oração deveria ajudá-la? Uma pergunta ainda mais fundamental: Por que devemos orar, afinal? D’us Infinito, que é Onisciente, certamente está ciente de nossos desejos e necessidades mesmo que nós não os pronunciemos. Não há nada que possamos dizer-Lhe que Ele ainda não saiba. D’us sabe, melhor ainda do que nós, aquilo que desejamos, aquilo que nos falta e de que carecemos. Ele certamente está ciente do que está em nosso coração e do que se passa em nossa mente. Conhece nossas ambições e anseios, nossas preocupações, problemas e aflições. Nada do que sabemos e sentimos é desconhecido por D’us. Conhece-nos melhor do que nós nos conhecemos.

O conceito de que por meio da oração podemos mudar a mente de D’us é especialmente desconcertante. Quando oramos e pedimos que D’us aja de determinada maneira, estamos indicando saber melhor do que Ele como deveria agir? Se Lhe pedimos que anule um decreto, estaríamos dizendo que Ele tomou uma decisão errada e deveria reconsiderá-la?

Ao que tudo indica, o conceito de oração parece ser um ato que contradiz a noção de que D’us é onisciente e perfeito. E, mesmo assim, além de termos permissão de orar, somos mesmo instruídos a fazê-lo. Segundo vários legisladores da Torá, a oração é um mandamento bíblico. Na verdade, temos o mandamento de servir a D’us diariamente, como determina a Torá: “... E servireis ao Eterno, vosso D’us, e Ele abençoará o teu pão e a tua água...” (Êxodo, 23:25). Apesar de podermos servir a D’us de várias formas, a principal delas é por meio da oração, quando podemos comungar com D’us com nossos pensamentos, emoções e pronunciamentos. A oração pode ter várias formas, desde que forneça uma forte comunhão entre a pessoa e D’us. Pode consistir de uma louvação a D’us, de um pedido a Ele para que realize nossas necessidades e desejos ou de um agradecimento por benesses recebidas. Mesmo que a pessoa sinta ter tudo o que precisa e deseja, sempre deve orar a D’us pedindo pelo futuro.

É claro que quando oramos, estamos rogando a D’us para que realize nossas necessidades e desejos e geralmente Lhe pedimos que mude Seu decreto. Por que D’us não apenas permite, mas nos ordena fazer algo que parece ser pretensioso e mesmo um pouco ofensivo a Ele? Por que Ele espera que nós Lhe digamos aquilo que Ele já sabe e Lhe peçamos para que reverta ou anule Suas próprias decisões? Há várias respostas a essas perguntas. Uma discussão rica e profunda sobre a oração está muita além do escopo deste artigo. Mas tentaremos discutir brevemente algumas respostas que o Judaísmo dá ao tema.

Nossos Sábios ensinam que D’us geralmente deposita bênçãos sobre uma pessoa na medida em que essa pessoa seja um digno receptáculo das mesmas. Se a pessoa não o é, pode “perder” uma bênção que lhe estava destinada, simplesmente porque deixou de se alinhar com aquela bênção ao não se tornar digno da mesma. Isso pode ser comparado a um agricultor que estava destinado a ter um ano próspero em suas terras, mas que deixou de semeá-las e, portanto, não colheu nada. Assim, os problemas ou carências de uma pessoa podem refletir um estado espiritual inadequado, e não necessariamente o plano Divino para ela. Da mesma forma, quando a pessoa muda sua realidade espiritual, ela pode mudar as circunstâncias de sua vida. Essa mudança não ocorre porque ela mudou a ideia de D’us, mas porque, ao elevar seu estado espiritual, ela se tornou digna do bem que D’us lhe havia reservado, a priori.

Uma das maneiras mais potentes e eficazes de se elevar o estado de espírito é por meio da oração. De fato, esse é um dos principais propósitos da oração. Quando a pessoa reza, especialmente quando o faz com intensidade e sinceridade, está intensificando sua fé e confiança em D’us, pois, ao orar, está reconhecendo a Infinita capacidade Divina, nossa dependência d’Ele e Seu controle sobre tudo. O ato de orar aumenta a conscientização que essa pessoa tem de D’us e de Sua Providência, tornando-a, assim, digna da bondade que D’us lhe quer dedicar.

A oração também deve levar a pessoa a se curvar perante D’us. A humildade e o sentimento de que estamos totalmente dependentes de D’us nos leva mais perto d’Ele – tornando aquele que ora mais apto a receber as bênçãos Divinas. Isso explica melhor o porquê de D’us “desejar” as orações dos justos: um justo pode ser digno de uma bênção, de qualquer modo, mas, ainda assim, D’us deseja elevá-lo, ainda mais, motivando-o a orar e, assim, crescer espiritualmente. A oração tem a capacidade de levar a pessoa aos mais altos níveis de perfeição espiritual.

Isso também explica por que devemos orar ainda que D’us conheça nossos desejos e pedidos mais do que nós mesmos. Na oração, devemos nos concentrar e nos entregar por completo, chegando, assim, muito mais perto de D’us, pois voltamos toda a nossa atenção a Ele, conectando-nos com Ele ao expressar nossas necessidades. Isso nos torna merecedores da benesse que D’us reservou para nós. Por essa razão, a oração era a forma como os patriarcas - Avraham, Itzhak e Yaacov – bem como todos os grandes homens e mulheres de Israel se ligavam a D’us. De fato, vemos na Torá que Moshé, o maior dos profetas, regularmente orava a D’us.

É importante observarmos que a oração tem o poder de efetuar uma mudança porque ela revela a dedicação da pessoa a D’us também de outras maneiras. Por exemplo, quando alguém se empenha em ir à sinagoga e se une aos demais, ela está santificando o Nome de D’us de forma pública e disseminando sua fé em D’us.

Assim sendo, a oração não é uma questão de “informar” D’us acerca de nossas solicitações. É uma forma muitíssimo poderosa de dedicação, de crescimento espiritual e de união com D’us. Isso é o que a torna uma das funções mais fundamentais do homem na vida, e um meio dos mais poderosos de se alcançar um favorecimento Divino.

Como o propósito da oração é rogar a D’us que introduza mudanças no mundo físico, a oração serve para aperfeiçoar Seu relacionamento com o mundo e, assim, unificar os planos espiritual e material. Esse é o significado do ensinamento cabalístico de que a oração deve se elevar e penetrar todos os mundos espirituais, de modo a fazer com que a bondade Divina flua para baixo, unificando-os e nutrindo-os. Por essa razão, a oração é tão importante perante D’us. O Talmud Bavli ensina que a oração é uma daquelas coisas que se colocam nos reinos espirituais mais elevados, no entanto muitas pessoas a consideram de forma leviana. Se elas soubessem quão poderosa pode ser a oração, certamente orariam com mais frequência e muito mais concentração.

Resumindo o que vimos acima, a oração anula os decretos Celestiais hostis porque orando nos aproximamos de D’us e, assim, removemos todas as barreiras que podem nos ter impedido de receber as benesses que emanam d’Ele. A oração não muda a Sua opinião. Mas muda nosso estado espiritual, tornando-nos, assim, mais aptos a receber as bênçãos Divinas. Voltando à analogia mencionada acima, D’us pode decretar que um determinado agricultor tenha uma boa safra, mas é necessário semear adequadamente para que a colheita seja boa. Da mesma forma, o esforço que uma pessoa despende na oração é, em geral, um pré-requisito para a concretização de todas as benesses que D’us decretou para ela.

O poder da caridade

“E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é proclamado, humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se arrependerem de seus maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra” (2 Crônicas, 7:14).

O Talmud Yerushalmi cita esse versículo e ensina que ao realizarmos atos de Tzedacá, “contemplamos a face” de D’us, e que essa é uma das formas de anular um decreto Celestial hostil. D’us obviamente não tem face; trata-se puramente de uma expressão antropomórfica, na qual os atributos humanos são atribuídos a D’us para que o homem possa ter alguma compreensão do Divino. Nossos Sábios ensinam que a “face” de D’us se refere ao Seu Atributo de Misericórdia, pois denota estima e bondade demonstradas à pessoa sobre a qual D’us irradia Seu Semblante, como vemos nos versículos da Bênção Sacerdotal (Números, 6:25), “Faça o Eterno resplandecer o Seu rosto sobre ti e te agracie”.

No livro de Salmos, 17:15, há um versículo que diz: “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face; e ao despertar serei saciado por Tua visão”, expressando o anseio e a antecipação do Rei David pelo Mundo Vindouro. Segundo ele, por meio de seus atos de caridade, ele mereceria “contemplar a face de D’us”, ou seja, deleitar-se na radiante Presença Divina. Vemos, portanto, que a “face de D’us” pode “ser vista” por meio de atos de caridade.

Assim, quando o versículo diz – “E (se) o Meu povo, que é chamado pelo Meu Nome...buscar a Minha face” – a expressão “buscar a Minha face” refere-se a atos de caridade. O Talmud Bavli (Bava Batra 10a) ensina que Rabi Eliezer, baseando-se nesse versículo, tinha o costume de dar Tzedacá antes de rezar. Como ao orar nos aproximamos de D’us e buscamos Sua “face”, a forma de realizá-lo se dá mediante atos de caridade.

Por que a caridade é tão poderosa? Por que invoca o Atributo Divino da Misericórdia? Porque para os Céus, a recompensa é dada de acordo com os nossos atos. Em outras palavras, D’us nos trata da mesma maneira como tratamos os demais. Se alguém é generoso com os outros, D’us é generoso com esse alguém. Se a pessoa cuida das necessidades dos demais, D’us cuidará das suas. Se a pessoa é misericordiosa e dá parte do que ganha para salvar os demais dos muitos sofrimentos decorrentes da pobreza, D’us será misericordioso com ele e o protegerá contra o sofrimento e a infelicidade.

Fora isso, a caridade, assim como a oração, eleva o estado de espírito da pessoa a alturas incríveis. E, portanto, aquele que regularmente pratica a caridade se torna merecedor de maravilhosas bênçãos Divinas. Nossos livros sagrados estão repletos de ensinamentos acerca do poder imenso e das recompensas, materiais e espirituais, da prática da Tzedacá.

O Talmud Bavli (Bava Batra 9a) afirma que “A Tzedacá é igual a todos os demais mandamentos juntos”, e que “é maior do que todos os sacrifícios”. O Talmud Yerushalmi (Peah 1:1) o corrobora: “Tzedacá e atos de bondade são o equivalente a todos os mandamentos da Torá”.

O Midrash (Midrash Zuta, Cântico dos Cânticos 1) ensina que “Se apenas as pessoas que viveram na geração do Dilúvio (de Noach) e as pessoas de Sodoma tivessem feito Tzedacá,elas não teriam perecido”. O Midrash também ensina que a existência do mundo é baseada na prática da caridade: “Grande é a Tzedacá, pois desde o dia em que o mundo foi criado até o dia de hoje, o mundo se equilibra sobre Tzedacá” (Midrash Tana d´Vei Eliyahu Zuta 1).

O Talmud Bavli vai além e diz que a caridade é tão poderosa que pode reverter o decreto Celestial da morte – ou seja, pode prolongar a vida de uma pessoa. Pois está escrito:

“Rabi Yehudá costumava dizer: ‘Dez coisas fortes foram criadas no mundo. A pedra é dura, mas o ferro a corta. O ferro é duro, mas o fogo o amolece. O fogo é duro, mas a água o apaga. A água é forte, mas as nuvens a carregam. As nuvens são fortes, mas o vento as dispersa. O vento é forte, mas o corpo o suporta. O corpo é forte, mas o medo o esmaga. O medo é forte, mas o vinho o expulsa. O vinho é forte, mas o sono o dissipa. A morte é a mais forte de todos, e a caridade salva da morte, pois está escrito: ‘A Tzedacá livra da morte’” (Provérbios, 10:2).

Podemos concluir, com base nessa passagem talmúdica, que a coisa mais poderosa na Terra, mais poderosa mesmo que a morte, é a Tzedacá. Se a caridade é mais forte do que a morte, ela é certamente forte o bastante para anular os decretos Celestiais negativos.

O significado do arrependimento

Há uma passagem no Livro de Jeremias (2:35), na qual o profeta cita D’us como tendo dito: “Eis porém que te julgarei, porquanto afirmas: ‘Não pequei’”. Isso implica que o julgamento desfavorável dos Céus cairá sobre a negação dos pecados, não sobre os próprios pecados.

Se alguém deseja obter expiação por seus pecados, o primeiro passo necessário é admiti-los. Aquele que nega ou justifica seus delitos não pode arrepender-se e, portanto, torna-se muito difícil ser perdoado pelos mesmos. Para curar uma enfermidade, é preciso identificá-la e depois diagnosticá-la corretamente. Infelizmente, há muitos que se recusam a agir assim. Acreditam que podem estabelecer seus próprios padrões de moralidade. Tentam viver segundo suas próprias definições de bem e mal, sem recorrer à Revelação Divina. O que essas pessoas estão fazendo é seguir um curso mal sucedido, percorrido por geração após geração de filósofos. Após milhares de anos de experimentações, a própria Filosofia chegou à conclusão de que, a menos que seja revelado por algum Poder Superior, não existe nenhum padrão verdadeiramente objetivo do bem e do mal.

O Judaísmo, por outro lado, reconhece D’us como a autoridade suprema de toda a moralidade. O bem e o mal são definidos e determinados por D’us. Ao mesmo tempo, D’us, em Sua Onipotência, pode perdoar o pecado e erradicar qualquer transgressão cometida pela pessoa, pois a mesma Autoridade que declara o pecado de algo pode perdoá-lo. Se o pecado é uma enfermidade espiritual, o arrependimento é sua cura. Portanto, um dos ensinamentos fundamentais do Judaísmo é que quando uma pessoa se arrepende, seus pecados são perdoados. A Torá assim o declara: “...E voltares... para o Eterno e ouvires a Sua voz,... teu D’us aceitará teu arrependimento e Se compadecerá de ti...” (Deuteronômio, 30:2-3).

O arrependimento é eficaz mesmo quando se trata de pecados graves. Como ensinam nossos Sábios: “Nada pode se antepor ao arrependimento”. Ele é eficaz não importa quantas vezes a pessoa tenha pecado. Mesmo se a pessoa tenha vivido toda a vida negando e blasfemando contra D’us, ela pode ser perdoada.

O arrependimento é relevante para todos os seres humanos – até para os mais perversos e os mais justos. Como D’us criou o homem como uma criatura falível, com livre-escolha e livre-arbítrio, é inevitável que ele peque. Como está escrito: “Não há homem na face da Terra que seja tão justo que só faça o bem e não peque” (Eclesiastes, 7:20). Mas, para obter o perdão Divino, o arrependimento tem que ser genuíno; não apenas dizer algo que não se sente, nem fingir piedade. Arrependimento significa admitir as próprias fraquezas e erros e fazer tudo o que for necessário para repará-los. Em seu sentido mais correto, o arrependimento consiste de quatro elementos: mudar a forma de agir, arrepender-se sinceramente, confessar-se a D’us e tomar a decisão de não repetir o pecado.

Nossos Sábios ensinam que há dois tipos de pecados que a pessoa pode cometer. O primeiro é contra D’us. Quem desobedece às leis Divinas, por omissão ou comissão, comete um pecado – porque de alguma forma danificou a infraestrutura espiritual do universo (pecados de comissão) ou deixou de contribuir para aperfeiçoá-lo (pecados de omissão). O verdadeiro arrependimento é o remédio para quem não seguiu as leis de D’us. Mas, como ensinou o profeta Jeremias, para se achegar a D’us em arrependimento, é preciso primeiro admitir que se errou. Depois a pessoa tem que tentar melhorar – caminhar na direção certa. Não se espera que a pessoa se torne um Tzadik – um ser humano verdadeiramente justo – da noite para o dia. Mas se espera que a pessoa melhore – passo a passo, um dia de cada vez.

No entanto, há uma segunda categoria de pecados, geralmente muito mais sérios – aqueles que são cometidos contra outros seres humanos. D’us não perdoa uma pessoa por esse tipo de pecado até que aquele contra quem o pecado foi feito verdadeiramente perdoe o pecador. Quando alguém peca contra outro ser humano, nenhuma oração, nenhum jejum, nem mesmo em Yom Kipur, pode servir de expiação. O que é necessário fazer é desculpar-se com a pessoa que foi prejudicada ou injuriada e fazer todas as reparações necessárias. Somente depois de tê-lo feito, pode-se pedir perdão a D’us por ter pecado contra um de Seus filhos.

Apesar dos passos iniciais do arrependimento consistirem em se afastar do pecado, aproximando-se do remorso e da confissão, uma forma mais elevada de arrependimento envolve praticar boas ações. Na verdade, as três coisas que anulam um decreto Celestial negativo – oração, caridade e arrependimento – são interligadas: uma parte essencial do arrependimento mais elevado é a oração, a caridade e os atos de bondade com os demais, bem como o estudo da Torá. Como está escrito: “Pela bondade (caridade) e pela verdade (Torá) é expiada a iniquidade” (Provérbios, 16:6).

O arrependimento é tão poderoso que é uma das coisas principais que pode romper as barreiras que impedem a Redenção Messiânica. O profeta nos diz: “E virá um redentor a Tsión, a todos que se arrependerem das transgressões de Yaacov – diz o Eterno” (Isaías, 59:20). Há uma tradição que conta que se cada judeu se arrependesse e se voltasse a D’us por apenas um dia, a Redenção Messiânica ocorreria imediatamente. A Torá assim diz: “E se voltares – tu e teus filhos – para o Eterno, teu D’us, e ouvires a sua voz, seguindo tudo o que eu te ordeno hoje..., D’us se compadecerá de ti e te fará voltar, juntando-te dentre todas as nações para onde o Eterno, teu D’us, te espalhou (Deuteronômio, 30:2-3).

Os Dez Dias de Arrependimento

Tefilá, Tzedacá e Teshuvásão três pilares do Judaísmo que cada judeu deve se empenhar em praticar durante todo o ano. Somos instruídos a orar diariamente, preferivelmente três vezes ao dia - Shacharit (a oração da manhã), Minchá (a oração da tarde) e Arvit (a oração da noite). A prática de caridade é um mandamento que deve ser realizado diariamente, exceto nos dias em que não podemos manusear dinheiro - Shabat e Yom Tov. Quanto ao arrependimento – a retificação das transgressões e o esforço em melhorar a nossa espiritualidade –, deveria ser uma preocupação diária de todo judeu. Rabi Eliezer, um dos maiores Sábios do Talmud, que, como mencionamos acima, fazia caridade antes de rezar, costumava dizer: “Arrependa-se na véspera de morrer”. Quando seus alunos lhe perguntaram como era possível saber o dia de nossa morte com antecedência, ele respondeu que era por isso que devíamos nos arrepender diariamente.

Apesar de podermos e devermos sempre nos arrepender de nossos erros, D’us determinou que os dez dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur fossem os Asseret Yemei Teshuvá – os Dez Dias de Arrependimento. Portanto, é costume dizer preces de arrependimento durante esse período, ser ainda mais generosos na caridade que fazemos habitualmente e ser mais rígidos em nosso cumprimento da ética e da religião. Os Dez Dias de Arrependimento se iniciam em Rosh Hashaná, cujo principal mandamento é ouvir o som do Shofar. Um dos simbolismos do Shofar é servir para despertar os corações das pessoas para D’us. Pois assim falou o profeta: “Será ouvido em uma cidade o som do Shofar sem que estremeçam seus moradores?” (Amós 3:6). Do mesmo modo, Yom Kipur, que conclui os Dez Dias de Arrependimento, é o dia mais auspicioso do ano para um judeu se arrepender.

O chamado ao arrependimento foi uma das missões mais importantes de todos os profetas. Junto com a oração e a caridade, o arrependimento pode banir qualquer decreto maligno que possa ter sido decretado sobre um indivíduo ou uma comunidade. Como a oração e a caridade, o arrependimento tem o poder de interceder por uma pessoa, protegendo-a do mal e mesmo prolongando sua vida. Assim sendo, durante os Asseret Yemei Teshuvá, cabe a cada um de nós fortalecer-se no cumprimento das três coisas que anulam os decretos Celestiais negativos. Fazendo-o, poderemos melhor atrair as bênçãos Divinas para o ano vindouro – para nós e nossas famílias, para o Povo Judeu e para toda a humanidade.

Bibliografia
Talmud Yerushalmi - Artscroll Mesorah
Rabenu Shmuel Yafeh, Sefer Yafeh Mareh
Rabi Aryeh Kaplan, Handbook of Jewish Thought - Moznaim Publishing Corporation