Muitas pessoas perguntam qual é a essência do Judaísmo. A resposta é que o fundamento do Judaísmo – e, de fato, de qualquer religião – é o princípio de que a existência tem um propósito e o homem e a mulher têm um objetivo na vida. Os seres humanos e o mundo em que habitamos têm significado porque foram criados com um propósito maior por um ser superior a quem chamamos de D’us.
Rosh Hashaná marca a data em que D’us criou o primeiro ser humano. O Ano Novo Judaico é, portanto, o aniversário da humanidade. A razão pela qual Rosh Hashaná comemora a criação do homem, e não a do mundo, é porque o homem é o centro do universo. Conta-se a história de um herege que desafiou certo pensador com o argumento: “Astronomicamente falando, o que é o homem? Uma partícula infinitesimal no vasto cosmos!” Ao que o pensador respondeu: “Astronomicamente falando, o homem é o astrônomo!”
Todo ser humano tem uma missão a cumprir na vida. Nossas almas não vieram de tão longe a este mundo por razões fúteis. E, assim, nenhum de nós pode escapar de sua missão e responsabilidade pessoal. A Torá ensina que D’us criou apenas um homem para nos ensinar que todo ser humano é um mundo em si. O Talmud afirma que quem salva uma vida, salva o mundo inteiro. Todo ser humano é um microcosmo de todo o universo. Há quase oito bilhões de pessoas habitando este planeta, mas como D’us é Infinito, Ele tem uma quantidade infinita de pontos centrais. Todo ser humano está, portanto, no centro da Criação. Ninguém neste mundo desempenha um papel secundário. A escolha que todos nós podemos fazer, ao empregar nosso livre arbítrio, é decidir se exerceremos o papel de protagonistas ou de antagonistas: se seremos uma força do bem ou do mal no mundo. No entanto, a escolha por desempenhar um papel irrelevante, não é uma opção. A humildade, seja genuína ou falsa, não pode ser uma desculpa para o ser humano fugir da missão que D’us lhe incumbiu.
Está escrito no Pirkei Avot – um livro sagrado de sabedoria e ética judaica: “(Rabi Tarfon) costumava dizer: ‘Não cabe a você completar o trabalho, mas você não é livre para desistir dele’ ” (Avot 2:16). Em outras palavras, é o Mashiach quem vai consertar o mundo – trazê-lo a um estado de perfeição – mas cabe a cada um de nós fazer a sua parte para tornar o mundo melhor.
O Judaísmo ensina que a solução para consertar o mundo é viver adequadamente como indivíduo, porque cada um de nós é muito mais poderoso e influente do que imagina. Os seres humanos não enxergam suas fraquezas, mas também raramente conseguem identificar seus pontos fortes. A maioria de nós usa muito pouco do nosso cérebro, não faz o uso máximo de nossos talentos e habilidades e desperdiça muitas horas do dia – todos os dias. Se vivêssemos uma vida mais significativa e focada e fizéssemos melhor uso do nosso tempo, seríamos capazes de realizar muito mais. E se melhorarmos a nós mesmos, ajudaremos a melhorar o mundo. Pois quando um indivíduo melhora – quando ele vive uma vida proativa e positiva –, ele beneficia não apenas a si mesmo, mas também a sua família e a sua comunidade e, consequentemente, o mundo. Mas para viver adequadamente como indivíduo, o homem precisa viver uma vida imbuída de significado e propósito.
Um ensinamento fundamental do Judaísmo é que viver uma vida verdadeiramente significativa quer dizer almejar o ápice do bem e do positivo e não medir esforços para alcançá-los. Se toda pessoa almejasse nada menos do que isso, ela transformaria completamente sua vida, e o bem que alcançaria se manifestaria no mundo. E o resultado disso é que o mundo não teria todos os problemas terríveis que tem – ou, pelo menos, teria muito menos problemas. O Judaísmo ensina que a resposta aos problemas da humanidade é a integridade do indivíduo. Se os indivíduos vivessem com integridade, a sociedade humana seria muito mais justa, pacífica e próspera. As nações que se baseiam nesse princípio – de que cada ser humano é um mundo em si – são saudáveis e bem-sucedidas, ao passo que aquelas que menosprezam o valor do indivíduo e valorizam apenas a coletividade, estão condenadas à estagnação e ao colapso.
O conceito de responsabilidade individual é um dos principais temas de Rosh Hashaná. Uma das ideias centrais da liturgia do Ano Novo Judaico é o conceito de que, nesse dia, “toda a humanidade passa diante de Ti como membros do rebanho. Assim como o pastor apascenta seu rebanho, fazendo passar ovelhas sob seu cajado, Tu farás passar, contarás, calcularás e considerarás a alma de todos os seres vivos”. Essa metáfora - de ovelhas passando individualmente sob o cajado do pastor – transmite a ideia de que, em Rosh Hashaná, D’us examina a vida de cada pessoa individualmente. O Julgamento Celestial que ocorre no Ano Novo Judaico não é coletivo, mas individual. Isso significa que todo ser humano deve assumir a responsabilidade por sua vida. Ele não pode camuflar-se de D’us, tentando esconder-se atrás de sua comunidade ou do mundo em geral. É impossível se esconder de D’us. Pois existe “um Olho que vê, um Ouvido que ouve, e todos os seus atos são registrados em um Livro” (Avot 2:1), e, em Rosh Hashaná, esse Livro é aberto e a Corte Celestial analisa absolutamente tudo o que nele foi registrado, ou seja, todos os atos de todos os seres humanos.
As pessoas costumam perguntar: por que Rosh Hashaná – o Dia do Julgamento – precede Yom Kipur – o Dia da Expiação? Não seria preferível que o homem fosse perdoado por seus pecados e só então fosse julgado? Uma das respostas a essa pergunta é que seria insensato e improdutivo lidar com problemas específicos antes de abordar os assuntos maiores. Antes de se arrepender por erros e transgressões específicas – que é o que se faz em Yom Kipur – o homem deve repensar sua vida. E mesmo que avalie que tudo esteja indo bem, não seria possível viver uma vida incomparavelmente mais positiva? Com efeito, como seria nossa vida se abandonássemos os maus hábitos, as decisões imprudentes e precipitadas e os sentimentos negativos – medo, inveja, ressentimento e raiva -, os vícios e hábitos autodestrutivos, a perda de tempo, a preguiça e procrastinação: tudo o que nos desvia do caminho do bem, da nobreza, da produtividade e da felicidade? O que aconteceria se o caminho escolhido por cada ser humano fosse o da sabedoria, da produtividade, da verdade e honestidade, da bondade, generosidade e nobreza, e ele estivesse disposto a fazer todos os sacrifícios necessários para trilhá-lo? Evidentemente isso requer muita força interior, empenho e coragem. Pois não é fácil assumir total responsabilidade pela própria vida. Mas a decisão consciente de andar na luz todos os dias de nossa vida nos transformaria em seres humanos extraordinários. E se o mundo tivesse mais seres humanos extraordinários, ele se encontraria em um estado muito melhor do que se encontra hoje.
Quer percebamos ou não, cada um de nós é muito mais influente do que imagina. Estima-se que, ao longo da vida, toda pessoa entrará em contato e influenciará, em maior ou menor grau, cerca de 1 mil pessoas; e essas pessoas influenciarão outras 1 mil. E, portanto, cada um de nós pode afetar, ao longo de nossa vida, um milhão ou mais de pessoas. Portanto, devemos estar sempre atentos ao que dizemos e como agimos, pois nossas palavras e atos podem influenciar um enorme número de pessoas – muito além do que podemos imaginar.
Há um famoso ensinamento no Pirkei Avot que afirma que o homem não deve fazer distinções entre os mandamentos de D’us, pois está além do nosso alcance determinar quais deles são mais ou menos importantes (Avot 2:1). O corolário desse ensinamento é que nunca devemos dar pouca importância a qualquer um de nossos atos, pois não conseguimos prever como qualquer um deles afetará o mundo. Um simples ato de bondade pode ter um efeito multiplicador tremendo e beneficiar inúmeras pessoas; por outro lado, uma ação negativa que pode nos parecer sem importância pode ser como uma pequena chama que se torna um grande incêndio e queima uma floresta inteira. A Torá, portanto, nos adverte para estarmos extremamente atentos a cada palavra que sai de nossa boca e a cada ação que realizamos.
O ensinamento central do Judaísmo é, portanto, o princípio de que tudo o que fazemos na vida é altamente significativo. A Torá constitui a antítese do niilismo – a crença de que todos os valores não têm base e que a vida não tem sentido. O Judaísmo ensina que mesmo o ato mais mundano realizado em um dia qualquer é profundamente significativo e pode ter efeitos de longo alcance que estão muito além da nossa imaginação. Portanto, no Judaísmo, não existe o conceito de mais ou menos importante. Tudo é importante e tudo é significativo: uma oração, uma bênção, uma moeda dada para Tsedacá, uma única Mitzvá, uma aula de Torá, um sorriso, uma boa palavra. Por outro lado, como nos conta o Talmud, a humilhação pública de um homem foi o que levou à destruição de Jerusalém, à queda do Templo Sagrado e ao exílio de nosso povo, que resultou em tanto sofrimento para inúmeros judeus, ao longo das gerações.
Os dois dias de Rosh Hashaná são os mais auspiciosos do ano para se fazer uma autoanálise honesta. São dias para se tomar boas resoluções – não juramentos, que a Torá nos desaconselha a fazer -, mas decisões positivas sobre o futuro. Em Rosh Hashaná, D’us nos conclama a refletir sobre nossa missão no mundo e quão bem a estamos cumprindo. Rosh Hashaná é uma oportunidade para se conceber grandes sonhos e visões – compartilhá-los com D’us – e comprometer-nos a realizá-los. O Todo Poderoso estará mais inclinado a nos conceder mais um ano de vida e de bênçãos se compartilharmos com Ele uma visão gloriosa para o nosso futuro. Rosh Hashaná, e não Yom Kipur, marca o início dos Dez Dias de Teshuvá porque o retorno ao caminho correto exige que vejamos nosso mundo e nossa vida como um todo, antes de lidar com problemas específicos. É inútil remover obstáculos de um caminho que nem se deveria estar trilhando. Antes de mais nada, precisamos verificar se estamos no caminho certo.
Os dois dias de Rosh Hashaná constituem a oportunidade mais auspiciosa do ano para se começar uma vida nova. O Ano Novo Judaico dá a todo ser humano a oportunidade de virar uma nova página em sua vida e direcioná-la para poder alcançar o maior bem possível de ser alcançado pelo homem. Visto que cada ser humano é um mundo em si, ao retificar sua vida, ele assim retifica o mundo todo.