Será que após ter criado o mundo, D-us Se recolheu e, desde então, apenas se preocupa com as linhas gerais do funcionamento do Cosmo? Alguns se perguntam: estaria D-us verdadeiramente envolvido com minha vida, com os detalhes do meu cotidiano? Será que Ele realmente ouviu minha prece, esta manhã?
Podemos considerar tais questionamentos simples desculpas para uma falta de comprometimento religioso, uma racionalização para que cada um faça o que mais lhe convém. Mas, com freqüência, este tipo de auto-questionamento é uma busca da Verdade que advém de um sentimento de humildade pessoal. Nos sentimos tão infinitamente pequenos perto de D'us que não conseguimos entender por que Ele deveria dirigir sua atenção a nós. Por que D'us, deveria se preocupar com minhas alegrias e necessidades, meus atos de bondade e meus erros, meus anseios e minhas preces? Afinal, bilhões de outras pessoas habitam esta Terra e, mesmo o nosso planeta, quando comparado com o resto do Universo, nada mais é do que um grão de areia em um vasto deserto.
Esta pergunta deveria ser feita por qualquer um que procura por D'us, qualquer que seja a sua religião. Pois, a bem da verdade, é fácil crer que D'us tenha assuntos bem mais importantes do que se "envolver" em nosso cotidiano. No mundo em que vivemos, quanto mais importante a pessoa, menos acessível é. Por exemplo, é muito difícil ter um encontro com o presidente de uma nação, que, via de regra, está sempre muito ocupado pelos assuntos de grande importância de seu país. Ele não sabe o que ocorre na vida pessoal de cada cidadão. Ainda que tenha a melhor das intenções, o máximo que conseguiria seria adotar medidas que beneficiassem a população toda ou segmentos desta, mas, jamais, as necessidades individuais de cada pessoa. Ele não tem sequer tempo de ler, que dirá de responder as cartas que lhe são endereçadas. Certamente, os presidentes encontram tempo para receber personalidades de destaque, mas raramente estarão disponíveis para o homem comum.
Poder-se-ia, então, fazer um paralelo: se isto é válido para o governante de uma nação, certamente o é, também, para o Senhor do Universo. Afinal das contas, D'us tem todo o universo sob Sua Guarda. Aqui cabe perguntar: "que chances tenho de ser ouvido por D'us?". Como muitos de nós nunca obtêm uma resposta satisfatória a tal pergunta, nosso comprometimento religioso fica aquém do que poderia ser. Rezamos com freqüência, sem realmente saber se nossas palavras estão sendo ouvidas ou se existe alguma chance de serem atendidas. E quando agimos mal, quando fazemos algo que nos possa envergonhar, apavora-nos a idéia de sermos vistos pelos outros - mas não por D'us.
Há pessoas, teólogos até, que alegam que D'us é tão grandioso que é inacessível a todos - exceto a um grupo seleto de pessoas; e, por isso, estão convencidas que, com esta atitude, demonstram seu grande respeito pelo Senhor do Universo. Julgam-se mais ligados a D'us do que a maioria dos comuns mortais que "incomodam" o Todo Poderoso com seus pedidos triviais. Mas, por mais irônico que possa ser, são aqueles que não pedem a D'us por "trivialidades" os que, de fato, diminuem Sua Honra - pelo fato de reduzirem a Onipotência Divina à sua própria medida humana. Em sua mente, "criaram" um D'us que é um presidente - não de um país, mas de todo o Universo - um "presidente" com poderes extraordinários, mas que nada mais é do que um ser humano engrandecido. Usam a analogia da expressão "D'us, nosso Rei" ao pé da letra. Essa figura de linguagem usada pela Torá e por nossos sábios - que tem o propósito único de nos fazer melhor entender a D'us - é erroneamente interpretada, dando origem a uma série de mal-entendidos teológicos.
Podemos encarar o fato de alguém não ter tempo para se dedicar a terceiros como um sinal de importância, poder. Mas, na realidade, o presidente de uma nação é inacessível praticamente a todos devido a suas limitações humanas. Todo homem é um ser limitado por restrições de tempo, espaço, energia e recursos; com uma mente limitada quanto ao que consegue aprender e apreender. E são essas restrições e limitações humanas - e não a proeminência - o que leva o chefe de uma nação a apenas lidar com os problemas do âmbito macro de seu país e seu povo, delegando os de menor importância a ministros e assessores.
D'us, no entanto, é Infinito - e este conceito de infinidade se aplica única e exclusivamente a Ele. Atualmente, os cientistas já sabem que o universo, a despeito de sua vastidão, é finito. Assim sendo, quando se fala em infinito, quer se tenha consciência disto quer não, está-se falando de D'us. Em linguagem cabalística, D'us é o Ein Sof - Aquele que não tem fim.
O conceito do infinito é fascinante, mas de difícil compreensão. Podemos estudá-lo, aplicá-lo à Matemática, mas a mente humana, com suas limitações, não tem como verdadeiramente abarcar a noção de algo que nunca chega ao fim, que não é restrito nem mensurável. E, por ser Infinito, D'us é Onipresente - está em todas as partes, todo o tempo.
Ele está tão presente na galáxia mais distante quanto em nossos próprios lares e locais de trabalho. Uma das definições do infinito é que não há limitação para o número de detalhes que pode conter. Ademais, uma noção básica da Matemática é que, quando comparado ao infinito, qualquer número é zero e todos as demais dimensões, sejam grandes ou pequenas, são idênticas. Se aplicarmos este conceito matemático para tentar entender D'us, Infinito, isto significa que, para Ele, tudo que existe no Universo é igualmente significante ou insignificante. Aos olhos de D'us, uma galáxia e um elétron possuem a mesma magnitude. Para o Eterno, o movimento dos planetas, os louvores dos Anjos e a oração de uma criança têm igual importância e recebem a mesma atenção. Esta idéia de que D'us se importa, de forma eqüânime, com tudo em Seu universo, é ressaltada na oração de Mussaf de Rosh Hashaná, quando declaramos que D'us "é Imutável e trata pequenos e grandes de igual maneira".
É apenas o ato de tentar "reduzir" D'us a uma "dimensão compreensível" por nossa mente, limitada e humana, o que nos leva a acreditar que haja coisas mais importantes que outras, que haja pessoas com valor maior que outras. Perante o Olhar Divino, no entanto, tais diferenças não existem - e é por esta razão que os sábios de nosso povo nos alertam para o perigo da comparação entre as boas ações. Nunca podemos ter certeza do mérito de qualquer um de nossos atos. Por idêntico motivo, é-nos proibido cometer o menor dos pecados que seja, pois jamais saberemos a gravidade atribuída por D'us a qualquer de nossos atos ilícitos.
A idéia de que D'us é transcendental - acima de Sua Criação - e, ao mesmo tempo, iminente - próximo a tudo o que Ele criou - está expressa no capítulo 113 dos Salmos, que diz... "Muito acima de todas as nações está o Eterno; e a Sua glória, acima dos Céus. Quem é como o Eterno, nosso D'us, que habita nas alturas mas Se inclina para ver o que se passa no céu e na terra?" A verdadeira Grandeza Divina, ensina o Salmo, é que D'us está distante e próximo a um só tempo, que Ele está tão presente tanto nas maiores alturas espirituais quanto nas maiores profundezas terrenas.
Afirmar que D'us está nas Alturas e não em nosso mundo terreno, mundano, é dizer que D'us está "limitado" ao mundo espiritual, enquanto nós, que habitamos neste mundo físico, podemos agir como bem o entendermos.
O Midrash faz uma pergunta: "Por que teria D'us criado o mundo?" Ao que responde: "Ele queria fazer Sua morada no mundo físico". O Zohar faz eco a este ensinamento, afirmando que o mundo foi criado "para que houvesse criaturas que conhecessem D'us, em todas as medidas pelas quais Ele comanda este Seu mundo, com bondade e com julgamento, de acordo com os atos dos homens. Pois se a Sua luz não atingisse cada uma de Suas criaturas, de que maneira Ele se faria conhecer? De que maneira se cumpriria a realidade de que ´Toda a terra está cheia de Sua glória'?"
O que o Midrash e o Zohar tentam ensinar é que a infinitude de D'us só pode ser propriamente reconhecida se nós pudermos nos aproximar Dele e com ele nos relacionar. Se D'us puder ser encontrado em nosso cotidiano, em cada ato nosso, então poderemos dizer, de fato, que todo o Universo está cheio de Sua Glória e que não há lugar algum despido de Sua Presença Infinita.
Por outro lado, acreditar que D'us é por demais importante e por demais Sagrado para pertencer a este nosso mundo é, por assim dizer, exilá-Lo do mundo onde Ele mais deseja habitar. Alegar que D'us não tem lugar neste mundo físico - que nossos atos não Lhe têm relevância alguma - equivale a expulsar a Shechiná - Sua Presença Revelada - do lugar onde Ele deseja pairar. Equivale a sabotar o propósito em si da Criação.
Rosh Hashaná, o dia em que D'us julga todas as Suas criaturas, serve para nos lembrar que Ele está em toda a parte, que Seu olhar está sempre voltado para nós e que somos responsáveis por todas as nossas ações e palavras.
Somos criaturas pequenas e frágeis que passam pela vida tentando determinar o que tem mais ou menos importância. Mas essas distinções inexistem para D'us.
Nada Lhe é insignificante - venha do bem ou venha do mal. Nada é tão ínfimo que Lhe passe desapercebido. Uma palavra gentil dita a um amigo; uma bênção ou um Salmo recitado; uma visita a um doente - tudo isto é observado e registrado no Tribunal Celestial. Acreditar que alguma ação nossa possa escapar de D'us é tolice; é a negação da Realidade como escreveu Maimônides; é este é o tipo de raciocínio que originou a idolatria.
O culto aos ídolos surgiu quando as pessoas começaram a crer que D'us está distante e que seria falta de respeito incomodá-Lo com pedidos. A solução era "encaminhar" súplicas por meio dos "ministros e secretários" de D'us - as estrelas e os planetas. A idolatria se iniciou e ainda persiste porque há muitos que se convenceram de que o Eterno é um Ser distante e inacessível.
No judaísmo a idolatria é um pecado cardeal por ser uma rejeição a D'us. Todo ser humano - não importa a sua religião - pode e deve estabelecer uma relação direta com Ele. Podemos pedir que outros nos abençoem, rezem por nós e até intercedam perante o Todo Poderoso, em nosso favor, com suas orações. Mas nossos corações e nossas preces somente se podem direcionar à Origem de Tudo. Afirmar que D'us está muito distante ou inacessível para nos ouvir nada mais é do que negar Sua existência: é tornar finito o Infinito. Rei do Universo, Pai da Humanidade.
"Para o judeu", escreveu Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de Literatura, "D'us é uma obsessão, uma mania. Para o judeu, a idéia de que D'us é bom e justo é a essência da vida. Queira ou não, um judeu tem sempre contas para acertar com o Todo Poderoso: ele pode louvá-Lo ou blasfemá-Lo; amá-Lo ou odiá-Lo - mas nunca se verá livre do Eterno".
Assim como qualquer judeu, todos os homens são obcecados por D'us, pois Ele é a Fonte de Tudo. Para muitos, a conscientização de que ninguém jamais consegue escapar a D'us, nem neste mundo nem no vindouro - pode ser perturbadora, pois, de modo geral, o ser humano não gosta de ser responsabilizado por seus atos. Mas, por outro lado, é reconfortante saber que jamais estamos sós - saber que há um ativo Participante, que até pode esconder a Sua Presença, mas que continua sempre presente, em todas as partes, sempre envolvido em nosso cotidiano.
Vimos, acima, que D'us quer ter parte primordial em nossa vida. Como explica o Midrash: o Rei construiu um palácio para Si e foi então que "percebeu" que um rei sem súditos não é, de fato, rei. No entanto, há uma razão adicional para o fato de D'us estar envolvido com todos os detalhes de nossa vida. Quando Ele criou o mundo físico, quis partilhar a Sua Essência com o homem - é a isto que chamamos de "alma". Em nosso interior brilha uma partícula Divina. É por este motivo que a Torá sempre nos lembra que D'us não apenas é nosso Rei, mas é também nosso Pai. E qualquer bom pai tem consciência de que ainda que seja poderoso, ainda que reine sobre impérios sem fim, sua riqueza mais valiosa e importante sempre serão seus filhos. Um bom pai se orgulha das conquistas de cada um dos filhos, se desaponta e se entristece quando um deles trilha pelo caminho errado, mas jamais deixará de amar e de ter seu pensamento constante em cada um dos filhos. Se isto vale para um pai de carne e osso, certamente vale para um D'us Infinito, cujo Amor e Misericórdia também são infinitos.
Rosh Hashaná, apesar de se constituir de dias de julgamento, é uma festividade de júbilo, pois inicia o período que visa colocar-nos mais próximos d'Aquele que - como canta a liturgia do dia - é nosso Rei e nosso Pai. Isto se aplica a todos nós, mesmo àqueles que crêem que D'us nem quer saber deles. Como ensinam nossos sábios, o Mestre do Universo está sempre ansioso para acolher todos os Seus filhos, mesmo aqueles que Dele se consideram afastados. Há um Midrash no qual Rabi Meir faz a seguinte analogia: "Com o que se pode comparar a questão do arrependimento? Com o filho de um rei que se desencaminhou para os caminhos do mal. O rei envia um tutor para trazer o filho de volta. Mas este diz: 'Que cara tenho eu para retornar à presença de meu pai? Diante dele me sinto envergonhado'. Mas o Rei não desiste, mandando-lhe dizer: 'Como pode um filho ter vergonha de voltar a seu pai?" (Devarim Rabá, Vaetchanan 2:24).
Em Rosh Hashaná, D'us, Rei do Universo, pode parecer-nos um Juiz severo, exigente; no entanto, Ele aguarda, a todo tempo, o momento em que a Ele nos voltemos, como nosso Pai Celestial. O grande Mestre chassídico, Rabi Pinchas, de Koretz, foi além: "D'us não apenas é o Rei do Universo e Pai de nosso povo. D'us é, acima de tudo, nosso Amigo".
Um alerta...
Esboçamos acima algumas idéias acerca de D'us. Usamos analogias muito embora saibamos que podem ser distorcidas e mal interpretadas. Assim sendo, antes de concluir, cabe-nos uma palavra de alerta: temos que ter muito claro em nossa mente que D'us é Infinito e que nós, que somos limitados, jamais poderemos verdadeiramente entendê-Lo.
Como ensinava o Rabi Shneur Zalman de Liadi, assim como uma simples mão física não consegue capturar um pensamento, tampouco pode nossa mente capturar D'us. Portanto, ser algum pode enxergar D'us em toda a sua Glória - pois ainda que conseguíssemos perceber, de forma explícita, uma Força Infinita, não haveria espaço, neste nosso mundo finito, para contê-La.
"Se O visse em sonhos", escreveu o sábio e poeta, Rabi Yehudá HaLevy, "eu continuaria dormindo para todo o sempre". Não podemos contemplar o Infinito com nossos olhos, nem entender totalmente os Seus Caminhos. Mas podemos - e devemos - estabelecer uma conexão com Ele, a toda hora, em todo lugar, em todos os dias de nossa vida. Podemos invocar D'us em todos os momentos, sabedores de que Ele sempre está por perto. Podemos apreender sobre Ele estudando Sua Torá. E podemos nos ligar a Ele cumprindo aquilo que Ele pediu e, se possível, fazendo-o com reverência e amor.
Assim como o Zohar coloca, de forma tão sublime: "Pensamento algum O pode capturar. No entanto, Ele é capturado nas profundezas do coração humano..."