Um dos maiores sábios de sua geração, vivenciou as mudanças pelas quais passou o Povo Judeu no início do século 20. Gênio talmúdico, cabalista, autoridade em Halachá, líder comunitário, foi também um poeta e pensador extraordinário, cujas idéias continuam a servir de base para o movimento sionista religioso.
Rabi Avraham Isaac HaCohen Kook ou Rav Kook (1865-1935), como era simplesmente chamado, foi uma lenda. Essencialmente um místico, com um interesse genuíno no ser humano e nos problemas do dia-a-dia, Rabi Kook conseguia conciliar de forma harmoniosa os conceitos cabalísticos e as realidades mundanas do cotidiano. Ele afirmava que "o sagrado e o profano, juntos, influenciam o espírito do homem, e este se enriquece ao absorver de cada um deles o que é mais apropriado". Ele acreditava na união espiritual da vida; queria que todo judeu percebesse que a Torá não é distante do fluxo da vida cotidiana e o mundo é um lugar que precisa ser melhorado, não negligenciado.
O grande amor que nutria por D'us e pelo povo que Ele escolheu - por todo e qualquer judeu, independente de ideologia ou do modo de vida - fez com que dedicasse sua vida a aproximar os judeus do Eterno e a incutir a mensagem de união. Procurava aproximar as diferentes facções, repetindo, sem cansar, que "é melhor padecer de amor gratuito do que de ódio gratuito". Certa vez, citou o dito rabínico de que se deve abraçar com o braço direito e afastar com o esquerdo, afirmando que era capaz de rejeitar, mas como já havia muitos judeus que rejeitavam seus irmãos, desempenhava a função daquele que abraça e aproxima.
O pensamento de Rav Kook abrangia os mais diversos assuntos de forma brilhante, sendo necessárias centenas de páginas para tentar expor seu legado. Uma de suas maiores contribuições, no entanto, foi ter dado significado às profundas mudanças que o Povo Judeu vivenciava no início do século 20. Ele acreditava que os judeus da era contemporânea tinham um papel fundamental nos desdobramentos da história judaica. "Nossa geração é maravilhosa", escreveu. "Consiste de opostos; escuridão e luz coexistem na confusão". Se, de um lado, havia um declínio religioso, uma assimilação corrosiva, de outro havia um surpreendente renascimento nacional. Para ele, o regresso dos judeus a Eretz Israel, à nossa Pátria ancestral, não era apenas um acontecimento político para salvar os judeus da perseguição. Era um evento de extraordinária importância em termos históricos, teológicos e espirituais. Rav Kook acreditava ainda que a história judaica adentrava uma nova era que incluiria a redenção espiritual e material e que o Povo Judeu lideraria um renascimento espiritual universal.
A vida na Europa
Avraham Isaac nasceu no dia 15 de Elul de 1865, em Griva, na época parte da Rússia czarista. Era o mais velho dos sete filhos de Rabi Shlomo Zalman HaCohen Kook e Pere-Slata. Tanto em sua família materna como paterna havia rabinos das duas correntes do judaísmo europeu: Chassidim e Mitnagdim1. Sua mãe era filha de um dos primeiros seguidores de Rabi Menachem Mendel de Lubavitch, o Tzemach Tzedek, o terceiro Lubavitcher Rebe. Seu pai, Rabi Shlomo Zalman, renomado por sua erudição, estudara na famosa ieshivá de Volozhin, a "mãe" das ieshivot lituanas.
Até completar 13 anos, o jovem Avraham Isaac estudou com o pai, adquirindo uma extensa educação talmúdica, e um profundo amor pela Terra de Israel e pela língua hebraica. Considerado desde cedo um ilui, uma criança prodígio, possuía uma mente privilegiada, dotada de uma extraordinária memória. Contudo, seu maior dom era a habilidade de rapidamente assimilar e compreender os mais difíceis e variados conceitos.
Nos oito anos após seu bar mitzvá, viajou para diversos lugares, onde estudou com grandes rabinos, absorvendo de cada um deles diferentes facetas do judaísmo. Para ele, estudar os textos sagrados era, acima de tudo, um ato de devoção a D'us.
Em 1884, Avraham Isaac entrou na ieshivá de Volozhin - fundada por Rabi Chaim Volozhin, um aluno do Gaon de Vilna - onde permaneceu durante 18 meses.
A ieshivá era liderada pelo Rabi Naftali Zvi Yehudá Berlin, alcunhado o "Netziv"(o "pilar"), um dos maiores eruditos de seu tempo. Rapidamente se tornou o aluno preferido do Netziv. Durante o tempo em que permaneceu na ieshivá, Rav Kook não se limitou aos estudos talmúdicos, aprofundando-se, também, no estudo da Cabalá, e filosofia judaica e língua hebraica. As idéias do Netziv sobre a volta dos judeus para Eretz Israel o influenciaram profundamente. Rabi Naftali era um dos poucos líderes no mundo da Torá a apoiar o retorno dos judeus à Terra de Israel e os Chovevei Tzion, Amantes de Tzion, movimento considerado o precursor do sionismo moderno.
Em 1886, ele se casa com Batsheva, filha de Rabi Eliyahu David Rabinowtiz-Teomim, o Aderet, rabino de Ponevetz, que, anos mais tarde, tornar-se-ia Rabino-chefe de Jerusalém. No ano seguinte, com apenas 23 anos, assume o posto de rabino da cidade lituana de Zeimel.
As divisões e disputas entre as diferentes facções da comunidade judaica da Europa - Chassidim, Mitnagdim, Maskilim e Chovevei Tzion - perturbavam Rav Kook. Ele acreditava que os conflitos no seio de nosso povo eram a causa do sofrimento judaico. Por isso, passa a falar e escrever sobre a responsabilidade de cada judeu em relação à Nação Judaica como um todo.
No ano de 1888, sua esposa Batsheva falece e seu sogro o convence a se casar novamente. E ele se casa com Raize-Rivka, filha do irmão gêmeo do ex-sogro. Ela lhe dá seu único filho homem, Rabi Tzvi Yehudá. Em 1895, se torna Rabino de Bausk, onde permaneceu até emigrar para Eretz Israel, em 1904.
Já famoso como profundo conhecedor da Halachá, a Lei Judaica, Rav Kook não parava de expandir seu conhecimento nas mais diversas esferas espirituais e culturais. Aprofundou-se ainda mais nos ensinamentos chassídicos, no estudo da Cabalá e nas obras dos filósofos judeus medievais. Estudou, também, as obras dos grandes pensadores do século 19, a filosofia alemã e a moderna literatura hebraica.
Em Bausk, publica seu primeiro artigo sobre o sionismo, no qual declara que o movimento era um fator legítimo para fazer reviver o nacionalismo judaico. Escreveu outros dois artigos sobre nacionalismo e as polêmicas entre rabinos e sionistas laicos. Nos seus textos já se viam as idéias que ele iria desenvolver quando já estivesse radicado na Terra de Israel. Tendo sido convidado para se tornar Rabino-chefe da cidade de Yaffo, Rav Kook decidiu partir para Eretz Israel, apesar dos insistentes pedidos da comunidade de Bausk para não os deixar. Era a realização de seu tão acalentado sonho de viver na Terra Santa.
A chegada a Eretz Israel
Em 1904, aos 39 anos de idade, Rav Kook e sua família deixam a Europa rumo a Eretz Israel, na época sob domínio do Império Otomano. Chegam a Yaffo no dia 28 de Iyar. Curiosamente, 63 anos depois, em 1967, nessa mesma data, Jerusalém foi reconquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias.
Ele é recebido com grande entusiasmo pelos judeus de Yaffo e por inúmeros shlichim e representantes das mais diferentes comunidades judaicas, vindos de todo Eretz Israel. Seu renome e erudição o precediam e sua personalidade carismática de pronto conquistou a todos. Ao pronunciar seu primeiro discurso em hebraico fluente, sefaradim e sionistas o aplaudiram com admiração, pois era raro um rabino asquenazi falar um hebraico tão puro.
Como Rabino-chefe de Yaffo, Rav Kook era responsável pelas comunidades agrícolas criadas por sionistas. Costumava visitá-las com freqüência, misturando-se aos colonos, que o acolhiam calorosamente. Além de falar hebraico, suas idéias sobre o sionismo e o fato de simpatizar com seus problemas logo o tornam muito respeitado e amado entre os judeus não-religiosos da então Palestina.
Rav Kook dedicava grande parte de seu tempo a procurar aproximar da Torá os judeus que viviam na Terra de Israel. Apesar de ser um pensador criativo e original e um líder comunitário preocupado com as necessidades e o bem-estar de todos em sua volta, era muito cuidadoso no tocante às questões da Halachá.
A realidade social e religiosa que encontrou em Eretz Israel era conturbada. Os judeus que lá habitavam estavam basicamente divididos em duas comunidades: o Velho e o Novo Ishuv. Eram substanciais as diferenças no modo de vida e ideologia de ambos os grupos. O chamado Velho Ishuv era composto por judeus cuja vida era dedicada exclusivamente às orações e ao estudo da Torá. A maior parte deles viviam nas cidades sagradas de Jerusalém, Safed, Tibérias e Hebron e dependiam das doações dos judeus da Diáspora.
Já o Novo Ishuv surgira com a 1ª Aliá, em 1882. Uns 25 a 35 mil judeus emigraram para Eretz Israel durante essa onda migratória. Seu objetivo era lá se estabelecerem, vivendo e trabalhando em comunidades economicamente viáveis. Muitos deles eram judeus observantes das Leis da Torá - os sionistas seculares ainda eram minoria. A situação começa a mudar com a fundação da Organização Sionista Mundial (OSM), em 1897, e, mais ainda, a partir da 2ª Aliá (1905-1914), quando passam a se estabelecer em Eretz Israel um número cada vez maior de judeus seculares, muitos dos quais de orientação socialista.
A Terra de Israel e o sionismo
Rav Kook ensinava que desde que Eretz Israel foi escolhida por D'us para revelar a mensagem universal de santidade, tornou-se uma terra repleta de virtudes espirituais extraordinárias. Foi nessa terra prometida por D'us a Abraão que o destino espiritual do Povo Judeu foi primeiramente manifestado. Ensinava também que o elo sagrado entre o povo de Israel e a Terra de Israel não pode ser compreendido em termos das ligações naturais e históricas que unem as outras nações a seus respectivos países.
A identidade nacional judaica difere da de outras nações, no sentido de que seu propósito não é apenas sócio-econômico-cultural, mas essencialmente Divino e profundamente imbuído do sentido de justiça. Isto porque, como afirmava Rav Kook, a particularidade de Israel é sua busca constante pela justiça. De acordo com seus ensinamentos, cada nação tem um papel particular a desempenhar no processo da evolução do mundo. O do povo de Israel é disseminar a Divindade pelo mundo. No próprio nome Israel, que significa "guerreiro de D'us", está revelada essa missão. No entanto, devido à falta de um lar nacional e de suas conseqüentes andanças pela Diáspora, os judeus encontravam-se afastados de sua vocação sagrada. Rav Kook não tinha dúvida de que o retorno dos judeus à Terra de Israel renovaria e regeneraria as qualidades espirituais intrínsecas à Nação Judaica.
A base de todo o seu pensamento era que a retomada de sua pátria ancestral representava para o Povo Judeu não apenas a inauguração de um novo período histórico, mas a instituição da tão esperada Era prevista pelos antigos profetas. Seria o início da Redenção Messiânica. Rav Kook via o movimento sionista como o instrumento escolhido por D'us para inaugurar essa nova Era. Os pioneiros sionistas estariam, portanto, cumprindo a Vontade Divina.
Rav Kook escreveu que "na Diáspora, um judeu não pode ser tão fiel e verdadeiro às suas idéias, sentimentos e pensamentos quanto pode sê-lo em Eretz Israel. As revelações do Sagrado, em qualquer que seja o seu grau, são relativamente puras na Terra de Israel; fora dela, no entanto estão misturadas com muita impureza".Através dessa afirmação, Rav Kook deu apoio à posição sionista de que um Estado Judeu na pátria ancestral permitiria não apenas uma existência judaica mais segura, mas também mais legítima. Para ele, a vida na Diáspora havia sido necessária para a sobrevivência do Povo Judeu - mas somente até o dia em que os judeus voltassem definitivamente a residir em Eretz Israel e a se realizar integralmente como judeus, em sua própria terra.
Segundo Rav Kook, foi uma infelicidade histórica o movimento sionista ter nascido em um momento de declínio religioso, ressaltando que o sionismo estaria incompleto enquanto suas dimensões espirituais não se manifestassem. No entanto, acreditava que os sionistas laicos estavam errados, quando negavam que seus esforços a favor da volta dos judeus a Eretz Israel tinham algum elemento espiritual.
Nem eles se davam conta de que, ao afirmar sua ligação com o Povo Judeu e com a Terra Santa de Israel, os sionistas seculares estavam de fato reafirmando a existência de D'us. Estavam realizando o sagrado trabalho Divino de reconstruir a Sua Terra Santa. Rav Kook acreditava profundamente na essência espiritual da alma judaica, em seu anseio de se aproximar a D'us. Para ele, a falta de religiosidade dos sionistas seculares nada mais era do que um fenômeno transitório causado por sua vida na Diáspora.
Rabino-chefe asquenazita
Em 1914, Rav Kook deixa Eretz Israel, a contragosto, para participar do Congresso do Partido Agudat Israel, que deveria ser realizado em Berlim. Porém, com o irromper da 1ª Guerra Mundial, a conferência foi cancelada. Impedido de retornar à Terra de Israel, vai para a Suíça, onde permanece durante dois anos, até aceitar o convite da congregação londrina Machzekei Hadaat, para ser líder religioso.
Mesmo estando longe de Israel, Rav Kook continuou a se envolver com os acontecimentos na Terra Santa. Em 1917, durante a elaboração da Declaração Balfour, Rav Kook posicionou-se publicamente a favor da mesma. Acreditava que a Declaração abria uma nova fase no renascimento nacional do Povo Judeu. No entanto, havia entre os judeus da Europa muitos que se opunham: os ortodoxos alemães viam-na como uma ameaça ao judaísmo; e "os ingleses de fé mosaica" como uma ameaça à recém-adquirida emancipação. Líderes da comunidade britânica, em carta entregue ao governo, declararam que não havia ligações entre a religião e o nacionalismo judaico, e que se opunham a qualquer tipo de reconhecimento da Terra de Israel como sendo o Lar Nacional Judaico. Rav Kook rebateu com firmeza essas afirmações em carta aberta lida em todas as sinagogas inglesas.
Durante os debates realizados no Parlamento britânico sobre o Lar Nacional Judaico na Terra de Israel, foram expostas as questões levantadas pelos assimilacionistas judeus. Na ocasião, Mr. Kiley, um dos proponentes da Declaração Balfour, fez a seguinte pergunta: "Em quem nos devemos basear em relação aos aspectos religiosos da questão - em Lord Montagu, ou em Rabi Kook, o rabino da Congregação Machzekei Hadaat?"
Em 1919, Rav Kook retorna a Eretz Israel, já sob mandato britânico, aceitando o posto de Rabino-chefe de Jerusalém. Em 1921, quando foi criado o Rabinato-chefe do pré-Estado de Israel, se torna o Rabino-chefe asquenazita, junto com o Rabi Yaacov Meir, Rabino-chefe sefaradita. Manteve essa posição até seu falecimento, em 1935.
Sua erudição e espiritualidade, aliadas ao seu respeito e sensibilidade pelas aspirações nacionais dos chalutzim (pioneiros), fizeram dele a pessoa ideal para assumir tal posição, pois era respeitado tanto por judeus religiosos como por pioneiros laicos. Segundo Joseph Klau, "não havia ninguém na Terra de Israel, além de (Chaim Nachman) Bialik que possuísse um público de admiradores tão fiéis como Rav Kook. Mas enquanto Bialik tinha poucos adversários, Rav Kook tinha muitos que eram contrários à sua ideologia, mas ele sabia enfrentá-los com firmeza, nunca receando expressar suas idéias".
O antagonismo do qual era alvo e a ininterrupta campanha de difamação liderada por grupos religiosos mais extremistas eram resultado de seu apoio ao sionismo e suas críticas ao modo de vida do Velho Ishuv. Para Rav Kook, o abandono da participação plena na vida cotidiana para se dedicar exclusivamente a atividades religiosas era resultado de uma visão deturpada do judaísmo. Uma visão tão errada, dizia, quanto a dos sionistas laicos, que almejavam somente uma redenção nacional física, desprovida de espiritualidade.
Rav Kook criticava as ieshivot de sua época por excluir os assuntos laicos de seus currículos. Seu sonho era fundar uma ieshivá que oferecesse um programa integrado de educação judaica de nível superior. Embora isto nunca tenha sido posto em prática, em 1924 ele fundou em Jerusalém a Merkaz HaRav, que se tornou singular devido à sua filosofia religiosa e sua postura positiva em relação ao sionismo.
Defendeu a fusão dos estudos religiosos e seculares no seu discurso durante a cerimônia de inauguração da Universidade Hebraica de Jerusalém, em 1925. Ele disse acreditar que o estudo da Torá deveria ser complementado pelo estudo das ciências seculares; mas também alertou que a preocupação exclusiva com a pesquisa científica acabaria alienando o homem de seus valores religiosos e espirituais.
Durante toda a sua vida, Rav Kook nunca deixou de amar o Povo Judeu em sua totalidade, e não é de surpreender que este amor tenha sido retribuído pela grande maioria dos Filhos de Israel. Sua mensagem de que a "Galut" - a dispersão dos judeus - não era permanente e que havia chegado a hora para o início da tão esperada Redenção, foi ouvida por milhares de judeus. Sua filosofia religiosa baseada na ressurreição do nacionalismo judaico, no estudo da Torá e na observância dos mandamentos continua a servir como o fundamento básico do movimento sionista religioso.
Rabi Avraham Isaac HaCohen Kook faleceu em Jerusalém, no dia 3 de Elul de 1935, duas semanas antes de completar 70 anos. No último Shabat de sua vida na Terra ele perguntou: "Como pode alguém não ser sionista, vendo que D'us escolheu Tzion para Sua Morada?"
Bibliografia:
Shalom, Binyamin Ish, Rav Avraham Itzhak Hacohen Kook: Between Rationalism And Mysticism
Artigo de Greenblatt, Mattis, The Prophet of Spiritual Renewal Thoughts in honor of the 50th Yahrzeit of Rav Avraham Yitzchak
Kook zt"l, publicado no site HYPERLINK "http://www.orot.com/" www.orot.com/
Rabino David Samson, A Torá de Eretz israel, Judaísmo e sionismo, Ed. Sefer http://ravkook.net/index.html