O Sefer Yetzirá, Livro da Formação, considerado o mais antigo livro da Cabalá, tem sua autoria atribuída ao nosso primeiro patriarca, Avraham Avinu. Essa obra revela os segredos da Criação e, entre outros ensinamentos místicos, o mistério da Astrologia segundo o judaísmo.
O Sefer Yetzirá ensina que D'us canaliza para o mundo energia e vitalidade Divina através dos corpos celestiais.
De acordo com o mesmo, cada um dos doze meses do calendário judaico corresponde a um signo do zodíaco, uma cor, uma letra do alfabeto hebraico, um dos cinco sentidos, um órgão ou membro do corpo e uma das Doze Tribos de Israel. Na astrologia judaica, o mês em que a pessoa nasce exerce influência sobre sua personalidade. Seu signo indica o tipo de energia que ela poderá desenvolver e a fraqueza que deverá superar ao longo da vida. Em outras palavras, o judaísmo sustenta que a personalidade do ser humano é influenciada por seu signo.
Na Astronomia, chama-se de zodíaco o conjunto de constelações ao longo da elíptica - o caminho aparente percorrido pelo sol durante o ano. Como os planos das órbitas dos planetas em torno do Sol são quase coincidentes, além do astro-rei os planetas também são encontrados no zodíaco. Daí a importância desse conjunto de constelações.
Tradicionalmente, há doze constelações no zodíaco: Áries (Carneiro), Taurus (Touro), Gemini (Gêmeos), Câncer (Caranguejo); Leo (Leão); Virgo (Virgem); Libra (Balança); Scorpius (Escorpião); Sagittarius (Sagitário, o arqueiro); Capricornius (Capricórnio, a cabra do mar), Aquarius (Aquário, o carregador de água), Pisces (Peixes). Na Astrologia, o zodíaco é constituído pelos signos que dividem a elíptica em 12 zonas - correspondentes às 12 constelações tradicionais, todas elas com a mesma longitude celestial. Uma ressalva: a partir de 1930, quando a União Astronômica Internacional padronizou as constelações, passou-se a incluir no zodíaco uma 13a constelação, a Ophiuchus (o Serpentário).
De acordo com o Sefer Yetzirá, os 12 filhos de Jacob, que se tornaram as Doze Tribos de Israel, representam as 12 diferentes raízes de alma das quais descendem o Povo Judeu. Estas correspondem aos 12 signos tradicionais do zodíaco e aos 12 meses do calendário judaico. No que tange à existência de uma 13ª constelação no zodíaco, é interessante notar que uma das Doze tribos de Israel, a de Yossef, foi dividida em duas tribos - Menashé e Efraim; portanto, há 12 tribos de Israel, que, na realidade, são 13. Ao mesmo tempo, o calendário judaico é tradicionalmente composto por 12 meses; porém, em anos bissextos, há um 13º mês - Adar II. É provável que a divisão da tribo de Yossef, dando origem a uma 13ª tribo, e a adição de um 13o mês em anos bissextos, correspondam à 13ª constelação, Ophiuchus, adicionada ao zodíaco no século 20. Interessantemente, Ophiuchus, segue o signo de Peixes, que corresponde ao mês de Adar. Isto dá a entender que a 13ª constelação corresponde ao mês que segue Adar, a dizer, Adar II, pois não poderia ser Nissan, que é a primeira constelação (Áries). No calendário judaico, Nissan corresponde ao primeiro mês do ano.
Cada um dos 12 meses judaicos está relacionado a uma das 12 letras dentre as 22 que constituem o alfabeto hebraico. Correspondem, também, às 12 características da alma, como a visão, a fala, o pensamento, entre outros, e a um órgão do corpo humano. É importante ressaltar que a ordem desses corpos celestes está relacionada aos sete dias da semana. Em certos idiomas, essa conotação se faz evidente pelos próprios nomes atribuídos aos dias da semana. Na língua inglesa, por exemplo, Sunday significa, o dia do sol; Monday, o dia da lua; Saturday, o dia Saturno, e assim por diante. Em espanhol, essa relação é ainda mais evidente. Além do mais, cada mês judaico está ligado a um dos quatro elementos básicos - terra, fogo, ar e água. Finalmente, cada um dos 12 meses está relacionado a uma combinação específica das quatro letras que formam o impronunciável Nome Divino, o Tetragrama.
Analisaremos, a seguir, à luz do zodíaco, os três primeiros meses do calendário judaico: Nissan - signo de Áries, Iyar - signo de Touro, e Sivan - signo de Gêmeos. Estes três meses estão ligados, mais do que todos os outros, ao nascimento e à formação do Povo Judeu. Porém, antes de procedermos, é extremamente importante esclarecer o papel do zodíaco no judaísmo. O signo é apenas um instrumento utilizado pelo Criador para dirigir o mundo. O signo em si não tem qualquer poder independente. Além disso, o Povo Judeu, em virtude de ter recebido a Torá, alcançou um nível espiritual acima do zodíaco. Os signos são apenas canais através dos quais as forças espirituais vêm a terra. Quanto mais contato alguém tem com D'us e Sua Torá, isto é, com a dimensão espiritual do universo, menos suscetível essa pessoa será à influência das forças astrológicas.
O zodíaco é estudado no judaísmo para se adquirir autoconhecimento: para descobrir talentos e habilidades inatas e para ajudar a identificar a missão da pessoa no mundo. É expressamente proibido utilizar o zodíaco para tentar prever o futuro. Além de proibida, tal atividade costuma ser fútil, pois o ser humano sempre pode melhorar seu destino através da oração e da prática de boas ações, principalmente da generosidade aos outros. Quanto mais aperfeiçoamos nossa conduta e nos ligamos a D'us, mais Ele muda o curso natural dos eventos de forma a nos beneficiar. Portanto, a pessoa que verdadeiramente busca D'us e tem fascínio pelo misticismo deve saber que a Torá torna supérfluas e errôneas as previsões astrológicas. O estudo da Torá, principalmente de sua dimensão oculta, é infinitivamente mais poderoso e benéfico do que a tentativa de se prever o futuro ou tentar, quiçá, manipulá-lo através do estudo da Astrologia.
Nissan - O mês do êxodo
O primeiro mês do calendário judaico é Nissan, mês no qual se festeja Pessach, quando celebramos o Êxodo dos Filhos de Israel do Egito. O signo desse mês é Áries - o carneiro.
No antigo Egito, politeísta, o carneiro era um animal sagrado, assim como sagrado era o rio Nilo. Como eram muito escassas as chuvas no Egito, o Nilo era a fonte de vida para o povo, que subsistia da agricultura. No período das cheias, as fortes chuvas sazonais faziam o rio transbordar, encobrindo e irrigando as grandes extensões de terra que o margeavam. Esse fenômeno também servia para fertilizar o solo, ao nele depositar aluvião e matéria orgânica. O deus-guardião da nascente do rio, o deus que determinava o transbordamento do rio - representado de forma zoo-antropomórfica -tinha forma humana com cabeça de carneiro. O deus-carneiro era também símbolo de fertilidade, um deus criador, que, do barro, era capaz de moldar crianças e até outros deuses.
Os filhos de Israel foram salvos por D'us das mãos dos egípcios justamente no dia de lua cheia do mês de Nissan - no auge da atuação do signo de Áries, representado pelo carneiro.
No dia que antecedeu sua saída do Egito, 14 de Nissan, D'us ordenou aos Filhos de Israel que cada família judia sacrificasse um carneiro. No dia seguinte, eles teriam que assar esses carneiros no fogo e, em seguida, servi-los como alimento naquela primeira celebração de Pessach. Ao ordenar o primeiro Korban Pessach - o primeiro sacrifício do carneiro pascal - D'us tinha vários propósitos. À humanidade, por exemplo, Ele queria demonstrar que a salvação dos judeus se devia exclusivamente à Sua intervenção; já aos egípcios, que sua suposta divindade não tinha poder algum. Era apenas um animal que, após ser abatido e assado, serviu de alimento para os judeus. D'us queria que a humanidade visse que nenhuma força da natureza tem poder algum independente e nada no Universo faz frente à Vontade Divina. Há outros fatos interessantes. Por exemplo, o elemento básico associado ao mês de Nissan é o fogo, usado para assar o Korban Pessach. Paralelamente, no zodíaco, o planeta correspondente a esse mês é Marte, que tem uma cor avermelhada - lembrando o fogo e o sangue.
Conta o Midrash que após o Egito ser castigado pelas pragas, o Faraó consultou seus astrólogos para saber como agir em relação ao povo de Israel. Os astrólogos egípcios, cujos poderes de clarividência eram limitados, disseram ao Faraó que o povo de Israel poderia ser libertado, pois, de acordo com suas previsões, os judeus não sobreviveriam no deserto. Suas previsões se basearam no fato de que o Povo Judeu estava deixando o Egito durante o mês associado ao planeta Marte, e portanto, que haveria derramamento de sangue judeu no deserto. Não estavam totalmente errados, pois, de fato, houve derramamento de sangue judeu no deserto - antes da outorga da Torá, quando todos os homens judeus se submeteram ao Brit Milá - a circuncisão judaica.
O fato de o Êxodo ter ocorrido durante o mês de Áries tem grande significado. Este signo representa a união, pois carneiros e ovelhas costumam viver agrupados, sendo pastoreados em bando, em seus rebanhos. Além disso, o carneiro, por natureza, é caracterizado pela auto-anulação; o próprio som emitido por esse animal, seu balido, demonstra sua submissão. Quando o povo de Israel saiu do Egito, eles foram comparados a um rebanho, unidos e agrupados, seguindo à risca as instruções de seu líder, Moshé Rabenu, que o Zohar denomina de "o Pastor Fiel".
O Korban Pessach, o sacrifício pascal, também objetivava a união entre os judeus, pois a Torá exige que famílias, parentes e amigos comam juntos o animal sacrificado. Hoje em dia, devido à ausência do Templo Sagrado, não há o sacrifico de Pessach, mas a cerimônia do Seder, onde as famílias e amigos se reúnem, incorporou esse papel de reunião familiar.
O mês de Nissan, primeiro mês judaico, é governado por uma das características da alma - a fala - e corresponde à letra Hê. Para pronunciar todas as demais letras é obrigatório começar pelo som simples da letra Hê, que é o "sopro da fala". O ser humano distingue-se das outras criaturas através da fala - capacidade de comunicar seus pensamentos aos outros. Durante o Seder de Pessach, cumprimos a mais importante mitzvá da noite, transmitindo aos nossos filhos o relato da saída do Egito contido na Hagadá. Se a palavra Pessach for dividida em duas sílabas - Pe - Sach - o resultado será duas palavras que significam boca (Pê) e falante (Sach). O nome da própria festa já faz alusão ao propósito maior da noite, que é utilizar o nosso poder de fala para contar aos nossos filhos os milagres que D'us realizou em prol de nosso povo.
A tribo associada ao mês de Nissan é a de Yehudá, um dos 12 filhos de Jacob (ver p. 37). Dele, que simboliza a liderança judaica, descendem os monarcas judeus, inclusive o Rei David e o Mashiach. A força do monarca está em sua fala, pois ele reina e comanda através de sua palavra.
O órgão do corpo correspondente ao mês de Nissan é o pé direito, simbolizando o povo de Israel que, com a libertação da escravidão egípcia, iniciou sua trajetória como nação com o pé direito, atravessando o deserto para receber a Torá. É através dos pés que o ser humano avança e progride e o pé direito simboliza que a marcha ou a caminhada é feita de maneira resoluta.
Iyar - O mês da introspecção
O segundo mês do calendário judaico, Iyar, corresponde ao signo de Touro. Ao contrário do carneiro, a característica do touro é a sua individualidade. Isto se reflete na característica deste mês, que requer introspecção e um trabalho individual.
Desde o segundo dia de Pessach até o dia da outorga da Torá, Shavuot, contam-se 49 dias, os dias da Contagem do Omer. Essa contagem é feita durante parte do mês de Nissan, seguindo durante todos os dias do mês de Iyar e entrando nos cinco primeiros dias do mês de Sivan.
De acordo com a Cabalá, há sete emoções humanas básicas: Chessed - bondade, generosidade e altruísmo; Guevurá - severidade, poder e disciplina; Tiferet - bondade, harmonia e compaixão; Netzach - vitória, ambição e eternidade; Hod - esplendor, empatia e sinceridade; Yessod - fundação, alicerce e reciprocidade; Malchut - realeza, onde o potencial latente é concretizado. Cada uma dessas qualidades emocionais combina com as demais para formar a escala completa da personalidade humana. Sete vezes sete são 49 - o número exato de dias entre a saída do Egito e a outorga da Torá. Durante o período do Omer, devemos refinar nossas emoções e, a cada um dos 49 dias, aperfeiçoar uma característica de nossa personalidade. Assim procedendo, preparamo-nos para o ápice espiritual que ocorre em Shavuot, a festa que relembra a revelação inédita de D'us e o recebimento da Torá no Monte Sinai.
No entanto, durante o mês de Iyar, é importante tomar cuidado de manter vivo nosso amor e preocupação com os outros. O trabalho individual e a elevação pessoal são incumbências muito positivas, no entanto estes não têm controle sobre o egoísmo, um sentimento que tão facilmente escala para algo muito prejudicial - a falta de consideração com nossos semelhantes. Foi esse tipo de sentimento que resultou, justamente no mês de Iyar, na trágica morte de 24 mil alunos de Rabi Akiva. Todos os seus discípulos, apesar de seu alto nível de conhecimento e retidão, pelo fato de se preocuparem acima de tudo com sua própria elevação espiritual, afastaram-se dos demais. Desta forma pecaram por ter faltado o respeito aos demais colegas.
O mês de Iyar é governado pela letra Vav do alfabeto hebraico. De acordo com o Zohar, obra fundamental da Cabalá, essa letra simboliza a verdade. A característica da alma correspondente a este mês é a reflexão. Como explicado anteriormente, trata-se do mês de preparação para o recebimento da Torá, que ocorre no mês seguinte, nos dias 6 e 7 de Sivan, quando se celebra Shavuot. Em Iyar é necessário refletir bastante sobre o verdadeiro objetivo da nossa existência, para se pôr em prática as boas resoluções tomadas.
O elemento básico associado a esse mês é a terra, cujas características são a dureza e a firmeza. Em Iyar, devemos firmar as decisões espirituais tomadas durante esse período de reflexão, a fim de enobrecer e elevar nossa personalidade.
Sivan - Alcançando a perfeição
Simbolizado pelo signo astrológico de Gêmeos, Sivan, o terceiro mês do calendário judaico, é considerado o mês da perfeição - o mês no qual o povo de Israel recebeu a Torá. Esse signo de dualidade evoca a imagem das duas Tábuas contendo os Dez Mandamentos e as duas facetas da Torá - a Torá Escrita, constituída pelos 24 Livros do Tanach - e a Torá Oral, que inclui a explicação e elucidação das leis, os ensinamentos morais e toda a tradição mística.
O signo de Gêmeos também simboliza Moshé e seu irmão Aharon - os dois líderes que conduziram o Povo Judeu desde o processo de libertação do Egito até praticamente a entrada dos Filhos de Israel na Terra Prometida (ver Morashá 65). Finalmente, esse signo de dualidade lembra a união entre D'us e o Povo Judeu, como se fossem um noivo e uma noiva.
Consta no Midrash que o Eterno não quis entregar a Torá logo após a saída do Egito, durante o mês de Nissan ou mesmo de Iyar, pois os signos desses dois meses são simbolizados por dois animais - Áries (Carneiro) e Touro. Os judeus, recém-libertados da escravidão no Egito, onde haviam sido imersos na idolatria egípcia, ainda não haviam alcançado o nível espiritual necessário para poder receber a Torá. Após deixar aquele país, os Filhos de Israel precisariam de 49 dias de preparo espiritual - correspondentes aos 49 níveis de elevação espiritual (o 50º e último nível só pode ser atingido após o falecimento) - para se desfazer das características animalescas, representadas por Áries e Touro, adquiridas durante sua extensa estada no Egito. Eles precisavam romper com a mentalidade de escravos neles inculcada, bem como com a cultura pagã e idólatra egípcia. Só assim o Povo Judeu atingiria um nível espiritual elevado e alcançaria o semblante de ser humano - que foi criado à imagem de D'us - e que é simbolizado pelo signo de Gêmeos, tornando-se merecedor de receber a Torá.
O mês de Sivan é governado pela letra Zayin, a sétima letra do alfabeto hebraico. Zayin significa arma. A Torá que nos foi entregue nesse mês é nossa arma contra o mal e contra todas as forças negativas que existem no Universo. A característica da alma que rege Sivan é o "movimento correto". Pois, após retificarmos nossa fala e nosso pensamento, em Nissan e Iyar, respectivamente, chegamos ao momento de progredir da forma como ordena a Torá. A partir do terceiro mês, as três faculdades humanas - pensamento, fala e ação - passam a ser utilizadas e aprimoradas para cumprir a vontade do Eterno.
O elemento básico associado ao mês de Sivan é o ar. Há vários elementos que são absolutamente necessários para a sobrevivência de um ser humano, mas nenhum deles é mais vital que o ar. Podemos passar alguns dias sem comer ou beber, mas não conseguimos sobreviver por mais de alguns minutos sem ar. Para nós, judeus, a Torá que nos foi entregue no dia 6 de Sivan, em Shavuot, é tão vital e fundamental quanto o ar que respiramos. Sem a Torá, que serve como nossa ligação a D'us, nosso povo não consegue sobreviver.
Para concluir, citamos um trecho proferido em nossas rezas diárias e que enfatiza de forma clara e óbvia nosso amor e lealdade à Torá e nosso reconhecimento de quão vital é para nós, como indivíduos e como povo.
"Com um amor eterno Tu tens amado o Teu povo, a Casa de Israel. Torá e Mitzvot (mandamentos Divinos), estatutos e leis a nós ensinaste. Por isso, Eterno, nosso D'us, ao deitarmo-nos e ao nos levantarmos, falaremos dos teus estatutos, e nos alegraremos com as palavras de Tua Torá e em Tuas Mitzvot para sempre. Pois eles são a nossa vida e a extensão de nossos dias e neles meditaremos, dia e noite. Que o Teu amor jamais se afaste de nós. Bendito és Tu, Eterno que amas Seu povo Israel".
Rabino Avraham Cohen é rabino da Sinagoga Beit Yaacov, São Paulo