Mais de 500 Hagadot foram produzidas entre 1930 e 1960 pelos imigrantes que chegaram a Eretz Israel no início do século XX. O seder de Pessach tornou-se a principal celebração desta nova sociedade criada pelos fundadores dos kibutzim.

Início do século XX. Eretz Israel vive o período da segunda e terceira aliá. Jovens vindos do leste europeu e da Rússia chegam à então Palestina para participar do processo de implantação do futuro Estado Judeu. De 1904 a 1914 e, posteriormente, de 1919 a 1923, a região recebeu milhares de jovens que chegavam imbuídos de um sonho: construir uma nova vida, uma nova ordem social, um mundo novo. Eram partícipes de uma das mais singulares e importantes experiências de sua geração - a implantação dos kibutzim. Levados por seus ideais, os jovens imigrantes queriam também criar um novo espírito e uma nova cultura, que refletissem seus valores e sua maneira de viver o judaísmo.

Foi dentro desse espírito que, ao longo das primeiras décadas de 1900 e até meados de 1960, os membros dos kibutzim produziram Hagadot especiais. Suas ilustrações refletem o modo de vida e as preocupações da nova sociedade. Segundo uma pesquisa feita pelos israelenses Yuval Danieli e Muky Tsur, mais de 500 Hagadot foram assim publicadas apenas entre 1930 e 1960. Considerando-se que de 1482 - data da publicação da primeira Hagadá - até 1960, foram publicadas um total de três mil, tornam-se mais significativos ainda os números dos kibutzim.

Ao longo dos anos, Danieli e Tsur colecionaram muitas dessas Hagadot. Finalmente editaram um volume em hebraico, intitulado Yotzim Behodesh Aviv - Pessach Eretz-Israeli Behagadot min Hakibutz (The Kibbutz Haggadah: Israeli Pessach in Kibbutz), fazendo uma retrospectiva e análise das obras, com ilustrações e trechos dos textos. É o segundo de uma série de publicações dos autores sobre diferentes aspectos da vida no kibutz, com o apoio das instituições Yad Tabenkin, Yad Ben-Zvi e Instituto Ben-Gurion.

Em sua obra, os autores relatam como era comemorado o Seder nessas sociedades coletivas rurais. Ao invés de ser uma festa celebrada na privacidade da vida familiar, tornou-se um ritual compartilhado por todos os membros do kibutz, que ressaltava o caráter comunitário e a ideologia socialista intrínsecas às cooperativas agrícolas então organizadas em Eretz Israel. Enfatizavam também o aspecto de Festa da Primavera que Pessach engloba. Os kibutznikim, dizem Danieli e Tsur, viam a si mesmos como tendo saído da escravidão para a liberdade, por terem feito a opção de viver na Terra Prometida. Em sua interpretação, explicam os autores, comparavam o Egito ao "Velho Mundo", aquela Europa e os lares que haviam deixado para trás para construir uma vida em liberdade, na terra de seus ancestrais.

É inegável o valor artístico e histórico de tais Hagadot. São retratos de uma sociedade e suas preocupações. De um lado, contam sua vida na Terra Prometida; do outro, mostram suas preocupações em relação a seus irmãos que tinham ficado para trás. Durante anos, tem-se debatido o quanto sabiam sobre o que acontecia na Europa, nos anos de 1930 e 40, os judeus que viviam na Terra de Israel. Conheciam o destino dos judeus europeus? A julgar pelas Hagadot dos kibutzim, o que não era mencionado em público foi expresso de forma dura e realista em suas páginas. O uso da palavra Shoá, referindo-se aos terríveis acontecimentos na Europa, já aparecia numa Hagadá produzida em 1939, no Kibutz Moaz Haim.

Em 1938, Mordechai Amita, do Kibutz Sarid, convenceu o movimento Kibutz Artzi a editar uma Hagadá para ser usada por todos os kibutzim que o integravam. Desde então, a Federação Kibutz Artzi tem produzido anualmente uma Hagadá, com exceção do ano de 1948. Através dos anos, muitos artistas pertencentes a kibutzim participaram na produção das mesmas, entre os quais Mordechai Amita, Ruth Scloss, Shagra Weil, Shmuel Katz e Moshe Propes.

A maioria dos que as usavam, personalizavam-nas adicionando fatos sobre a vida daquele determinado kibutz ou letras das músicas mais populares.

Em qualquer deles, relatam os autores, os preparativos para a celebração do Seder eram feitos com muita antecedência. A celebração, com música e danças que tornavam a noite uma verdadeira festa comunitária, era planejada e ensaiada. Por exemplo, a tradicional canção "Chad Gadiá" tornou-se o ponto central da participação das crianças, muitas vezes trajando fantasias dos personagens. Em função do número de membros de cada kibutz, às vezes a comemoração era feita fora dos refeitórios, onde se pudesse acomodar todos os participantes. A decoração também era um ponto importante para os organizadores. Na noite do Seder, todos vestiam roupas brancas e, ao redor de mesas enfeitadas com flores silvestres, sentavam-se para começar a leitura da Hagadá que tinham produzido.

Bibliografia

· "Seder for a New Social Order", artigo de Yadin Roman, publicado na Revista Eretz, abril 2004, nº 93