A comemoração de uma gravidez nunca foi parte do ritual judaico; trata-se de costume relativamente recente. praticado em apenas algumas comunidades sefaraditas, este costume tem vários significados e interpretações advindos das tradições dos judeus da Espanha, Turquia e Israel.
Estudiosos de etnias observaram que os judeus asquenazitas evitavam comunicar a gravidez de uma mulher, mantendo a novidade em segredo enquanto fosse possível. Era um costume chassídico, pois acreditava-se que a notícia de uma gravidez apenas iniciada poderia atrair o "mau-olhado". Até hoje há o costume de não comprar nada para o bebê até pouco antes de seu nascimento.
Em contraste, em algumas comunidades sefaraditas havia o costume de celebrar a primeira gravidez. Esta cerimônia chama-se kortadura de fashadura, em ladino, ou tektiá el-g'daouere, em judeu-árabe, significando "o corte das roupas". Nesta cerimônia, tradição que ainda persiste ente os judeus de Istambul, é feita a primeira roupinha do bebê, que a usará não importando se for menina ou menino. A futura mãe que desejava um menino realizava a fashadura durante os primeiros quinze dias do ciclo lunar.
Quando uma grávida entrava no quinto mês de sua primeira gestação, eram convidados parentes, amigas e vizinhas. Licores e chocolates, chá, bolos e amêndoas confeitadas eram então servidos na melhor porcelana chinesa, sobre toalhas bordadas à mão. O tecido utilizado para a fashadura era, tradicionalmente, parte do enxoval e costumava ser de excelente qualidade. Uma parente que já tinha filhos e cujos familiares estavam vivos - o que constitui um bom presságio para uma longa vida - recebia a honra de fazer o primeiro corte no tecido. Nesse momento, a futura mãe jogava dragées, confeitos de amêndoa de cor branca, sobre o tecido, para simbolizar o doce e próspero futuro que ela desejava para seu filho.
Na Argélia e no Marrocos, o corte da primeira peça do enxoval era celebrado no último trimestre da gravidez. Os parentes colocavam tecidos sobre uma bandeja de cobre coberta com um véu de seda. A pessoa escolhida para fazer o primeiro talho deveria ser abençoada com um lar feliz, filhos e pais ainda vivos. No Marrocos, era a parteira que cortava o tecido em faixas, durante cerimônia bem festiva, na presença de amigas e parentes que confraternizavam em meio a chás e doces, desejando boa sorte à futura mãe. Tantas eram as celebrações que, por volta de 1904, o rabino de Sefrou, pequena cidade marroquina perto de Fez, manifestou-se contra o grau de ostentação que tinham assumido tais cerimônias.
Quando a mulher passava por um período de esterilidade, era costume fazer uma peregrinação à tumba de um rabino famoso, invocando a sua bênção e interferência. E, quando a concepção finalmente acontecia, a grávida retornava ao local para orar, seguindo-se uma cerimônia com doces e licores de arak. Na ocasião, a gestante e sua família doavam tzedacá aos mais necessitados e ajudavam os estudantes das ieshivot.
Na Terra Santa, durante as últimas décadas do Império Otomano, os sefaraditas preparavam o enxoval da criança durante os dois últimos meses de gestação da futura mãe; mas, ao que tudo indica, não há registros de qualquer comemoração especial pelo fato. As mulheres utilizavam retalhos de tecidos de boa qualidade e caprichavam sobretudo no gorro do bebê, o único item que ficaria visível, tantas eram as camadas de faixas e mantas. Enfeitavam o gorro com fitas coloridas e um pequeno raminho de arruda contra o ayin-raá, o mau-olhado.
No Iêmen e em Aden, os judeus preparavam as roupinhas para o futuro bebê no sétimo mês de gestação, sem qualquer celebração. Era usual esconder a gravidez da comunidade e cabia à futura mãe confeccionar o enxoval de seu próprio filhinho. Mas, assim que percebia a gravidez, logo compartilhava a notícia com sua mãe.
Ainda recentemente, no final do século XX, as mulheres de Amadiya, no Curdistão, costumavam celebrar a primeira gravidez. Logo que tomava conhecimento do fato, a jovem ia para a casa dos pais. Sua mãe e as parentes começavam a fazer as roupinhas para o bebê esperado. Concediam a honra da confecção dos lençóis do berço a uma senhora idosa, que tivesse tido muitos filhos. As mulheres convidavam músicos, cantavam, dançavam e aconselhavam a futura mãe, orientando-a sobre as etapas da gravidez e do parto. Ao anoitecer, era servido um banquete para os homens, na residência do futuro pai. O costume de celebrar "a alegria da espera de um bebê", conhecido como par'hiya semechá, parece ter sido adquirido com a população local, pois em qualquer outro lugar do Curdistão os judeus mantêm em segredo a primeira gravidez, enquanto for possível.
Em meados do século XX, poucas eram as famílias sefaraditas que ainda continuavam a comemorar a gravidez com a "Fyesta de Fashadura". A sobrevivência das tradições está intimamente ligada à assiduidade com que são realizadas e a maneira como são transmitidas às novas gerações.
Bibliografia
"Anyos Munchos i Buenos, Turkey's Sephardim": 1492-1992 Texto: Aye Gürsan-Salzmann.Fotos: Laurence Salzmann
Klein, Michele, A Time to Be Born: Customs and Folklore of Jewish Birth, 1998. Philadelphia: Jewish Publication Society of America.