Uma das mais antigas comunidades judaicas da Diáspora parece viver seus últimos dias. No ano passado, em uma operação secreta, dezenas de judeus deixaram o Iêmen para se instalar em Israel ou nos Estados Unidos e fugir da crescente ameaça da intolerância religiosa que assola a remota nação árabe.
A instabilidade iemenita preocupa cada vez mais os governos norte-americano e israelense, pois o país sofre a infiltração da rede terrorista Al-Qaeda, empenhada em lá montar uma base para suas ações globais, e enfrenta uma rebelião xiita arquitetada também para impor um regime fundamentalista no país.
Em outubro passado, a jornalista Miriam Jordan, do "The Wall Street Journal", publicou reportagem sobre o resgate, organizado ao longo de poucos meses, de cerca de 60 judeus iemenitas e sua mudança para os Estados Unidos. À época do início da operação, estimava-se a comunidade em 350 pessoas, num país com 23,5 milhões de habitantes.
Depois do relato jornalístico, ativistas envolvidos na iniciativa passaram a vir a público para divulgar mais detalhes da migração que o professor Haim Tawil, da Yeshiva University, de Nova York, definiu como o "fim da Diáspora judaica no Iêmen". No entanto, cerca de 200 judeus ainda permanecem no país, segundo o site israelense "Ynetnews.com".
Em dezembro de 2007, Gregg Rickman, então enviado especial do governo norte-americano para monitorar e combater o anti-semitismo, desembarcou em Sanaa, capital do Iêmen, para investigar a situação de uma comunidade que chegou a contabilizar cerca de 50 mil integrantes em 1948, ano da independência de Israel. Entre 1949 e 1950, a Operação Tapete Mágico levou praticamente toda a população judaica iemenita a solo israelense, numa onda migratória que prosseguiu, em menor escala, até 1962, quando uma guerra civil mergulhou o Iêmen em mais um capítulo de instabilidade.
Gregg Rickman encontrou uma comunidade que, até 1976, alguns acreditavam estar extinta como conseqüência da emigração. Naquele ano, um diplomata norte-americano, segundo o pesquisador Mitchell Bard, encontrou judeus vivendo no norte do Iêmen, proibidos até então de manter contatos com outros países. Embora pudesse manter suas tradições religiosas, a população judaica estava submetida a diversas restrições, como a proibição de prestar serviço militar ou de ter participação política.
Nos últimos tempos, os judeus do Iêmen viviam em duas regiões do país, Saada e Raida. A primeira tornou-se, a partir de 2004, palco de uma rebelião de minoria xiita. Em janeiro de 2007, líderes rebeldes ameaçaram a comunidade local, composta por cerca de 60 pessoas, que fugiram para Sanaa, onde receberam proteção do governo central, que lhes ofereceu moradia, alimentação e ajuda financeira.
Alguns ainda permaneceram em Raida, mas quando Gregg Rickman manifestou seu desejo de visitá-los, foi prontamente desencorajado por autoridades do Iêmen. Estas sustentaram que não podiam garantir a segurança do enviado da Casa Branca.
Gregg Rickman se reuniu então, na capital, com os judeus que fugiram de Saada e das ameaças dos rebeldes. "O que eu ouvi foram relatos de assédio extremo: conversões forçadas de meninos e de meninas, casamentos forçados, intimidação étnica e um tratamento cruel e desigual. Aquelas pessoas estavam assustadas", escreveu Rickman no site "The Cutting Edge News".
O presidente iemenita, Ali Abdullah Saleh, bancou o refúgio aos judeus na capital do país e chegou, por exemplo, a convidar repórteres de televisão para filmar a comemoração de Pessach realizada por refugiados em um prédio governamental, segundo relatou o "The Wall Street Journal". Desde o fim da Guerra do Golfo, em 1990, quando apoiou o Iraque de Saddam Hussein, o Iêmen passou a apostar numa aproximação com os Estados Unidos e outros países ocidentais. Em 1991, após receberem permissão governamental, cerca de 1,2 mil judeus deixaram o país árabe, em sua maioria rumo a Israel.
Grupos terroristas colocaram o Iêmen como alvo prioritário, a fim de minar sua aliança com Washington e também na tentativa de se aproveitar da precária segurança que o governo consegue impor num país onde sobrevivem fortes lideranças tribais. A Al Qaeda, após sucessivas derrotas de seus terroristas na Arábia Saudita, aproveitou-se da fragilidade das estruturas iemenitas para buscar outra base de atuação na península arábica.
Em setembro de 2008, um carro-bomba explodiu em frente à embaixada norte-americana em Sanaa. Morreram 16 pessoas. Washington começou a aumentar a pressão sobre o governo do Iêmen. O presidente Barack Obama, em carta enviado a seu colega Ali Abdullah Saleh, em setembro passado, descreveu a estabilidade iemenita como vital para a região e para os Estados Unidos.
No dia 11 de dezembro de 2008, outra tragédia para evidenciar a urgência de uma versão mais moderna e em menor escala da Operação Tapete Mágico, que há cerca de 60 anos levou dezenas de milhares de pessoas a Israel. O professor de hebraico Moshe Nahari, pai de nove filhos e morador na cidade de Raida, foi assassinado com vários tiros por Abdul-Aziz al-Abdi, que havia servido como piloto na força aérea iemenita. Nahari, irmão de um dos rabinos-chefe da comunidade local, morreu porque recusou a conversão forçada ao islamismo.
No ano passado, a embaixada norte-americana intensificou os pedidos para as autoridades iemenitas facilitarem a saída dos judeus inclinados a emigrar. A primeira reação oficial foi priorizar a tentativa de convencer aqueles que queriam um porto seguro a permanecer sob proteção governamental em Sanaa. Mas a resistência inicial deu lugar à cooperação para facilitar a viagem. Em dezembro passado, o Iêmen voltou a ocupar lugar de destaque no noticiário internacional, com a tentativa fracassada de um terrorista nigeriano de explodir um avião que viajava de Amsterdã a Detroit. Umar Farouk Abdulmutallab declarou que passou por treinamento numa célula da Al Qaeda no Iêmen e que o ataque foi ordenado por clérigo americano-iemenita.
No plano da questão judaica, esforços prosseguem na tentativa de promover a emigração. A situação no Iêmen é como uma bomba-relógio, comparou, no site "Ynetnews.com", Moshe Nachum, presidente da Federação Israelense de Judeus Iemenitas. Especialistas apontam aspectos econômicos, como medo da perda de alguma propriedade, e razões familiares como obstáculos para a opção por uma vida em Israel, nos Estados Unidos ou em outro país.
Nas mudanças, os judeus iemenitas carregam sua rica herança histórica, cultural e religiosa. Acredita-se, por exemplo, que sua pronúncia em hebraico se assemelha à da época do Primeiro Templo, cerca de 2.500 anos atrás. Eles teriam chegado à região sul da península arábica naquele período, como mercadores. E, atualmente, essa longa história da presença judaica no Iêmen parece estar chegando a seu final.
O Jornalista Jaime Spitzcovsky é editor do site www.primapagina.com.br. Foi editor internacional e correspondente em Moscou e em Pequim.