Pela primeira vez na história dos Estados Unidos, um judeu que guarda o Shabat e as regras da Casherut chefia a Casa Civil do governo Barack Obama, assumindo uma das funções mais relevantes no dia-a-dia presidencial.
O nova-iorquino Jacob “Jack” Lew, desde 27 de janeiro, é o vigésimo-quinto “Chief of Staff” da história da Casa Branca, responsável por administrar a agenda e o escritório presidenciais.A nomeação de Lew acendeu de pronto um debate. Como um “shomer Shabat”, que guarda o dia do descanso, poderia responder por uma função descrita como “mobilizadora vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana”? Alguns comentaristas mais irônicos preferiram apontar uma suposta insistência de crises que chacoalham a Casa Branca em finais de semana.
Uma história sobre Lew costuma ilustrar a convivência entre convicções religiosas e obrigações profissionais. Democrata de longa data, serviu também no governo Bill Clinton, como diretor do Escritório de Orçamento e Administração, cargo com status ministerial. Lew, certa feita, retornou a sua casa depois das orações matinais de Shabat na sinagoga e ouviu o telefone tocar. Aguardou a secretária eletrônica funcionar, para checar se era urgente, o que justificaria responder à chamada. Do outro lado da linha, um assessor da Casa Branca pedia a Lew que ignorasse uma mensagem anterior, deixada pelo então presidente Bill Clinton.
O líder democrata se encontrava em viagem ao exterior e, quando telefonou a Lew, se esquecera de que ainda imperava o Shabat em Washington. Em seguida, o presidente percebeu que interrompia o descanso semanal de Lew e, avaliando que o tema não correspondia a uma emergência, pediu a um assessor que deixasse um novo recado para o homem responsável por fazer tantos cálculos na Casa Branca.
A convivência de um estilo de vida religioso com as demandas da rotina presidencial despertam várias curiosidades. Em fevereiro passado, Lew estava a caminho de sua casa em Nova York, para o Shabat, quando se reuniu com um grupo de ativistas judeus. O cardápio da conversa incluiu as relações entre Obama e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, a ameaça nuclear do Irã, questões de filantropia e a situação do sistema de saúde no país. O assessor presidencial ainda encontrou uma brecha para relatar que a cozinha da Casa Branca tinha passado a oferecer opções “casher”.
Sobre a mesa de trabalho de Lew repousa uma maquete de Ellis Island, onde aportou o seu pai, em 1916, vindo da Polônia. O patriarca foi advogado e negociante de livros raros. Nascido em 29 de agosto de 1955, Lew cresceu em Nova York e, já aos 12 anos de idade, envolveu-se em sua primeira campanha política. Era a candidatura do democrata Eugene McCarthy, ícone do movimento contra a Guerra do Vietnã, à Casa Branca. Começava então uma longa trajetória de militância partidária.
Formou-se em Direito, após cursar Harvard e Georgetown. Em 1974, deu seus primeiros passos no mundo da política profissional, ao trabalhar como assessor do deputado Joe Moakley, democrata de Massachusetts. O talento analítico do jovem advogado levou-o ao cargo de conselheiro-sênior de Tip O´Neill, presidente da Câmara dos Deputados. Também se intensificava o flerte com números e orçamentos, resultando em um trabalho no Escritório de Orçamento e Administração da Prefeitura de Boston. Em 1988, esteve no comitê nacional da campanha à Casa Branca de Michael Dukakis, candidato derrotado por George Bush pai. Lew também foi diretor do Centro para Pesquisa do Oriente Médio, além de trabalhar, durante cinco anos, num escritório de advocacia.
O currículo cintilante atraiu a atenção da administração Clinton e, entre 1993 e 1994, Lew desempenhou a função de assistente-especial do presidente, com foco em temas como políticas para desenvolvimento e legislação para reforma do sistema de saúde. O filho de um imigrante judeu continuou a galgar posições. Começou uma trajetória no nevrálgico Escritório de Orçamento e Administração do governo, que, com um estafe de 500 pessoas, supervisiona contas e processos de gestão.
O presidente Bill Clinton, em 1998, nomeou Lew diretor do Escritório de Orçamento e Administração. Uma nova estrela formava o primeiro escalão do governo democrata. Nessa condição, ele passou a ter um assento no Conselho de Segurança Nacional e representou a Casa Branca em negociações sobre orçamento federal com o Congresso.
Sandy Berger, chefe do Conselho de Segurança Nacional no governo Clinton, foi, numa entrevista, questionado sobre o desempenho de Lew num dos fóruns mais importantes do governo norte-americano. “A fé de Lew nunca foi um obstáculo para ele cumprir seus deveres”, declarou. Berger notou ainda os fortes vínculos familiares do assessor presidencial, que é pai de dois filhos.
Após a sua primeira experiência presidencial, “Jack” Lew retornou à vida nova-iorquina, deixando Washington para os republicanos de George W. Bush. Na terra natal, assumiu uma vice-presidência da New York University e passou a lecionar na Wagner School of Public Service da mesma instituição acadêmica. O advogado, em 2006, passou pelo Citigroup.
O retorno dos democratas à Casa Branca, com a eleição de Barack Obama, em 2008, ensejou o retorno de Lew a Washington. Assumiu o posto de vice-Secretário de Estado, respondendo pela parte logística do serviço diplomático norte-americano. Em julho de 2010, foi anunciada a volta de Lew ao trabalho realizado durante os anos Clinton: diretor do Escritório de Orçamento e Administração. O Senado, quatro meses depois, aprovou a indicação por unanimidade.
Apesar de suas sólidas credenciais democratas, Lew consegue amealhar apoio também entre republicanos. O deputado oposicionista Eric Cantor, do Estado de Virgínia e líder da maioria da Câmara, declarou em julho passado, referindo-se a tensas negociações sobre o orçamento federal naquele ano: “Ninguém estava mais preparado ou mais sintonizado com os números do que Jack Lew”. O legislador, em declaração reproduzida pelo site do jornal The Boston Globe, opinou sobre o assessor presidencial: “Ele sempre foi muito educado e respeitoso em seu tom e alguém que eu posso descrever como muito comprometido com seus princípios”.
Mas a turbulência do novo desafio em Washington foi incapaz de diminuir a intensidade da agenda comunitária e religiosa de Lew. Em dezembro último, ele acendeu a Chanuquiá colocada em frente à Casa Branca e, cerca de três semanas depois, assumia um dos postos mais influentes na administração presidencial.
“Ao escolher “Jack” Lew como seu novo chefe da Casa Civil, o presidente terá um grande e ao mesmo tempo humilde servidor público, que tem percepções agudas sobre alguns dos mais complexos temas de política”, observou o rabino Levi Shemtov, diretor em Washington do American Friends of Lubavitch. “Jack sempre teve orgulho de sua identidade judaica”, afirmou Shemtov, que conhece há vários anos o funcionário da Casa Branca.
O presidente Barack Obama também comentou a nomeação do novo assessor. “Os conselhos econômicos de Jack têm sido de um valor incomensurável, e ele conta com a minha total confiança, tanto por sua maestria com os números, como pelos valores atrás desses números”. O presidente continuou: “Se houvesse um Hall da Fama para diretores de orçamento, então Jack Lew certamente teria recebido um lugar por seu desempenho naquele cargo sob o presidente Clinton, quando ajudou a equilibrar o orçamento federal após anos de déficits”.
Ele não é o primeiro judeu a chefiar a Casa Civil do governo norte-americano. O pioneiro foi Kenneth Duberstein, sob a presidência de Ronald Reagan, em 1988. O próprio Barack Obama, ao começar seu governo, tinha naquela função Rahm Emanuel, que acabou conquistando a prefeitura de Chicago.
Entre Emanuel e Lew, várias diferenças. Uma das mais evidentes é a de estilo. Enquanto o prefeito de Chicago esculpiu ao longo de sua carreira a imagem de um homem do embate, abrasivo, o atual chefe da Casa Civil desponta como uma figura serena, sempre no mesmo tom de voz. Lew, com suas práticas e convicções, inaugura uma nova era no alto escalão da Casa Branca.
O Jornalista Jaime Spitzcovsky, foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.