Especialistas afirmam que o vinho casher tem a mesma qualidade que os vinhos clássicos e é tão bom que está atendendo ao paladar dos consumidores mais exigentes.
Diz uma velha crença popular que a combinação de vinho com cashrut não dá um bom casamento. Ou seja, que um bom vinho jamais poderia ser casher. Mas, na antigüidade, o Israel bíblico era o berço da uva e do vinho. Sabe-se, também, que os produtos vindos da Terra de Israel eram muito apreciados no mundo antigo, especialmente pelos gregos e romanos. Milhares de utensílios utilizados na fabricação do vinho, encontrados em Israel por arqueologistas, provam a existência passada de uma grande indústria vinícola na região.
As vinhas, as uvas e o vinho delas resultante desempenham um papel especial na vida e no ritual judaico. A palavra "vinho" aparece 207 vezes na Torá; "vinhedo", 92; e "uva", 62. O vinho é a mais importante das bebidas, o que lhe assegura uma bênção especial. Os hebreus foram os primeiros a utilizar o vinho para santificar, desde o nascimento - o brit milá (circuncisão), - passando pela maturidade - o barmitzvá - até chegar ao casamento. O vinho está presente em cada Shabat, em Pêssach, Purim e Rosh Hashaná, entre outras festividades.
Com a dispersão dos judeus, no século I da era comum, a produção do vinho na Terra de Israel foi interrompida. Na época moderna, o primeiro vinhedo foi estabelecido em Jerusalém, em 1884, pelo rabino Shore. Mas foi o Barão Edmond de Rothschild, proprietário da vinícola Chateau Lafitte, em Bordeaux, que investiu no desenvolvimento desta indústria, em Israel, introduzindo as técnicas francesas de vinicultura.
Atualmente, o panorama mudou. Israel está de volta ao mapa dos enófilos e os vinhos casher, produzidos tanto lá, quanto em outros países, estão sendo apreciados no mundo todo. Vinicultores e supervisores rabínicos têm investido não somente tempo, como também muitos recursos para otimizar a produção e incrementar o paladar dos vinhos casher, utilizando para isto técnicas de preparo de vinhos clássicos franceses.
Os responsáveis pela fabricação dos vinhos casher em Israel, na França, nos Estados Unidos e em outros países estão cada vez mais empenhados em obter produtos da melhor qualidade, sem descuidar dos preceitos religiosos que garantem a cashrut de seus produtos. Acreditam que os consumidores apenas de produtos casher apreciam os bons vinhos secos. Foi desmistificada a idéia de que este tipo de público não seria tão exigente e mais, de que não seria possível oferecer-lhes um produto digno de ir para a mesa dos melhores gourmets. Some-se a isto o fato de ser um mercado em expansão, já que constantemente aumenta o número de pessoas que consomem produtos fabricados de acordo com as leis de cashrut.
Israel
Em Israel estão os maiores e melhores fabricantes de vinho casher do mundo. Israel e seu clima mediterrâneo desmistificaram a idéia de que um vinho bom não pode ser produzido em uma região quente.
Em um relativo curto espaço de tempo a indústria de vinho evoluiu de simples produtor de vinho adocicado para ritual, usado para fazer o kidush, ao nível de fabricante de vinhos respeitados nos mercados internacionais. Foi em 1983 que as indústrias de vinho do Golan lançaram um vinho branco, seco e sofisticado, o Yarden Dry Sauvignon Blanc, revolucionando os vinhos casher pelo mundo.
Atualmente, em Israel, mais de 30 milhões de garrafas de vinhos branco, rosé e espumante são produzidos a cada ano. Alguns para serem consumidos no decorrer do ano, outros, mais sofisticados, para serem envelhecidos por anos ou décadas.
Os vinhedos em Israel vão de Beersheva até Arad, no sul do país, e da Alta Galiléia até as Colinas do Golan, no norte. Novos vinhedos foram plantados no planalto de Mitzpeh e espera-se para este ano sua primeira safra comercial.
Das Colinas do Golan saem as famosas marcas Yarden, Golan e Gamla, além do menos popular, mas também de boa qualidade, Katsrin. Este último, aliás, foi classificado entre os cinqüenta melhores vinhos de todo o mundo, conquistando inclusive consumidores não judeus. Exportado para todos os países europeus e do mundo, em geral há mais de doze anos, o vinho casher conseguiu conquistar o paladar dos consumidores e enólogos.
França
Atualmente, quase todas as tradicionais regiões produtoras de vinho na França - o maior produtor mundial de vinhos clássicos - estão envolvidas na fabricação do produto casher: Bordeaux, Bourgogne, Côtes-du-Rhones.
O sucesso deste tipo de vinho fez com que até o ator Gérard Depardieu dedicasse boa parte de seus famosos vinhedos à fabricação de safras casher para a comunidade judaica. No entanto, por trás do aperfeiçoamento da qualidade dos produtos com o selo de cashrut, nos últimos anos, está o consumidor, cada vez mais exigente em relação ao que o mercado tem a lhe oferecer.
Estados Unidos
Os vinhos casher produzidos nos Estados Unidos atualmente também figuram entre a lista dos preferidos do público, uma situação bem diferente da registrada no país há 15 anos. O vinho Hagefen, por exemplo, produzido na região de Napa Valley, está entre os mais pedidos no prestigiado Hotel Fairmont, em São Francisco. Vinhos com o selo Hagefen têm sido servidos também na Casa Branca.
Produzidos com todos os cuidados, as variedades levemente seco, semi-seco e doce são algumas das fabricadas nos Estados Unidos sob os selos Gan Eden, Hagefen e Weinstock. Korbel, o maior produtor de vinhos começou a fabricar recentemente sua primeira remessa de vinhos casher, enquanto a Canan-daigua Wine Company, o segundo maior produtor da América, depois de Gallo, também iniciou sua produção de Chardonnay, Cabernet e vinho branco com o selo casher Mani-schewitz, de sua propriedade.
Produto diferenciado
O vinho casher vem sendo considerado pelos seus fabricantes um produto diferenciado, que requer, além de todos os cuidados inerentes à sua produção, mais alguns. Deve ser produzido de acordo com procedimentos definidos na Torá.
Na antigüidade o vinho era usado nos rituais pagãos, em libações nas oferendas a ídolos. A libação era um ritual religioso que consistia em derramar vinho como oferenda a uma divindade. Por isso foi proibido ao povo judeu o consumo do vinho produzido ou manuseado por não judeus. Mesmo quando cessou a idolatria, a restrição chamada de Yayim Nesech (Deut. 32:38) continuou válida.
Outro ponto fundamental na produção de vinho casher é que todo o material e equipamento utilizados sejam "casherizados" com água fervente, sem toque manual e, como última etapa, passados em água fria. Tubos, pipetas e bombas devem passar por este processo, que deve ser supervisionado por um rabino ou seu representante.
Em uma fase posterior do processo produtivo, quando o vinho é então colocado em cubas para fermentação, é aplicada a lei denominada milui veyrui. Segundo esta lei, o produto deve ser passado de uma cuba para outra, sendo que cada vasilhame deve ser lavado com águas virgens, ou seja, que não tenham sido usadas para outros fins. Este processo dura em média três dias. Após os utensílios e máquinas serem lavados e "casherizados", recebem um selo com uma rubrica em hebraico de uma autoridade rabínica responsável pela cashrut. O mesmo é feito com o vinho nas cubas.
É importante enfatizar, ainda, que um vinho só será considerado casher se seguir este procedimento e se todos os ingredientes e equipamentos seguirem as mesmas regras. A fase de fermentação, reduzida ou acelerada, só interferirá no selo de cashrut do produto final se a qualidade da levedura utilizada neste processo estiver contaminada por alguma bactéria.
Como vimos, pela Lei Judaica, para o vinho ser considerado casher só pode ser tocado ou manuseado durante todo o processo de fabricação, e mesmo após a garrafa ter sido aberta, por um judeu que respeite os mandamentos da Torá. Esta lei dificulta, sem dúvida, seu consumo. Há, no entanto, uma exceção se o vinho for meshuval, ou seja, "cozido". Isto é, se o vinho passar por um processo no qual durante um curto período de tempo é elevado a uma temperatura alta. Desta forma qualquer pessoa pode manusear a garrafa.
Atualmente é um processo bastante comum e mesmo vinhos não casher passam por algo parecido, um tipo de pasteurização que, na maior parte dos casos, não compromete seu sabor. Só os vinhos mais sofisticados de bouquet mais refinado não passam por este processo e para ser casher devem ser manuseados por judeus praticantes.
Segundo produtores de vinhos, o hábito de se consumir vinho no kidush desempenhou um papel importante para a busca de uma melhor qualidade, não apenas para o produto em si, mas também para as questões ligadas ao armazenamento e à distribuição. Os tempos em que se armazenavam as garrafas sem se preocupar com a temperatura ficaram para trás. Não somente os habituais distribuidores, mas também lojas especializadas e mercearias, estão construindo ambientes apropriados para uma boa conservação do vinho.
Um vinho casher, tecnicamente falando, pode ser comparado aos melhores vinhos do mercado. Restam ainda alguns detalhes a serem melhorados, como um maior profissionalismo dos vinicultores, por exemplo. É necessário formar-se vinicultores judeus que, além de seguir leis de cashrut, possuam também três elementos essenciais para a produção de uma boa safra: o trabalho, a paciência e a paixão.
No Brasil, por enquanto, só há dois tipos de vinho casher nacional: o Guefen e o Carmel: O vinho casher importado pode ser encontrado no Brasil em lojas como Zilana, All Kosher, Santa Luzia, Pão de Açúcar e Importadora Victor Souccar, entre outras.