O hebraico sempre influenciou a sua cultura, dando origem a vários outros idiomas que mesclavam os sons de seu novo lar com sua língua milenar. Assim nasceu o ladino, na Espanha cristã, o ídiche, na Europa do Leste, e o judeu-árabe, no rastro das conquistas islâmicas dos séculos VII e VIII que fizeram do árabe a língua-mãe de diversas nações.

Durante a maior parte da Idade Média os judeus que viviam nas áreas sob domínio islâmico eram a parte maior e mais ativa do povo judeu. Os que viviam nas áreas cristãs na Europa, eram uma minoria e, com raras exceções, a produção criativa e significativa na vida judaica da época ocorreu no Islã. Só no final da Idade Média o centro de gravidade da vida judaica, tanto em número como em importância, desloca-se da Ásia para Europa, do Islã para o cristianismo.

As invasões islâmicas provocaram várias mudanças entre os judeus que viviam sob seu jugo e entre elas uma mudança lingüística.O árabe tornou-se a língua do cotidiano e do comércio, a língua da filosofia, da ciência e da política. A aramaico foi relegado para uso litúrgico, o grego esquecido e o latim era pouco usado mesmo na Europa. O resultado foi o nascimento de uma língua híbrida: os judeus passaram a escrever o árabe com caracteres hebraicos. Sábios, poetas e comerciantes escreviam usando este tipo de escrita. Yehuda ha-Levi, Maimônides, Rabi Ibn Pakuda, entre outros, escreveram várias de suas obras em judeu-árabe.

Este idioma passou por vários processos de mudança. Durante o período próximo à Idade Média, possuía sons mais homogêneos e uma estrutura léxica e sintática muito mais próxima do árabe clássico, incluindo alguns modelos morfo-fonéticos de dialetos árabes medievais.

Com o passar dos séculos foi sendo substituído pelo chamado Judeu-Árabe Moderno (JAM), que refletia, acima de tudo, a pluralidade dos dialetos árabes e suas diferenças. Em cada país em que era falado, o JAM possuía características singulares, sendo influenciado pelos dialetos árabes. O JAM era usado pelos judeus em sua vida sociocultural, pessoal e também na produção jornalística e literária. Todos os dialetos do JAM utilizavam caracteres hebraicos.

Até a recente dispersão total das várias comunidades judaicas dos países árabes, o JAM era a língua mais usada entre os judeus do Iêmen, Iraque, Síria, Líbano, Egito, Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. Apenas no Iêmen, na Tunísia e no Marrocos há remanescentes das comunidades que ainda se comunicam através do JAM. A maioria dos que sabem falar algum dos dialetos do JAM, vivem atualmente em Israel, França e Canadá. Alguns poucos estão nos Estados Unidos e no México. O JAM era também falado em Bombaim e em Calcutá, na Índia, países nos quais judeus iraquianos fundaram algumas comunidades nos finais do século XIX e início do XX. Alguns do dialetos do JAM lá falados traziam influência, em maior ou menor grau, dos dialetos árabes medievais usados pelos judeus de Sanna, Bagdá, Damasco, Alepo, Cairo, Alexandria, Túnis, Fez e Marraquesh.

De modo geral, os dialetos do JAM possuíam ricos componentes lingüísticos de hebraico e aramaico; uma ampla variedade de palavras usadas para a tradução dos textos bíblicos tradicionais, talmúdicos e pára-litúrgicos, além da romanização dos léxicos de alguns dialetos.

Com a chegada ao Norte da África de milhares de judeus que falavam ladino (judeu-espanhol) após sua expulsão de Portugal e da Espanha, este idioma também passou a influenciar o JAM a partir do século XVI.

No final do século XIX, houve maior romanização dos seus vários dialetos - exceto o falado no Iêmen - principalmente por causa da expansão do império colonial francês e com o conseqüente estabelecimento de várias escolas da Alliance Israélite Universelle em todo o Mediterrâneo.

A partir de 1875, diante da necessidade de publicar jornais em judeu-árabe para que as populações judaicas melhor acompanhassem as mudanças no panorama local e mundial, o JAM passou por novas mudanças, utilizando cada vez mais termos extraídos do hebraico moderno literário, da literatura européia e da ficção árabe-islâmica justamente por sua riqueza lingüística. A islamização da linguagem literária é mais evidente na produção literária publicada em dialeto judeu-tunisiano no final do século XIX e início do XX.

Judeu-persa

Entre os vários dialetos falados pelos judeus nos países árabes e islâmicos está o judeu-persa (JP), ou seja, a qualquer texto em persa escrito com o alfabeto hebraico. Os textos mais importantes lançados neste dialeto apareceram somente no século XIV, sendo que um dos mais importantes deste período é uma tradução do Pentateuco datada de 1319 e cujo único manuscrito encontra-se atualmente na Biblioteca Britânica. Apesar de não conter o final do Gênese, o Êxodo e o Levítico, o manuscrito tem 128 páginas, apresenta referências à lingüística persa e à gramática hebraica medieval, citações de Rashi e trechos de obras de Maimônides.

São do século XIV também os trabalhos do maior poeta judeu do Irã, Shãhin de Shiraz. Obras de outros poetas mais recentes como Emrãni revelam os esforços feitos pelo autores judeus para usar as mesmas formas utilizadas em persa pelos escritores contemporâneos não-judeus, abordando, no entanto, temas judaicos.

A partir de meados do século XIX, com a migração de judeus de cidades como Bokhara, Samarkand e Tashkent para Eretz Israel, vários trabalhos foram publicados em Jerusalém, em JP. Um dos seus mais proeminentes autores, editores e tradutores foi Shim'on Hakhan, que lá viveu durante os últimos 20 anos de sua vida, morrendo em 1910. Deixou como legado uma importante biblioteca com obras no rico idioma judeu-persa.

Bibliografia:

Geoffrey Wigoder, S.Phil, The New Standard Jewish Encyclopedia
Bernard Lewis, The Jews of Islam.