Localizada na faixa costeira da Tunísia, esta ilha mediterrânea, rica em lendas e histórias, é palco de uma comemoração anual que reúne judeus, cristãos e muçulmanos em um clima de harmonia e muita alegria.

A maioria dos visitantes vem a Djerba para descansar e aproveitar as belezas naturais desta praia afetuosamente chamada pelos nativos de “Praia da Salsicha”. No entanto, dentre os turistas, são poucos os que sabem que, anualmente, no meio de um país árabe como a Tunísia, é realizado um festival de peregrinos judeus que conta também com a participação de membros de outros credos.

Este evento de alegria e confraternização é chamado de El Ghriba e começa em Lag Ba’Omer, entre Pessach e Shavuot. O ritual de se contar o Omer por 49 dias – desde o Êxodo do Egito até a entrega da Torá – era associada a um período alegre. No entanto, segundo a tradição, há aproximadamente dois mil anos, tornou-se uma época de tristeza quando milhares de discípulos do Rabi Akiva morreram em conseqüência de uma epidemia. Porém, no 33º dia da contagem do Omer (em 18 de Iyar), a mortalidade cessou e foi instituída uma festa para celebrar o fim de tanto sofrimento. Ainda de acordo com a tradição, Lag Ba'Omer honra a Rabi Shimon bar Yochai, que iluminou o mundo com sua obra sobre a Cabalá.

No mundo simples, correto e cheio de fé dos judeus de Djerba, essa explosão de alegria fixou-se profundamente em sua cultura e costumes, criando uma agitada celebração. É uma festividade que marca a primavera, reverencia os estudiosos e profere as orações de esperança de ocorrências positivas dos ciclos de vida: casamentos e nascimentos. A comunidade judaica de Djerba é tida como a mais antiga em todo o mundo. A maioria dos seus habitantes acredita que a comunidade data de dois mil a dois mil e quinhentos anos atrás.

De acordo com o sábio djerbaniano Hai Haddad, os primeiros colonos teriam chegado há aproximadamente três mil anos, no tempo dos reis David e Salomão ou na época da destruição do Templo e do exílio forçado à Babilônia e a outras terras, em 586 a.E.C. Outra possibilidade é a de que ambas as explicações sejam verdadeiras e que representem as diversas ondas de imigração: aqueles judeus que deixaram Jerusalém após a destruição do Segundo Templo, no ano 70 E.C., e os que saíram da Espanha durante a Inquisição. Os historiadores atestam que Djerba foi o centro mais importante da vida judaica, no norte da África, durante o período do Império Romano.

Na festa de El Ghriba, os judeus djerbanianos não comemoram sozinhos. Ao lado dos mil judeus que lá vivem (há dois mil em toda a Tunísia) e de muitos muçulmanos, multidões de peregrinos judeus vêm de todas as partes do mundo. Estima-se um número de até sete mil. A maioria é composta de tunisinos que emigraram para a França ou para Israel.

As festividades se desenvolvem na belíssima sinagoga principal, a de El Ghriba, a pouco mais de um quilômetro de Hara Saghira, o menor dos dois bairros judaicos da ilha, local onde se instalaram, primeiro, os Cohanim e os rabinos. O outro bairro é Hara Kabira, o maior deles, e as duas comunidades normalmente não se misturam. Uma terceira vizinhança é Houmt Souk, a área de compras conhecida por suas joalherias; ouro e prataria há muito têm sido a principal atividade artesanal e 90% dos ourives são judeus.

A sinagoga de Ghriba, branca e restaurada, tem apenas cerca de um século de existência. Mas, de acordo com depoimentos, a sua pedra fundamental veio do Templo do Rei Salomão. Teria sido mesmo do canto da muralha do Segundo Templo? Ou teria sido meramente uma pedra que um judeu exilado trouxera da Terra Santa? A história perde nitidez. Um rabino francês diz conhecer a história. Segundo a tradição, a pedra “carregou a si própria” por todo o caminho desde Jerusalém e apareceu, milagrosamente, no local onde a sinagoga seria construída. Outra história conta que os Cohanim trouxeram um dos portões do Templo para Djerba, em 70 E.C., onde ele continua instalado na sinagoga de Ghriba.

O prédio, bem no centro do local das celebrações, é uma torre de vários níveis e possui a forma de um enorme bolo de casamento adornado com pequenos candelabros. A torre é cuidadosamente enfeitada com xales coloridos das mulheres e perfumada como uma noiva, com aromas exóticos. A “grande menorá” é retirada apenas uma vez por ano, colocada num carro e levada através das ruas cheias de areia. Os celebrantes cantam, aplaudem, rezam e a beijam, enquanto a menorá é levada desde a sinagoga de Ghriba até as menores, em Hara Saghira.

Enquanto a menorá é levada através das ruas, jovens fazem animados lances leiloando o privilégio de subir no carro da menorá. O dinheiro arrecadado é destinado para a manutenção da sinagoga de Ghriba e para tzedaká.

Homens religiosos proferem as bênçãos sobre os doces e frutas secas que são servidos em bandejas, pela sinagoga. Quem abençoa a comida? “São normalmente aqueles que tomam conta do local. Não há rabinos na sinagoga de Ghriba nem tampouco nenhum estudioso tido como o líder espiritual”.

Durante o desfile com a menorá e pela noite adentro, as velas são acesas e orações são ditas pela saúde e bem-estar, pela sorte e fortuna. Desejos de preces são escritos em pedaços de papel e enfiados numa caixa de vidro que guarda os rolos da Torá. Há também um pequeno túnel com velas no qual as mulheres colocam ovos crus com nomes escritos na casca. Os ovos ficam cozidos pelo calor das velas e então são comidos pelas mulheres cujos nomes lá estão. Segundo a crença popular, este gesto pode trazer sorte de diversas maneiras.

Em cada recôndito da sinagoga, com suas colunas recobertas de azulejos brancos e turquesa pintados à mão, alguns homens estudam enquanto outros cantam e bebem e as mulheres manifestam sua alegria com gritos. O chão é escorregadio pelo óleo que pinga das lamparinas acesas pelos peregrinos em suas orações.

Fora da sinagoga há um amplo pátio com roupas, fitas, vinhos e lembranças à venda. As pessoas atravessam os corredores até o pátio, onde a brik (uma massa frita de ovos, mergulhada em óleo) é preparada e vendida. Ali, também, os habitantes locais assam carne para si e para seus convidados, e comem em longas mesas.

Os elementos políticos mais chamativos são os discursos. Slaheddine Maaoui, então ministro tunisino do Turismo e do Artesanato (ele acaba de ser nomeado embaixador em Paris), proclama em voz alta seu amor pelo povo judeu. Embora tenham ocorrido períodos de terror e de perseguições no passado, as boas relações entre judeus e muçulmanos são aqui aparentes, como não é usual num país árabe.

Um muçulmano explica que “a sinagoga de Ghriba é um lugar santo para os muçulmanos também e nós a reverenciamos tal como fazem os judeus”. Ele abre um grande sorriso e me deseja um feliz Lag Ba'Omer. “Diga aos americanos que venham e que vejam por si próprios”, diz um outro que dança pela rua.

“Como vocês vão acomodar toda a gente que gostaria de sentir de perto a sua festa?”, pergunto.

“Ah... D’us cuidará disso”, diz uma radiante nativa.

Fonte:
Los Muestros, dezembro 1996
Hadassah, abril 2001

Djerba, uma comunidade antiga

A ilha de Djerba se encontra a alguns quilômetros da costa tunisina e já era famosa na Antiquidade pela qualidade da púrpura ali fabricada. A comunidade judaica de Djerba é uma das mais antigas do mundo, sendo que os primeiros judeus a chegarem em Djerba vieram da Tunísia com os navegadores fenícios. Os judeus da ilha estão divididos em dois grupos, ambos muito religiosos.

Um grupo se concentra em Hara el Kebira (o Bairro Grande} no qual vivem atualmente cerca de 600 judeus; o outro está localizado em Hara el Saghira (o Bairro Pequeno), no qual só restam aproximadamente setenta judeus. Apenas seis quilômetros separam um bairro do outro. No entanto, até há pouco tempo, mantinham tribunais religiosos e escolas separados, além de um ritual de abatimento dos animais independente. Os habitantes do Bairro Pequeno se orgulham de ser os descendentes dos Cohanim, sobreviventes da destruição do Primeiro Templo em 586 antes da era comum. Esses Cohanim têm na barra das calças um fio preto, sinal de luto do Templo destruído. Eles são ortodoxos e seguem literalmente a religião.

Os judeus do Bairro Grande pretendem ser mais cultos, ter mais conhecimentos gerais e ser menos supersticiosos. Todas as casas dos dois bairros são decoradas com a Estrela de David e desenhos de peixes estilizados para protegê-las do mau-olhado. As casas têm também uma área descoberta para montar a sucá na festa de Sucot. Quando os habitantes constroem uma casa sempre deixam alguma parte incompleta para lembrar a destruição de Templo.
Há onze sinagogas em Djerba além da de Ghriba, a maior e a mais conhecida. As duas comunidades possuem gráficas que durante muito tempo editaram livros em hebraico, aramaico e judeo-árabe. Tinham também muitas lojas de confecção de talitim (xales de reza). A maioria dos habitantes do Bairro Grande são ourives, trabalham o ouro e a prata, enquanto os do Bairro Pequeno são marceneiros, sapateiros, tintureiros ou alfaiates. Um homem do Bairro Grande poderia casar com uma moça do Bairro Pequeno, mas o contrário era inconcebível.

Há muitas lendas e tradições sobre Djerba uma das quais conta que quando o Templo foi destruído alguns Cohanim fugiram levando uma porta (Delet) e blocos de pedra do santuário. Após uma longa viagem, chegaram a uma ilha misteriosa, Djerba. Lá, construíram uma sinagoga e incorporaram as pedras à construção, assim como a porta, que serviu para fechar o Hekhal, no qual fica a Torá. Esta foi a primeira Ghriba. Uma outra lenda fala de uma jovem que fugiu de Jerusalém destruída levando com ela rolos da Torá. Os ventos conduziram seu barco até Djerba, onde ela morreu de esgotamento. A Ghriba teria sido construída perto do seu túmulo.