Especialista em questões soviéticas, com brilhante passagem pela Universidade de Stanford, Condoleezza Rice recebeu, em 1998, um convite para se reunir com George W. Bush em Kennebunkport, no Estado de Maine. À época, o candidato republicano começava a esboçar o embrião de sua equipe de governo, de olho nas eleições presidenciais de 2000.

Dois anos e meio depois da chegada do líder texano à Casa Branca, Rice, no cargo de assessora para assuntos de segurança nacional, transformou-se na conselheira mais importante e influente da Casa Branca na área diplomática, premiada agora em junho com uma tarefa nova, desafiadora e um tanto distante de suas especialidades acadêmicas: ser representante oficial do presidente nas intrincadas negociações do Oriente Médio.

A nomeação veio após a viagem de Bush ao Egito, onde ele se reuniu com líderes árabes, e à Jordânia, palco da reunião entre o presidente norte-americano e os premiês israelense Ariel Sharon e palestino, Abu Mazen. Ao colocar Rice à frente do esforço diplomático norte-americano, George W. Bush evidenciava a relevância dedicada naquele momento à iniciativa de negociação conhecida como mapa do caminho. Ela (Rice) traz o peso do gabinete do presidente, e sei que ela terá a cooperação do secretário de Estado (Colin Powell), declarou Anthony Zinni, que falava do alto de sua experiência fracassada, em 2001, como enviado especial de Washington para o Oriente Médio. Acrescentou o ex-general: Rice pode pegar o telefone e ligar para os Mubaraks, os Abdullahs e os europeus e tem como pressioná-los.

Ao emergir como figura-chave na diplomacia norte-americana para o Oriente Médio, Condoleezza Rice despontava também como personagem que paira sobre os dois grandes campos em que se dividem os formuladores da política externa dos EUA. O secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, capitaneia a ala integrada pelos chamados neo-conservadores, que propõem ações mais unilaterais, com ênfase no uso do poder militar, para defender os interesses norte-americanos pelo planeta. Do Departamento de Estado, o secretário Colin Powell comanda os setores tidos como moderados, adeptos de uma visão mais multilateralista do cenário global e defensores da construção de alianças e da atuação em organismos e fóruns internacionais.

Ao entregar a Rice o cetro da condução da política para o Oriente Médio, Bush não sinalizava apenas o maior envolvimento da Casa Branca nas negociações. Indicava também que a diplomacia norte-americana não ficaria limitada à visão de um dos campos em que se dividem os formuladores de política externa. Condoleezza Rice já freqüentou as listas das duas alas, numa prova de seu trânsito entre os grupos de Rumsfeld e de Powell. Meses depois do encontro histórico de Kennebunkport, que havia sido arranjado por Bush pai, Rice montava a equipe diplomática que foi então descrita como um ninho de falcões pelo colunista conservador Robert Novak. Destacavam-se no grupo em formação nomes como Paul Wolfowitz, Richard Armitage, Robert Zoellick e Stephen Halliday, que serviram nas administrações republicanas de Ronald Reagan ou de Bush pai.

No entanto, outras descrições colocaram Condoleezza Rice no rol dos moderados, ao lado, por exemplo, de Colin Powell. A duplicidade de rótulos comprova a capacidade da ex-acadêmica de Stanford de transitar entre os grupos, atuando como elo de articulação na política dos EUA para o Oriente Médio, que, ao longo das últimas décadas, se apoiou em três pilares: segurança para o Estado de Israel, busca de estabilidade regional e fluxo de petróleo sem interrupções significativas. Governos republicanos ou democratas seguiram essas balizas, variando em questões de ênfase e de métodos, para alcançar esses objetivos diplomáticos comuns aos dois grandes partidos norte-americanos.

Também para escapar das simplificações e das rotulagens que rondam o universo político de Washington, a Casa Branca elegeu um diplomata com 33 anos de carreira para ser o braço-direito de Condoleezza Rice no espinhoso desafio de auxiliar nas negociações entre israelenses e palestinos. John Wolf, ex-embaixador na Malásia, assim como sua nova chefe, não carrega no currículo experiência no trato aprofundado das questões do Oriente Médio. Sua última tarefa no Departamento de Estado era cuidar das iniciativas voltadas à não-proliferação de armas de destruição em massa, numa atuação que ajudou a consolidar a sua reputação de um diplomata disciplinado, acessível e muito pragmático.

Nos dois primeiros anos de seu mandato, George W. Bush declarava à exaustão que não repetiria o que classificou como um grande equívoco de seu antecessor. O democrata Bill Clinton mergulhou nos esforços de negociação do Oriente Médio e colecionou um fracasso, por conta da intransigência palestina na negociação Camp David, em 2000. Ao pinçar Condoleezza Rice para um papel de destaque na questão israelo-palestino, Bush afastou-se da opção de manter uma distância cautelosa e aumentou o comprometimento da Casa Branca com as negociações, o que, na visão de Anthony Zinni, ex-enviado de Washington ao Oriente Médio, representa um ingrediente fundamental para na região: É necessário que seja sentido o peso da personalidade do presidente, fulminou Zinni, com a experiência de quem já percorreu os meandros do conflito no Oriente Médio.


O jornalista Jaime Spitzcovsky é diretor do site www.primepagina.com.br e articulista da Folha de S. Paulo. Foi editor internacional e correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.