Mas o que é um kibutz urbano? Antes de tentar traçar suas metas é preciso encarar o fato de que no Israel de hoje, o kibutz de antigamente, cujo modelo foi implantado pelos pioneiros sionistas, está em vias de desaparecer.

Mas o que é um kibutz urbano? Antes de tentar traçar suas metas é preciso encarar o fato de que no Israel de hoje, o kibutz1 de antigamente, cujo modelo foi implantado pelos pioneiros sionistas, está em vias de desaparecer. Atualmente, apenas 2% da população israelense, ou seja, 100 mil pessoas, vivem nos kibutzim, comparados aos 6% à época da criação do Estado de Israel, em 1948. Para muitos, o fim do kibutz teve início quando seus membros passaram a adotar idéias e conceitos capitalistas, fazendo da instituição uma estrutura lucrativa. Isto renegava a noção de coletividade e, de certa forma, abolia os sinais de igualdade. Hoje, na maioria deles, há diferenças salariais entre os trabalhadores, as refeições comunitárias são cada vez mais raras e a privatização dos bens e meios de produção já é uma realidade.

No entanto, desde a década de 1990, alguns jovens, em sua maioria originários de kibutzim tradicionais, estão retomando o desafio e os ideais dos pioneiros da primeira metade do século XX. Procuram reviver nos centros urbanos o seu conceito tradicional, tentando adequá-lo ao Israel do século XXI.

A idéia principal a sustentar essas experiências comunitárias é o desejo de contribuir para o bem-estar da comunidade, buscando integrar os membros do kibutz com os demais habitantes da região. Os jovens engajados nestes projetos urbanos acreditam que a solução para os problemas sociais se tornou o grande desafio da sociedade israelense. Prova disto é o fato de grande parte do orçamento de todo kibutz urbano estar direcionado a atividades sociais e educativas dos adultos e crianças do bairro. "Nossa meta", explica uma das responsáveis pelas novas comunidades, "é romper a dicotomia existente entre cidade e kibutz. Atualmente é no meio urbano que se encontram os desafios. Assim, ao invés de cultivar os campos, agora cultivamos seres humanos".

O kibutz urbano não é uma experiência totalmente nova, pois, em 1947, imigrantes recém-chegados fundaram um deles. Mas este acabou falindo, em 1952, e o conceito renovado e adequado à nova realidade israelense só foi retomado na última década. Em 1995, o Movimento Kibutziano deu legitimidade jurídica a esse tipo de kibutz, que é agora reconhecido e definido como ''uma coletividade no centro urbano, que trabalha para o bem-estar da sociedade através de um modo de vida igualitário e coletivo que reparte direitos e deveres". Este reconhecimento garante aos kibutzim urbanos, além do reconhecimento legal, recursos financeiros do governo e do próprio Movimento.

Muitos começaram como centros comunitários onde viviam jovens, uma espécie de república estudantil - à semelhança do que se vê em vários países do mundo. Apesar da experiência ser ainda muito recente e enfrentar inúmeras dificuldades, tanto de ordem econômica como ideológica, já estão sendo implantados kibutzim urbanos laicos e religiosos, em vários pontos de Israel, por jovens idealistas: em Sderot, no coração de Neguev; em Migdal Haemek, ao norte; em Beit Shemesh e em Jerusalém, para citar apenas alguns. Por enquanto, agregam apenas algumas dezenas de famílias, mas estão em expansão.

O Kibutz Beit Israel, fundado em 1992 por Oshea F. Ben-Shalom, é composto por 5 famílias-membros e 25 outras apenas associadas, que pagam uma taxa para utilizar os equipamentos e os serviços da instituição. O grupo instalou-se em um antigo centro de absorção da Agência Judaica. Localizado em Guiló, um bairro de Jerusalém situado próximo à cidade árabe de Beit Jalla, apresenta grandes problemas sociais, além de ser alvo constante de ataques terroristas. Ainda assim, apesar das dificuldades, a idéia de retomar o modelo dos pioneiros está atraindo para o bairro jovens à procura de um ideal.

Ben-Shalom é um homem de 45 anos, pai de três filhos, e usa uma kipá tricotada. Seus pais descendem de duas respeitadas famílias chassídicas da Europa Central. Durante a II Guerra Mundial, o casal emigrou para Israel ainda sob o Mandato Britânico. Em um primeiro momento, abandonaram as tradições judaicas e fundaram o kibutz laico de Reshafim, no vale de Beit Shean. Mais tarde, retornaram à prática da religião, participando da formação de um dos kibutzim religiosos do Neguev. Ben-Shalom cresceu dentro do espírito comunitário de dar de si para o bem comum, mas a idéia de um kibutz urbano amadureceu apenas enquanto ele prestava serviço militar. Foi oficial na unidade Golani, uma das tropas de elite das Forças de Defesa de Israel. Nesse período, deparou-se com um outro Israel, mais pobre e com grandes carências. Esta descoberta fez com que ele tomasse a decisão de se empenhar para mudar essa realidade.

Ao tentar explicar os objetivos de um kibutz urbano, afirma: "Na década de 1920, quando o Estado de Israel ainda estava em fase embrionária, os kibutzim cultivavam as terras e protegiam as fronteiras. Esta realidade mudou totalmente. Nossa missão atualmente é melhorar a sociedade, ajudar os menos favorecidos e tentar romper com o terrível ciclo de pobreza de alguns setores da sociedade israelense. Somos os novos pioneiros".

Um dos exemplos dos projetos implantados pelo Kibutz Beit Israel foi a criação, em 1997, do programa de Mechiná, um curso preparatório para o exército para rapazes e moças, como um cursinho de vestibular. Único programa de serviço militar a reunir religiosos e laicos, é um dos mais importantes do país. Apenas 35 jovens são aceitos a cada ano e o currículo abrange aulas de judaísmo, sociologia, história, arte, literatura e, ao mesmo tempo, seus integrantes participam de um trabalho no âmbito da comunidade.

Além do "Prêmio Avi Chai", em 1997, o Kibutz Beit Israel recebeu em 1998 o "Prêmio de Tolerância", outorgado pela Knesset, o Parlamento de Israel.

Notas:

* - A Fundação Avi Chai, que atua nos Estados Unidos e em Israel, concede anualmente esta láurea a projetos que se destaquem na promoção de um melhor entendimento entre diferentes grupos e setores da sociedade, nesses dois países, bem como na disseminação de temas relacionados ao judaísmo.

1 - Forma de fazenda agrícola, calcada no ideal socialista de propriedade coletiva; um tipo de agrupamento familiar, cujos membros têm direitos iguais e onde não há propriedade individual. O trabalho é repartido por um comitê eleito, que o dirige.

Fonte:

Revista Communaute Nouvelle - Junho 2004

www.avichai.org.il